Em 2013, um incêndio de grandes proporções na boate Kiss, em Santa Maria, matou 242 pessoas e deixou 630 feridas. Em 2020 e 2021, uma pandemia já vitimou mais de 5 milhões de pessoas ao redor do mundo. Só na principal cidade do Centro-Oeste gaúcho, até o fechamento desta reportagem, mais de 45 mil pessoas foram infectadas e 830 morreram.
No Hospital Universitário de Santa Maria – HUSM, as duas tragédias ganham uma intersecção: o uso do conhecimento científico e da estrutura ambulatorial para o acompanhamento de sobreviventes. Após o incêndio, criou-se o Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes, o CIAVA. Sete anos depois, a demanda mudou, mas a ideia segue na mesma direção: para atender e acompanhar os recuperados da Covid-19, surgiu o Ambulatório Pós-Covid a partir do aproveitamento da estrutura física e intelectual provenientes da experiência anterior.
O CIAVA
“O que houve aqui em Santa Maria, dentro da dimensão e do impacto, foi um evento único até então”, diz Isabella Albuquerque, professora associada do Departamento de Fisioterapia e Reabilitação da Universidade Federal de Santa Maria. Ela ingressou na instituição em junho de 2012. Em janeiro do ano seguinte, ocorreu o incêndio na boate Kiss. Após o momento agudo dos atendimentos posteriores à tragédia, os professores do Departamento de Fisioterapia, que também atuavam no HUSM, perceberam a necessidade de acompanhamento a médio e longo prazo para as pessoas que recebiam alta hospitalar.
Eram pessoas com queimaduras de segundo, terceiro e quarto graus e que tinham sequelas por conta disso. Também havia quem tivesse complicações cardiorrespiratórias devido à inalação da fumaça tóxica. A percepção dessa necessidade levou o grupo a montar um ambulatório para atender à população. Ao mesmo tempo, realizavam-se acordos entre o HUSM, a Secretaria Municipal de Saúde de Santa Maria e o Ministério da Saúde. Destas negociações e da iniciativa dos profissionais da fisioterapia, surgiu a afiliação do Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes – CIAVA. O objetivo inicial era que o acompanhamento durasse ao menos cinco anos.
Vitor Calegaro, professor adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria da UFSM e atual coordenador do Ambulatório de Psiquiatria do CIAVA, conta que, na época do incêndio, tinha terminado a residência e começou a atuar como voluntário no local. Em maio do mesmo ano, houve o primeiro concurso, pelo qual foi contratado e passou a atuar no atendimento psiquiátrico.
Além da fisioterapia, da psicologia e da psiquiatria, o ambulatório engloba outras especialidades em saúde e cuidado, como a pneumologia, a cirurgia plástica, a enfermagem, a assistência social, a terapia ocupacional, a nutrição e a fonoaudiologia. São várias áreas que atuam em seus espaços específicos, e que fazem parte do conjunto do Centro. Isabella destaca que os pacientes apresentavam especificidades clínicas e que, por isso, era necessário que o atendimento fosse a partir do olhar multiprofissional.
Alessandra Bertolazzi, pneumologista do HUSM e professora adjunta do Departamento de Clínica Médica da UFSM, recorda que a criação do Ambulatório de Pneumologia do CIAVA ocorreu em fevereiro de 2013. Primeiro, o atendimento era focado nos pacientes que recebiam alta hospitalar e, depois, nos ambulatoriais, ou seja, aqueles que não necessariamente tenham passado por uma internação prolongada, mas que mesmo assim tiveram sequelas da inalação da fumaça tóxica.
No primeiro ano, havia um plantão vespertino que começava às 17h e terminava às 21h, e que reunia várias especialidades para o atendimento de pacientes que chegavam por demanda espontânea. A partir da avaliação inicial, os pacientes eram encaminhados para consultas e tratamento nos ambulatórios especializados, a depender das necessidades individuais. No início, dois mutirões de atendimentos foram realizados.
Houve ampla divulgação midiática para que todas as pessoas que estiveram na boate na noite do incêndio, mas que não tivessem sofrido queimaduras e que não foram atendidas nas primeiras horas, buscassem uma avaliação. O psiquiatra recorda que os dois mutirões reuniram mais de 600 pacientes (esse número engloba também aqueles que já haviam recebido alguma espécie de atendimento). Além disso, o CIAVA realizava ‘buscas ativas’, a fim de retomar o contato com pacientes que deixavam de acompanhar o tratamento e faltavam às consultas marcadas. A assistência social era responsável por telefonar e trazer o/a paciente de volta ao atendimento.
Para a professora Isabella Albuquerque, a criação do Centro somente foi possível pela concepção de conhecimento de Sistema Único de Saúde – SUS, aliado ao papel da universidade na produção de ciência: “O conhecimento da área de saúde possibilitou isso, pelas estruturas de ensino, de pesquisa, de pós-graduação, do conhecimento do Hospital Universitário. Cada núcleo colaborou em um sentido, e isso viabilizou a criação do CIAVA dentro das premissas do SUS”. De acordo com a Assessoria do HUSM, até 2021, o Ambulatório atendeu a 602 pacientes nas diversas áreas e ainda há pacientes sobreviventes da Kiss em acompanhamento – principalmente nas áreas de pneumologia e psiquiatria. Além disso, atualmente também recebe pacientes que sofreram queimaduras, e que vêm encaminhados pela rede de saúde.
