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Desmitificando o Pampa como emissor de gases do efeito estufa

Estudo da área da micrometeorologia mostra que o bioma tem potencial absorvedor de Gases do Efeito Estufa



A preocupação ambiental compreende a atenção para a emissão dos  gases de efeito estufa (GEE). Um estudo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desenvolvido desde 2015, tem apresentado resultados que mostram que a pastagem natural do Bioma Pampa, quando bem manejada, compensa as emissões de metano produzidas pelo gado através da absorção de dióxido de carbono (CO2) pela pastagem. Ou seja, o Pampa é um potencial absorvedor de gases do efeito estufa (GEE).

 

De acordo com definição da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Pampa é o único bioma brasileiro localizado em apenas um estado, o Rio Grande do Sul. Caracterizado pelo clima temperado, grande biodiversidade de plantas, e por uma extensa área de campos naturais, principalmente gramíneas, o bioma ocupa cerca de dois terços do território gaúcho. 

Fotografia horizontal e colorida de um gado holandês vermelho e branco, com a boca aberta, que olha para a frentes. Está ao lado de um tronco de árvore. ]Tem um brinco amarelo na orelha esquerda. Ao fundo, detalhes de árvores e de campo de pampa.

A combinação entre o clima e as características únicas da paisagem contribuem para o manejo adequado do gado e também para os resultados da pesquisa. Estes podem ajudar na elaboração de estratégias para a redução da emissão dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. A mitigação desses gases é importante para frear o processo de aquecimento global do planeta. Entre as consequências do aquecimento global estão o aumento da temperatura global, que pode provocar derretimento das geleiras, aumento do nível do mar – que, inclusive, pode fazer desaparecer territórios inteiros, como o de Cuba -, diminuição de água doce para consumo humano, extinção de espécies e impactos sobre o clima. 

 

O aquecimento global é causado pela intensificação da emissão dos GEEs, sobretudo por meio de ações humanas como a queima de combustíveis fósseis nos transportes e na indústria, o desmatamento, as queimadas e as atividades agrícolas. O efeito estufa é um fenômeno natural que é responsável pela manutenção da vida na Terra, uma vez que regula a sua temperatura por meio da absorção da radiação solar pelos GEEs. A Conferência das Partes (COP) é uma reunião anual das 197 partes – ou países – adeptas da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima  (UNFCCC) e que busca a estabilização das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). A COP26, que aconteceu de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasgow, Escócia, reafirmou a urgência da necessidade de redução de GEEs pelos sistemas produtivos, para que o planeta consiga se manter abaixo do aumento de 1,5 grau até o final do século. Até agora, o aumento de temperatura desde 2010 está em 1,1 grau. Para isso, uma das decisões da conferência é que a redução da emissão dos GEEs seja de 45% até 2030.

O Pampa como dreno

O estudo que atesta que o bioma Pampa funciona como dreno de GEEs foi realizado pelo Laboratório de Micrometeorologia da UFSM e coordenado pela professora do Departamento de Física, Débora Regina Roberti. A partir da coleta de dados sobre trocas de carbono e metano nos ecossistemas, o grupo de pesquisadores coordenado pela pesquisadora concluiu que o bioma Pampa, em condições de manejo adequado, funciona como uma espécie de dreno de gases de efeito estufa. 

 

Débora explica que, durante o inverno, em que há menor crescimento das pastagens, o Pampa emite mais dióxido de carbono (CO2) do que absorve. No entanto, a quantidade de absorção dos gases no verão compensa a emissão do inverno e, em uma média anual, o local funciona como um absorvedor de CO2. 

 

Quanto ao metano, a docente salienta que, embora emitido pelo gado por meio da ruminação, a vegetação do bioma – através da fotossíntese – consegue absorver, em quantidade de CO2, o dobro das quantidades de emissão de metano. Pelo tamanho, o Pampa tem potencial de absorver mais de 1 milhão de créditos de carbono, o equivalente a 1 milhão de toneladas de CO2 equivalente. Débora salienta que isso não significa que em outros biomas e em outros tipos de manejo do solo e dos animais não há maior emissão de GEE ‘s.

 

A importância do estudo está em demonstrar alternativas e estratégias que possibilitem mitigar a emissão dos gases de efeito estufa também em outros ambientes. Débora comenta que a intenção é realizar mais estudos em outros locais, para que as medidas sejam ampliadas e possibilitem maior conhecimento sobre outras realidades. Dessa forma, a intenção é elaborar estratégias de mitigação adequadas para cada bioma.

Como os gases de efeito estufa são medidos?

A medição e a quantificação dos GEE podem ser feitas por diferentes técnicas, a exemplo de sensores em animais e de câmeras acopladas ao solo. O Laboratório de Micrometeorologia da Universidade usa a metodologia da covariância dos vórtices – eddy covariance, em inglês – que mede a concentração dos GEE na atmosfera. 

