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Deslocamentos migratórios forçados

Relatório do Banco Mundial aponta que 216 milhões de pessoas poderão ser forçadas a saírem de seus países até 2050 para fugir de eventos climáticos extremos



Uma das consequências de eventos climáticos extremos como chuvas torrenciais, ciclones, tufões e secas são os deslocamentos forçados de pessoas que habitam os lugares atingidos. Esses eventos geram problemas sociais, como a falta de alimentos, de
moradia e de saneamento básico, que são motivadores da migração. Essas pessoas tornam-se refugiados do clima. A pesquisa denominada “Groundswell”, publicada em 2021 pelo Banco Mundial, aponta que 216 milhões de pessoas poderão ser forçadas
a se mudarem de seus países até 2050 para fugirem de eventos climáticos extremos. É como se toda população do Brasil – 214 milhões de habitantes – fosse forçada a sair do país.

A problemática que envolve as pessoas deslocadas de maneira forçada devido às emergências climáticas ainda não é reconhecida pela legislação internacional. De acordo com o professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), André Pozzatti Júnior, os refugiados, migrantes ou deslocados climáticos (veja box na página seguinte) podem não ser acolhidos por outros países, caso seja necessário cruzar fronteiras para além da nação de origem. “Essas pessoas não têm como provar que são refugiadas, porque o termo se refere a casos de ameaça à vida por meio da violência, da perseguição, mas não relacionados às questões climáticas”, explica o professor. Ou seja, o deslocado climático muitas vezes não consegue amparo em outras nações por não existir um critério legal internacional que prevê, neste caso, o refúgio como direito.

Nesse contexto, o professor, que também é doutor em Direito das Relações Internacionais, ressalta que os Estados são relutantes em estabelecer um novo marco jurídico para proteger tais migrantes: “A partir disso, o termo injustiça climática e ambiental vem à tona. Os países ricos são os mais procurados por refugiados, porém essas mesmas nações são as maiores responsáveis pelas mudanças no clima”, destaca. Segundo o relatório da Oxfam (Oxford Committee for Famine Relief – Comitê de Oxford para Alívio da Fome, em português) em parceria com o Stockholm Environment Institute (Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo), publicado em 2020, a parcela 1% mais rica da população mundial é responsável por mais que o dobro das emissões de Dióxido de Carbono (CO₂) – gás poluente para o Planeta Terra – produzidas pela metade econômica mais vulnerável. Como exemplo, podem-se citar as populações dos países do Norte Global – Estados Unidos e Europa Ocidental, que são as que detêm a maior concentração de riquezas.

Os mais ricos do planeta, que correspondem a 63 milhões de pessoas, já emitiram 15% de CO₂, entre 1990 e 2015, enquanto a população mais vulnerável economicamente – 3,1 bilhões de pessoas – emitiu 7% dos gases neste período, aponta o relatório da Oxfam. Nesse sentido, a chamada injustiça climática ou injustiça socioambiental refere-se a como os impactos das mudanças climáticas são e serão sentidos de forma desigual por diferentes grupos e lugares do mundo. De acordo com Pozzatti, as desigualdades entre Norte e Sul Global estão relacionadas ao colonialismo.

No período das explorações, nos séculos 16 e 17, as nações mais ricas beneficiaram-se das riquezas das colônias. As consequências do colonialismo não afetam os países ricos, e sim aqueles que sofreram com regimes escravistas, com a degradação da natureza e com conflitos internos gerados pelo sistema imperialista, que deixou heranças nos dias atuais. Dessa forma, o professor utiliza o termo “racismo climático ou ambiental” para referir-se tanto à situação da desigualdade global quanto à interna dos países.

Das fronteiras internacionais aos limites internos

De acordo com a pesquisa “Groundswell”, a região mais afetada deverá ser a África Subsaariana – parte situada ao sul do Deserto do Saara –, com quase 40% dos migrantes climáticos (86 milhões de pessoas). Na sequência aparece o Leste Asiático e Pacífico, com 22,6% (49 milhões). Já a América Latina também é classificada como área de alerta, de onde deverão sair 17 milhões de migrantes climáticos, por causa de estiagem, enchentes e tempestades extremas.

Giuliana Redin, professora do Programa de Pós-Graduação em Direito e coordenadora do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional da UFSM (Migraidh), comenta que, no Brasil, não existem políticas públicas que possam dar respostas efetivas às vítimas de deslocamento climático interno.