O Ambulatório Pós-Covid
Com o decreto da pandemia pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, os profissionais de saúde do HUSM começaram a atentar para os estudos e demandas que surgiam em nível hospitalar. O entendimento de que a experiência com o CIAVA poderia ser utilizada no enfrentamento da pandemia foi percebida por Vitor Calegaro desde o início. Os modelos estatísticos, os conhecimentos históricos de outras pandemias e a própria experiência dos estudos com trauma deram a ele a certeza de que alguma hora eles precisariam entrar em cena. “Se a gente trabalha com trauma, trabalha com desastre”.
Ele destaca que, no início, era um momento delicado de muita incerteza em que os esforços de saúde eram voltados para as emergências nos serviços hospitalares. Havia cautela com relação aos atendimentos ambulatoriais uma vez que faltava conhecimento sobre a própria doença: “Conforme fomos entendendo mais a dinâmica do vírus e as funções de prevenção, adotando os protocolos, começamos a pensar em como estruturar o serviço para atender essa demanda específica”.
A necessidade de acompanhamento pós-Covid surge aos poucos, de modo gradativo, conforme as pessoas infectadas sobrevivem à doença. Vitor lembra que, da mesma forma que aconteceu com a Kiss, os atendimentos começaram dentro das estruturas setoriais existentes, na segunda metade de 2020. No entanto, a estruturação do Ambulatório Pós-Covid veio um pouco depois, no último trimestre do ano passado, a partir da organização do grupo e das conversas para unir as diversas especialidades em um único local. A intersecção com o atendimento aos sobreviventes da boate Kiss é o aproveitamento da estrutura do CIAVA, dos conhecimentos científicos provenientes do atendimento aos sobreviventes da tragédia e da experiência com situações extremas para a atuação no tratamento de pacientes sobreviventes da Covid-19. Muitos dos profissionais que atuaram desde o início no CIAVA, como Isabella, Alessandra e Vitor, estão na frente da concepção do Ambulatório Pós-Covid também.
Para Isabella Albuquerque, da mesma forma que o CIAVA, a sua criação também surge da necessidade de olhar para a saúde a partir das premissas do SUS. “Com o passar do tempo, a gente percebeu que a Covid é uma doença única de efeitos sistêmicos, e com um comportamento que até então a gente não tinha visto em outras doenças, com essa característica desse impacto na saúde”. A partir de 2020, a leitura e estudos de pesquisas que detectaram o alto tempo de internação hospitalar chamaram a atenção dos profissionais. O olhar para a população pós-alta hospitalar mostrou que estes carecem de mais cuidados em saúde. Isabella explica: “É uma população que ainda apresentava muitas sequelas, e sequelas sistêmicas. A gente não imaginava que ia encontrar algum paciente com essa magnitude em termos de impacto de saúde”.
O Ambulatório Pós-Covid só recebe pacientes que estiveram internados no HUSM e passaram por uma triagem inicial. Em um primeiro momento, é feito o acolhimento e as avaliações do paciente, que duram dois dias. Iaçana Martins, assistente social e chefe da Unidade de Reabilitação, explica que o acolhimento é o processo de fazer uma escuta sensível e entender as demandas do paciente. “Por isso que a gente tem que ter esse olhar diferenciado para o paciente a partir da ferramenta da clínica ampliada e compartilhada, que traz bem isso, de tirar o foco da doença e focar no sujeito, no que ele tem de particular, no que ele tá trazendo pra nós”.
Com base nesse processo, é elaborado um plano de atendimento com base nas demandas específicas. A frequência normal dos atendimentos é de duas vezes na semana. A avaliação funciona como uma espécie de rastreio das necessidades daquele indivíduo. A partir disso, este é encaminhado para as áreas específicas nas quais é acompanhado e reavaliado durante o tratamento. Iaçana expõe que, tanto no CIAVA quanto no Ambulatório Pós-Covid, a política de humanização é basilar, uma vez que traz a importância do acolhimento, de ter um projeto terapêutico singular em vez de um protocolo fixo, a questão da clínica ampliada e compartilhada.
De acordo com pesquisa interna do Setor de Reabilitação do HUSM, estiveram internados 622 pacientes. Foram 381 altas hospitalares, 34 transferências e 207 óbitos. Destes números, o Ambulatório Pós-Covid atende, atualmente, 67 pessoas, sendo a maioria homens (52%). São as pessoas entre 40 e 50 anos (56%) que mais aparecem no levantamento, seguidas de idosos acima de 60 anos (29%) e adultos abaixo dos 40 anos (17%).