 

A medição é feita por meio de sensores instalados em uma torre de fluxo, que capta os dados presentes na atmosfera e que circulam com o vento. O grupo de pesquisadores tem duas torres de fluxo instaladas em sítios experimentais, uma em uma área de manejo na Universidade, e outra em uma fazenda particular no município de Aceguá, no sul gaúcho, a cerca de 290 km de Santa Maria. Os dois fazem parte da Rede de Sítios do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) Campos Sulinos, rede nacional financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico  (CNPq). Além da UFSM, só a Universidade Federal do Rio Grande do Sul  (UFRGS) tem estações experimentais da Rede PELD no estado.

Fotografia horizontal e colorida de uma torre de fluxo alta, que tem estrutura de metal e tem braços em que estão instalados sensores. A fotografia foi tirada em contra ploungée, e no contrastre do fundo, céu azulado com nuvens brancas.
Torre de fluxo instalada no sítio experimental localizado na UFSM. Além do sensor que mede CO2, a torre possui sensores de outros tipos de estudos da área de micrometeorologia. Em Aceguá, a torre de fluxo é menor e possui somente um braço de medição.
Fotografia horizontal e colorida do braço de uma torre de fluxo. É uma estrutura branca, com um braço em cima e outro embaixo Há um sensor circular ao centro e três antenas que circundam esse sensor. No zoom, em moldura circular, no sensor circular, o texto "Sensor de CO2", e na parte da antena, "Sensor de vento". No canto superior esquerdo, o título "Partes de medidor de fluxo". Ao fundo, a paisagem do pampa: campo de gramíneas.
Braço da torre de fluxo em que está localizado o sensor que mede CO2. Na ampliação, detalhes do sensor de CO2 e do sensor de medição de ventos.

Muito comum nos Estados Unidos e na Europa, a metodologia é pouco difundida na América do Sul. Também é usada para coleta de estimativas das trocas de carbono na Amazônia, com a diferença de que esta necessita de torres mais altas por conta do tipo de árvores. Já no Pampa, cuja característica é uma vegetação herbácea gramínea e mais rasteira, as torres não necessitam ser tão altas.

Fotografia horizontal e colorida de uma torre de fluxo baixa. Ela tem estrutura de metal branco, com um sensor circular que mede CO2, um sensor em forma de antena que mede o vento e um sensor em formato de círculo que mede metano. Ao fundo, campo pampeano com gramíneas e gado holandês vermelho.
Torre de fluxo localizada em Aceguá - RS. Esta possui sensor de medição de CO2, medição de vento e medição de metano. A torre de fluxo de Aceguá também é mais baixa. Crédito da imagem: Débora Roberti.

Para fazer as estimativas de fluxos de GEEs a partir dos dados, são necessárias muitas medições por segundo. Os sensores coletam cerca de dez medidas de cada variável por segundo, o que corresponde a 18 mil medidas na atmosfera a cada meia hora. Os dados são armazenados em um cartão de memória e, no caso do sítio experimental na Universidade, em que há acesso à internet, são repassados de forma automática ao sistema do laboratório que os processa. No caso de Aceguá, em que a torre não tem ligação com a internet, os dados ficam somente no cartão de memória, que é substituído a cada 15 dias, quando também é feita a manutenção dos sensores. As torres são alimentadas a partir de painéis solares, mas, no inverno gaúcho em que há pouco sol, e quando há muitos sensores em uma mesma torre – exemplo da instalada na Universidade -, são usadas baterias recarregáveis para alimentação energética.

Fotografia horizontal e colorida de dois homens que fazem manutenção no sensor da torre de fluxo. Um deles está em uma escada branca e limpa o sensor, localizado a cerca de 3 metros do chão. O outro segura a escada. No canto direito, detalhes da torre e da caixa de controles. A fotografia é tirada em contra ploungée, e pega, na frente, detalhes da gramínea dourada e do fio de cerca. Ao fundo, campo pampeano e céu azul com nuvens.
Bolsistas do Laboratório de Micrometeorologia fazem manutenção dos sensores de medição na torre de fluxo.

Após a coleta de medidas, é feito o processamento dos dados a partir de métodos de redes neurais, que permitem visualizar a dinâmica de trocas em um ecossistema a cada meia hora. A metodologia permite abranger áreas maiores que um hectare e pode ser utilizada, inclusive, para validação de medidas de sensoriamento remoto. No sítio experimental de Santa Maria, há coleta de dados de gás carbônico desde 2015. Já em Aceguá, a coleta é feita desde 2018, e, além dos dados sobre CO2, também foram feitas medidas sobre emissão de metano.