Conforme o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR):

MIGRANTE: é um termo que não tem uma definição universalmente aceita, mas a mais utilizada é a que engloba qualquer indivíduo que tenha deixado o local onde vive, de forma voluntária ou involuntária, independentemente do status jurídico, duração da estadia ou causa do deslocamento, a fim de melhorar as condições materiais e sociais suas e dos familiares.

REFUGIADO: como definido pela Convenção de Genebra, adotada em 1951, o termo aplica-se a qualquer pessoa que: “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e não pode ou, devido ao medo e à insegurança, não quer voltar a ele”.

PESSOAS DESLOCADAS: sujeitos que tenham sido forçados a fugir de suas casas ou locais de residência habitual, em especial para evitar os efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizada, violações de direitos humanos ou catástrofes naturais e de origem humana. Essa definição abrange tanto o deslocamento interno, de uma região para outra, como os internacionais.

Direitos humanos

Por não existir ainda uma categoria internacional e nacional para garantir o direito dessas pessoas, iniciativas são criadas para auxiliar e proporcionar uma vida mais digna para elas. O Migraidh é um desses projetos. Iniciou as atividades em 2013 junto ao curso de Direito da UFSM, e, em 2015, foi firmado o Termo de Parceria entre a ACNUR e a Universidade. “Trabalhamos com assessoria jurídica, documental, apoio psicossocial, acessibilidade linguística, acesso a serviços públicos e ações efetivas no combate à xenofobia”, descreve Giuliana.

Além disso, o Migraidh é responsável pela política do ingresso para migrantes e refugiados na Instituição. Em 2016, foi aprovado o documento que prevê a abertura de editais para pessoas refugiadas de outras nacionalidades estudarem na UFSM.

Deslocamentos forçados

O egresso da UFSM formado em Estatística Pierre Louis Termidor ingressou na Instituição no segundo semestre de 2017, pelo edital do Migraidh. Pierre veio para o Brasil em novembro de 2013, após o terremoto que ocorreu no Haiti em 2010. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 300 mil pessoas morreram devido às consequências do desastre. 

Por causa do terremoto, pessoas que ficaram desabrigadas ou que não tinham condições de construir uma residência segura mudaram-se para locais que, em muitos casos, não tinham acesso ao saneamento básico, à água potável e à energia elétrica. No Haiti, existem áreas com secas extremas ou ciclos de cheias. As consequências de desastres naturais como o terremoto são mais severas por causa dos efeitos das mudanças climáticas no país.

Após o sismo, junto com os impactos climáticos que o Haiti ainda sofre, a crise socioeconômica no país aumentou. “Tudo foi destruído pelo terremoto. Eu vim para o Brasil tentar continuar meus estudos e procurar melhores oportunidades”, conta Pierre. A família dele continuou no país. 

O estudante morou primeiro em Florianópolis, em Santa Catarina, e lembra que a maior dificuldade no início foi a questão da língua. No Haiti, Pierre cursava Economia, mas tinha interesse em estudar Estatística. Foi por meio de um amigo que ele descobriu a respeito do projeto para imigrantes e refugiados do Migraidh. Assim, pelo ingresso no edital, conseguiu dar continuidade aos estudos na área que sempre quis.

“Em Santa Maria, eu não tinha ninguém, mas o Migraidh, a Universidade e a comunidade da Casa de Estudante me acolheram. Mas sempre tem pessoas que não vão ficar satisfeitas com a nossa presença”, relata. Atualmente, Pierre faz mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e não pensa em voltar para o país de origem. No momento, tem planos de atuar profissionalmente na área de estatística ou de seguir a carreira acadêmica.

Migrações climáticas

Mudanças climáticas impulsionam deslocamentos forçados ao redor do mundo. As populações dos países em conflitos, com problemas sociais e econômicos, são as mais afetadas pelas emergências no clima. Confira, no mapa, detalhes sobre alguns desses países. Além disso, em destaque, está a previsão do número de deslocados climáticos internos (dentro dos próprios países) para 2050, em seis regiões do mundo, segundo a pesquisa “Groundswell”.

Países mais afetados pelas emergências climáticas

Segundo relatório da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), na última década, eventos climáticos resultaram em uma média de 21,5 milhões de novos deslocamentos a cada ano.

