A depressão é um transtorno mental que se caracteriza pela perda de interesse e prazer em realizar atividades cotidianas, pelo sentimento de tristeza e pela baixa da autoestima. O transtorno depressivo pode afetar diversas áreas da vida de uma pessoa, como a profissional, a familiar e a social. A Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, aponta que 16,3 milhões de brasileiros sofrem com a doença. Apesar de as causas e os diagnósticos serem complexos, já se tem conhecimento sobre algumas condições que aumentam o risco de um indivíduo desenvolver depressão. Fatores biológicos, genéticos e psicossociais são alguns deles.
Os fatores biológicos incluem desequilíbrios ou disfunções químicas do cérebro, que podem ser desencadeadas por efeitos colaterais de medicamentos, exposição a doenças inflamatórias e consumo excessivo de álcool e drogas. Os fatores genéticos estão associados à vulnerabilidade hereditária de pessoas com histórico familiar de depressão, que podem ser mais propensas a desenvolverem a doença. Já os fatores psicossociais ou ambientais incluem eventos estressores, como o luto e/ou traumas psicológicos. Todos esses elementos e, principalmente, a interação entre eles, influenciam significativamente na evolução de quadros depressivos.
Por outro lado, existem também os fatores protetores, que diminuem os riscos de desenvolvimento da depressão ou são capazes de minimizar seus efeitos. Um deles é a prática de exercício físico. O professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Felipe Barreto Schuch, é um dos estudiosos da área que dedica suas pesquisas à investigação da relação entre exercício físico e saúde mental. Ele é doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, coordenador do Grupo de Pesquisa em Exercício Físico e Saúde Mental da UFSM, e listado como um dos autores mais citados na área “Psicologia e psiquiatria” nos anos de 2020 e 2021 na lista Web of Science pela Clarivate. Seus estudos focam na investigação do papel da atividade física como ferramenta terapêutica e preventiva para desenvolvimento de depressão e outros transtornos mentais. |
Como funciona o corpo ao se exercitar?
Felipe Schuch explica que, ao praticar exercício físico, o corpo reage com a liberação de uma série de neurotrofinas, família de proteínas que promovem a sobrevivência e o desenvolvimento dos neurônios. Processo chamado de regeneração neuronal. Esse processo parece promover alterações em determinadas estruturas do cérebro e também no seu funcionamento, o que está plenamente relacionado à saúde cerebral.
Ainda, a depressão crônica pode ter como um dos efeitos a inflamação no cérebro. Todo processo inflamatório faz com que o corpo reaja para promover a defesa e restaurar os tecidos afetados. O papel do exercício físico, nesse caso, é promover uma resposta mais rápida e efetiva do sistema anti-inflamatório. “O exercício faz com que os tecidos respondam mais rápida e efetivamente no processo de combate a inflamação e assim, potencialmente, restaure algumas das áreas que estão afetadas pela depressão”, explica Schuch.
Kimberly Fontoura, de 23 anos, foi diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada, depressão e compulsão alimentar e incluiu a prática de exercícios físicos na sua rotina após identificar o agravamento dos sintomas diante da sobrecarga causada pelos estudos. Ela conta que o processo foi complexo e o tratamento aliou psicoterapia, acompanhamento psiquiátrico e uso de medicamentos, mas reconhece que o exercício físico e a diminuição de hábitos sedentários foram essenciais. “É difícil reconhecer e encarar isso em um primeiro momento, mas, aos poucos, vejo que além de fortalecer meu corpo eu também fortaleço minha mente”, comenta.
Uma questão multiprofissional
Apesar de ser uma ferramenta importante, tanto no tratamento quanto na prevenção de quadros depressivos, o exercício, sozinho, muitas vezes não é capaz de impedir o desenvolvimento do transtorno mental. No tratamento para depressão, os métodos que costumam ser utilizados são: a psicoterapia, que trata das questões emocionais a partir do diálogo entre o profissional e o paciente; e o uso de medicamentos antidepressivos que atuam na regulação dos neurotransmissores, a partir de prescrição médica.
Felipe Schuch explica que casos depressivos são complexos e demandam profissionais de diferentes áreas em atuação conjunta para o tratamento, assim como o uso de mais de uma estratégia para alcançar um desfecho positivo. Para isso, destaca a importância de acompanhamento multidisciplinar disponível nos serviços de saúde mental e nas internações psiquiátricas. “Necessitamos que médico psiquiatra, clínico, enfermeiro, psicólogo, nutricionista e todos os outros que estão em contato com o paciente estejam alinhados para uma mudança no estilo de vida de forma efetiva”, afirma o pesquisador.