Infográfico horizontal e colorido do ciclo do dióxido de carbono e de metano. Na parte inferior, campo pampeano, com gado branco e vermelho e gramíneas. Na parte superior, céu azul, com nuvens brancas, sol e moléculas de CO2 e de CH4 circulando. No lado direito, uma torre de fluxo branca. Na parte superior, a atmosfera. Na parte inferior, a vegetação do pampa. Há descrições do processo, de um a cinco. 1) ao lado da molécula de cO2: Em um ciclo normal orgnânico, há trocas de CO2 entre o solo, o ar e a vegetação; 2) ao lado da gramínea: As plantas absorvem CO2 para o seu crescimento, através da fotossintese, mas também emitem CO2 através da respiração; 3) ao lado do gado: O gado emite metano através da sua ruminação; 4) ao lado da torre de fluxo: Mede as trocas de gases de efeito estufa entre a Atmosfera e o Ecossistema; 5) no canto inferior direito: No bioma Pampa com pecuária em manejo rotativo, há mais absorção de CO2 que emissão de metano.

O ciclo do CO2 e do metano

Na atmosfera, o CO2 e o metano estão inseridos em um ciclo natural. A partir da fotossíntese – a respiração da planta -, há absorção de gás carbônico pelas plantas, mas estas também emitem CO2, que é jogado para a atmosfera. Os micro-organismos do solo utilizam o CO2 da atmosfera como energia para o crescimento das plantas e, ao respirar, também emitem o mesmo para a atmosfera.

Fernando Quadros, docente no Departamento de Zootecnia e pesquisador na área de Ecologia e Manejo de Pastagens Naturais, explica que esse é o ciclo natural das plantas e está presente desde o início da evolução de plantas e animais. O docente reitera que, neste ciclo natural, os gases são importantes para o desenvolvimento das plantas e animais. 

No caso do metano, a emissão ocorre por meio da ruminação, ou ‘arroto’, dos animais, principalmente o gado, além do ‘pum’. O gás é uma das principais preocupações na problemática do aquecimento global. O professor explica que o metano tem um potencial de aquecimento global maior que o carbono, mas que perdura menos tempo no ambiente. Enquanto o metano fica cerca de oito a dez anos na atmosfera, o gás carbônico pode permanecer até mil anos. No entanto, depois de um período, o metano se transforma em carbono e pode ser absorvido pelo solo, para o desenvolvimento de tecidos vegetais e armazenamento de energia no solo e nas raízes das plantas. Entretanto, Fernando destaca que, quando há um desbalanço no sistema e na emissão natural de gases de efeito estufa, há um desequilíbrio que é prejudicial, uma vez que há mais emissão do que absorção de GEEs, e que podem contribuir no aumento do aquecimento global. No bioma Pampa, a vegetação contribui para o pastoreio e o manejo do gado por meio da diversidade de plantas, sem necessidade de remexer o solo. Biomas que são destruídos ou transformados e em que há o desequilíbrio do sistema, a exemplo de remexer o solo através do ato de lavrar ou do desmatamento de árvores, liberam quantidades de CO2 que estão armazenadas no solo há muito tempo, por meio das raízes das plantas.

O manejo adequado

Fernando participa do estudo coordenado por Débora e é responsável pela área de manejo do PELD Campos Sulinos da UFSM. A pesquisa compreende a presença de gado nos campos de pastoreio e o manejo adequado dos animais, em que a estratégia utilizada é a de pastoreio rotativo, na qual é feita a rotação de piquetes. Os animais se alimentam em uma área em determinado período de tempo, e depois passam para a próxima, para que o pasto tenha tempo de brotar e crescer de forma natural. O sistema difere do pastoreio contínuo, em que os animais permanecem todo o tempo nos mesmos piquetes – que delimitam áreas de divisão da pastagem por meio de cercas – e a quantidade, a altura e o volume do pasto disponíveis são controlados.

 

O pesquisador comenta que a alternativa é baseada na grande diversidade de vegetação herbácea existente no Pampa – cerca de 3 mil espécies catalogadas. Das várias famílias botânicas, as que têm maior número de espécies são as gramíneas, as asteráceas e as fabáceas (leguminosas). Outra divisão das espécies é quanto à capacidade de armazenamento de recursos. As Fabaceas são captadoras de recursos, ou seja, a partir de recursos energéticos como o CO2, crescem mais rápido; no entanto, o recurso fica vivo na planta por menos tempo. As Gramíneas e as Asteraceas são conservadoras de recursos. Uma vez que crescem mais lentamente, a captura de recursos como o gás carbônico, o oxigênio e outros nutrientes permanecem na estrutura da planta por mais tempo.

 

A partir desse entendimento, a estratégia de manejo adequada foi desenvolvida de modo que se adaptasse aos diferentes ritmos de crescimento dos dois grandes grupos de espécies. Com esse critério, segundo Fernando, é possível deixar as plantas crescerem e inserir os animais para novo pastoreio na mesma área apenas quando o tempo de descanso do piquete estiver completo. Assim, é possível manter um maior volume de massa do que nos sítios em que é aplicado o pastoreio contínuo.

Expediente

Reportagem: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista

Fotografias: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista

Design gráfico e Tratamento de imagem: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e voluntário

Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Caroline de Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Alice Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Martina Pozzebon, acadêmica de Jornalismo e estagiária

Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista

Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas

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