Os novos deslocamentos se referem ao número de movimentos. Um sujeito pode ser forçado a se deslocar mais de uma vez, sendo cada um desses movimentos contabilizados como um novo deslocamento.

Números

Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 30,7 milhões de novos deslocamentos humanos  foram registrados em 2020 devido a desastres relacionados ao clima.

Os desastres ambientais já provocaram três vezes mais deslocamentos do que aqueles relacionados a conflitos e violência. Além disso, a pressão sobre recursos naturais, como água e terra, pode aumentar a tensão entre grupos sociais e levar a conflitos.

Motivos para o deslocamento

De acordo com a pesquisa “Groundswell”, os principais motivos para o deslocamento climático são escassez de água, diminuição da produtividade no campo, secas, aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos como tempestades.

  • AMÉRICA CENTRAL – Secas persistentes, chuvas irregulares, temperaturas mais altas e extremas e inundações estão afetando toda a região da América Central, incluindo seu Corredor-Seco. A produção agrícola local diminuiu drasticamente, fomentando o deslocamento populacional e a migração.
  • HONDURAS – Milhares de mulheres responsáveis por empacotar bananas em plantações no país perderam seus empregos após os furacões ocorridos em 2020, que se tornaram mais fortes e mais frequentes na América Central com as mudanças climáticas.
  • BURKINA FASO – Pertencente à região do Sahel – uma faixa de 500 a 700 km de largura, em média, e 5,4 mil km de extensão, entre o deserto do Saara, ao norte, e a savana do Sudão, ao sul.
    Alguns dos piores episódios de deslocamento e violência em Burkina Faso ocorreram nas áreas mais pobres e afetadas por secas, onde grupos armados exploram tensões relacionadas ao acesso a fontes de água e a terras aráveis. A Al Qaeda – organização fundamentalista islâmica – e o Estado Islâmico – grupo jihadista islâmico, entendem que a luta violenta é necessária para erradicar obstáculos para a restauração da lei de Deus na Terra e para defender a comunidade muçulmana -, controlam mais de 30% do país. 
  • BANGLADESH – Bangladesh sempre foi suscetível a tempestades tropicais e enchentes, por causa do período de monções – é um fenômeno que provoca mudança entre a estação de chuvas abundantes e longas secas. Entretanto, as mudanças climáticas estão causando enchentes e ciclones mais frequentes e intensos que ameaçam tanto a população bengalesa como os mais de 870 mil refugiados Rohingya vindos de Mianmar abrigados no sul do país. As enchentes causam deslizamentos e destroem muitos abrigos dos refugiados.
    Os Rohingya são uma minoria muçulmana apátrida de Mianmar. Em 25 de agosto de 2017, quando a violência eclodiu no estado de Rakhine, em Mianmar, a crise humanitária tomou grandes proporções, levando mais de 742 mil pessoas a buscar refúgio em Bangladesh.
  • AFEGANISTÃO – O país sofre com a violência há anos. Em 2021, o regime Talibã – um grupo fundamentalista e nacionalista que defende uma visão radical da lei islâmica – reassumiu o poder do país.
    Além disso, cheias e secas recorrentes, como também crescimento populacional, aumentam a vulnerabilidade do Afeganistão à escassez de água e comida, reduzindo a perspectiva de pessoas refugiadas e deslocados internos em retornar para seus locais de origem. Estimativas da ACNUR apontam que até 16,9 milhões de afegãos – quase metade da população do país – não tiveram comida suficiente no primeiro trimestre de 2021, incluindo pelo menos 5,5 milhões que enfrentam níveis emergenciais de escassez alimentar.
    Em 2020, mais de 2,6 milhões de afegãos estavam deslocados internamente, e outros 2,7 milhões estavam vivendo como refugiados em outros países, como no Paquistão e no Irã.
  • PACÍFICO – Embora contribua com apenas 0,03% das emissões globais de gases de efeito estufa, a região sofre alguns dos piores efeitos do clima, incluindo aumento do nível do mar, aumento da salinização do mar e da terra, perda de terras e de pesca, entre outros.

América Latina
17 MILHÕES

África do Norte
19 MILHÕES

 

África Subsaariana
86 MILHÕES

Europa Oriental e Ásia Central
5 MILHÕES

Sul Ásia
40 MILHÕES

Leste Asiático e Pacífico
49 MILHÕES

Reportagem: Eduarda Paz
Diagramação: Evandro Bertol
Ilustração: Noam Wurzel.

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