O processo de separação de um casal com filhos pode representar uma fase conturbada, na qual a estrutura e as dinâmicas da família são reconstruídas. O grande número de divórcios no Brasil indica um aumento no número de famílias em processo de readaptação de suas dinâmicas e enfrentamento de conflitos. Apenas em 2022, os cartórios brasileiros registraram 68,7 mil divórcios, segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB).
Os conflitos do fim de um relacionamento afetam não apenas o casal envolvido no término, mas também o desenvolvimento e bem-estar dos seus filhos. Um estudo, focado em compreender a relação entre a qualidade da coparentalidade e a qualidade de vida dos filhos, observou que sintomas de ansiedade e depressão dos filhos estavam diretamente ligados ao comportamento dos pais.
Em uma pesquisa conjunta realizada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as autoras observam a dificuldade de ex-casais em dissociarem os conflitos conjugais do exercício da coparentalidade. Isso acontece em razão de um despreparo dos adultos em lidar com os seus conflitos sem envolver os filhos, sendo muitas vezes a continuação dos desentendimentos que levaram ao divórcio e que estiveram presentes também durante o casamento.
Com o objetivo de promover o equilíbrio do exercício da parentalidade por ambos os pais após a separação, a lei da guarda compartilhada, sancionada em 2008, foi planejada de forma a integrar os filhos nas decisões dos pais e mantê-los no foco da nova (re)estruturação da família. Para além da legislação, pesquisadores da área da psicologia têm buscado considerar a coparentalidade e o desenvolvimento equilibrado da mesma nos contextos de cuidados de saúde após divórcios. De acordo com a psicóloga Andréia Sorensen Weber, uma das autoras da pesquisa, o tema é emergente e a abordagem sobre famílias divorciadas em estudos da área ainda é escassa.
Psicoterapia como agente mediador
Segundo Andréia Sorensen Weber, psicóloga integrante do projeto Enlaces – Intervenções Clínicas Familiares no Contexto da Separação Conjugal: uma Ação em prol da Saúde Emocional, do curso de Psicologia da UFSM, priorizar o bem-estar das crianças ao longo do processo de separação é essencial. Por isso, o acompanhamento psicológico não apenas dos filhos, mas também dos pais durante o pós-divórcio é uma das principais soluções apontadas pela especialista. Para ela, “as consequências dos conflitos entre os pais na saúde mental das crianças seriam amenizadas se a rede pública oferecesse atendimento [psicológico] direto ao casal que procura o fórum para fazer a separação ou para estipular a guarda compartilhada para tratar e mediar esses conflitos”.
A mediação dos conflitos a partir da psicoterapia viria interligada à responsabilização individual e ao tratamento de feridas e traumas individuais dos pais. Andréia explica que, com essa responsabilização, o processo psicoterapêutico individual para a mediação dos conflitos possibilitaria que a criança envolvida na separação dos pais pudesse se desenvolver de forma saudável.
Como falar sobre o divórcio para uma criança?
Outro ponto importante na consideração do bem-estar dos filhos no processo da separação é a comunicação do divórcio para eles. É necessário levar em conta que as mudanças na rotina trazidas pela separação impactam diretamente os filhos. Por essa razão, a abordagem do divórcio deve ser pensada de acordo com a idade da criança. Andréia informa que, na primeira infância – que vai do nascimento aos seis anos -, essa comunicação acontece de uma maneira lúdica. Já no caso de crianças mais velhas, é possível realizar um diálogo honesto sobre a situação, pois ela possui uma maior compreensão do que está acontecendo: “olhar nos olhos, explicar que os pais não vão mais morar na mesma casa, que o amor e sentimento pela criança não mudam e que a separação é dos pais e não deles com o filho”, sugere Andréia.
Os pilares fundamentais para o exercício equilibrado da coparentalidade
Respeito, compreensão, prática e diálogo: esses são alguns dos pilares apontados como sustentadores de uma parentalidade com cooperação e responsabilidade para com os filhos. A pesquisa de Andréia Weber e Mônica Sperb Machado foi realizada a partir de um estudo de casos coletivos com três casais heterossexuais (três mães e três pais), residentes no interior do Rio Grande do Sul e com pelo menos um(a) filho(a) com até 11 anos. Os casais estavam separados há no mínimo seis meses e possuíam guarda compartilhada do(s) filho(s). Ao analisar os relatos compartilhados pelos casais estudados, as autoras destacam queixas centradas nas categorias: divisão das responsabilidades, tarefas de cuidado e tempo com os filhos; Comunicação; Apoio/Solidariedade x Antagonismo/Dissonância.
A divisão das responsabilidades e tarefas de cuidado entre os pais e o desenvolvimento de uma comunicação que priorize as necessidades dos filhos são fundamentais para o bem-estar de todos na relação familiar. Os relatos obtidos na pesquisa apontam para uma maior sobrecarga das tarefas de cuidado sobre as mães, que acabam responsabilizadas por grande parte das tarefas de criação. “Eu acho que assim como eu sou mãe ele também é pai, assim como ele precisa dum tempo eu também preciso! Minha rotina é casa e serviço, do serviço pra casa. Eu não tenho a minha vida, entendeu?”, conta uma das mães entrevistadas.
Andréia explica que, no processo da formação de uma família, o homem e a mulher – no caso dos casais observados – passam a assumir e representar outros papéis sociais, os quais trazem novas responsabilidades. “Eles seguem homem e mulher, seguem tendo uma relação que são deles, mas se soma a isso a parentalidade. Porque somado à função de esposa está a função de mãe, somado à função de homem está também a de pai”, salienta. A parentalidade vira coparentalidade a partir da divisão das tarefas de pai e mãe, na qual se procura equilibrar as responsabilidades de forma a não sobrecarregar nenhum dos pais.
Compreender os pais como indivíduos com limites e desejos abre espaço para que ambos possam colocar as suas necessidades e, a partir daí, dialogar e negociar as decisões da parentalidade. A dificuldade em manter uma comunicação entre os pais foi relatada e reconhecida pelos casais como algo prejudicial para os filhos. “A gente tenta de vez em quando meio que conversar, mas não tem conversa, é simplesmente nós discutindo direto!”, relatou um dos pais entrevistados.
O objetivo principal no desenvolvimento da coparentalidade é fazer com que, apesar da ruptura da relação, os pais consigam compartilhar entre si os assuntos relacionados aos filhos, deixando de lado os conflitos pessoais. “A tomada de decisões, por exemplo, de onde o filho vai estudar, qual é a melhor escola para as crianças, são exemplos de situações nas quais o pai e a mãe devem sentar e dialogar. Não necessariamente sobre outros assuntos, mas que os assuntos relacionados à criança sejam todos compartilhados”, salienta Andréia Weber.
Reportagem: Camilly Barros e Nathália Brum, acadêmicas de Jornalismo
Ilustração: Vinícius Gumisson, bolsista de Desenho Industrial;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Comunição;
Edição geral: Luciane Treulieb e Mariana Henriques, jornalistas.