Maitê Grassel, psicóloga e integrante do Laboratório de Avaliação e Clínica Cognitiva (LACCog) da UFSM, observa que o trabalho coletivo entre profissionais de diferentes especialidades vêm ganhando protagonismo na área do cuidado, principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como um dos princípios a integralidade de ações, a fim de assegurar a saúde plena dos cidadãos. No entanto, ainda há necessidade de avanços para uma atuação intersetorial. “Uma das formas de alcançar isso seria através da formação desses profissionais da saúde, desde a graduação, para a conscientização da importância do trabalho em equipe para o melhor tratamento do paciente”, afirma a psicóloga.
Por meio do projeto de extensão CliniCog, o LACcog busca aplicar o conhecimento científico com a promoção de ações voltadas à comunidade. Através de atendimentos com a abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental, contribui para que o paciente reconheça suas condições cognitivas e desenvolva habilidades que possam promover mudanças comportamentais. Uma das técnicas utilizadas pelos profissionais é a psicoeducação, em que a pessoa é estimulada a participar ativamente de seu tratamento psicoterapêutico. Nesse processo, um dos conhecimentos a ser transmitido entre o paciente e profissional pode ser sobre a importância da atividade física regular para a saúde mental.
Mudança de comportamento e qualidade de vida
De acordo com Felipe Schuch, tão importante quanto incluir atividades físicas na rotina é reduzir o tempo em comportamento sedentário – também considerado fator de risco para o desenvolvimento de depressão. Comportamento sedentário é um termo utilizado para caracterizar um conjunto de atividades, realizadas na posição sentada ou deitada, que apresentam baixo gasto energético, como assistir à televisão, utilizar o computador e jogar videogame. Ou seja, diminuir o sedentarismo e aumentar o tempo de exercício físico são duas formas de reduzir o risco de depressão e outros transtornos mentais.
Esse foi o caso de Daniela Andrighetto, de 28 anos, que, diante do estresse causado pelo contexto da pandemia e de dores no corpo como reflexo do trabalho remoto, decidiu promover uma mudança no estilo de vida. Passou a praticar exercícios físicos como corridas e danças, a partir de vídeos no YouTube. A melhora na qualidade de vida foi logo percebida. “Quando estava muito estressada ou ansiosa, o exercício me ajudava a relaxar, melhorando, inclusive, meu sono”, destaca. A estudante também fez alterações em sua dieta e teve mudanças no peso.
Pessoas com depressão possuem expectativa de vida de 10 a 15 anos a menos do que a população em geral. Este dado chama a atenção para outra questão: as consequências físicas dos problemas de saúde mental. Indivíduos com depressão, assim como outros transtornos psicológicos, estão mais vulneráveis a doenças como diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares. Estes estão relacionados a desregulações hormonais e alterações metabólicas causadas pela depressão.
Ao longo de seus estudos, o professor Felipe Schuch investigou a relação do exercício físico com a incidência de depressão também em crianças, adolescentes e idosos. De maneira geral, a prática traz benefícios para todas as faixas etárias, mas há características específicas para cada idade. Na infância e adolescência, o exercício físico se mostra um grande aliado, já que nem sempre o tratamento farmacológico é a primeira intervenção recomendada. Já no caso dos idosos, a prática pode ser ainda mais importante, pois além de contribuir para a redução dos sintomas depressivos, pode contribuir no fortalecimento do sistema neurológico e muscular, muitas vezes afetado pelo curso natural da idade, que provoca, por exemplo, perda da capacidade motora e riscos de queda. “Quando se estabelece uma relação entre o paciente e o exercício, não estamos só melhorando a saúde mental, mas também diminuindo o risco de ele vir a desenvolver algum problema de saúde física e, com isso, aumentar a sua expectativa e qualidade de vida”, explica o docente.
Em 2021, o Ministério da Saúde lançou o primeiro Guia de Atividade Física para a População Brasileira, que apresenta recomendações e informações sobre atividade física e incentiva a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida. O documento aborda a prática em todos os ciclos de vida – crianças, adolescentes, adultos e idosos, – e em algumas condições como gestantes e pessoas com deficiência, além do destaque para a Educação Física Escolar.
De acordo com orientações da Organização Mundial da Saúde, é recomendado que adultos façam pelo menos 150 a 300 minutos de atividade física de intensidade moderada a vigorosa por semana, inclusive quem vive com doenças crônicas ou incapacidade. Para crianças e adolescentes, a indicação é que se pratique uma média de 60 minutos de atividade física por dia.