Os pacientes
Entre o perfil dos atendidos nos dois ambulatórios, há uma diferença importante: enquanto os pacientes do CIAVA eram, em sua maioria, jovens sem comorbidades e sem doenças pregressas, os pacientes do Pós-Covid são idosos com comorbidades prévias cujas circunstâncias se agravaram com a Covid-19 e que têm ‘baixa taxa de controle’ – ou seja, não são “controladas” e tratadas de forma ideal, um exemplo é a hipertensão sistêmica. “A gente tem uma doença que está influenciando na outra, a sequela da Covid influencia na doença de base que o paciente tinha”, explica Isabella. Para a professora, é um paciente com uma complexidade distinta que justifica o olhar multiprofissional.
A estrutura
A Revista Arco visitou o Ambulatório Pós-Covid/Fisioterapia para a produção desta reportagem. A sala ampla e clara tem vários equipamentos para a realização de exercícios, desde os elétricos – como a esteira – até outros, como bolas, pesos e elásticos. Clênio Antônio Dotto, 67 anos, é residente do bairro Camobi e é atendido pelo ambulatório desde o final de julho. Em final de maio, foi internado com Covid-19 no Hospital Universitário. Depois de nove dias, foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva do hospital. Depois de mais nove dias, recebeu alta, em 08 de junho. Ele conta que, com o acompanhamento no ambulatório, sente uma grande diferença: “É do dia pra noite, eu não me sentia bem e agora tô me movimentando melhor”. De acordo com o aposentado, o exercício que mais ajudou foi o da bicicleta.
Mobilidade
Uma das maiores características do paciente Covid é o grande período de internação, destaca Isabella Albuquerque. Por isso, muitos apresentam fraqueza muscular, fraqueza respiratória, equilíbrio alterado, dores na lombar, nas pernas, nas costas, entre outros. Estas sequelas são tratadas no Ambulatório de Fisioterapia do Pós-Covid. Algumas, como a perda de peso e de massa, são tratadas pela nutrição. E a perda de voz e a deglutição pelo setor de fonoaudiologia.
Para o tratamento fisioterápico e de treinamento físico, são feitos exercícios aeróbicos, resistidos, de equilíbrio e funcionalidade. Alguns destes são o ciclo ergonômico de pernas, a bicicleta estacionária, a esteira, o exercício resistido que é feito com pesos, a eletroestimulação, os exercícios de equilíbrio, a estimulação de propriocepção para pacientes com parestesia, o agachamento com bola, as atividades contra a gravidade e os exercícios de resistência. Viviane Bohrer, fisioterapeuta do HUSM, explica: “Tem que fazer esse paciente ter função de novo, para ter as atividades da vida diária de novo, buscar a volta e o retorno para casa e a melhor qualidade de vida”. Ela destaca que o tratamento é personalizado e que não há como evoluir para a melhora se não houver uma equipe multidisciplinar.
Eduarda Ganzer é estudante do oitavo semestre de Fisioterapia e bolsista do Ambulatório Pós-Covid desde maio deste ano. Suas funções são a avaliação dos pacientes, o protocolo inicial, o acompanhamento dos atendimentos e a intermediação com outras especialidades. Conforme destaca Viviana, há, para além do atendimento, um processo de ensino-aprendizagem, com colaboração de estudantes da graduação, mestrado e doutorado que auxiliam no tratamento dos pacientes, mas também na pesquisa. Há a união da assistência, do ensino e da pesquisa. Para Eduarda, a bolsa é uma experiência nova uma vez que os pacientes têm características distintas e complexas: “Eu acho que isso traz muito do pensamento de tratar o paciente como um todo, então é uma nova abordagem”.
Antonio Fernando Pereira da Silva, 67 anos, é do bairro João Goulart, em Santa Maria. Antes de se aposentar, Antônio era motorista socorrista de ambulância na emergência médica da SATIE. Teve Covid-19 em março deste ano e ficou 40 dias internado no HUSM. Destes, passou dez entubado na UTI. A alta hospitalar ocorreu em 20 de abril, e o início do tratamento no ambulatório aconteceu em agosto. Algumas das sequelas foram a perda da sensibilidade das mãos, uma dificuldade muito grande em se movimentar e um peso na perna esquerda. Antonio relata que ainda não recuperou totalmente a sensibilidade das mãos, mas que o tratamento ajudou muito e acredita que, sem ele, a demora na melhoria da condição física seria bem maior. Durante a conversa com a reportagem, Antonio ficou sabendo que receberia alta ambulatorial em breve.
Pulmão
Uma característica que aproxima os pacientes sobreviventes da tragédia da Kiss e dos que tiveram Covid-19 são as sequelas no pulmão. No entanto, Alessandra Bertolazzi alerta que são tipos de lesões diferentes. No caso da Kiss, houve um evento agudo com inalação e exposição, em local fechado, a uma alta temperatura e gás tóxico. Ela detalha que, por conta da exposição aguda, os primeiros pacientes que internaram tinham quadros de muita inflamação. Além disso, ocorreram lesões como queimaduras e queimaduras em via aérea: “a pessoa respira e a alta temperatura vai fazer uma lesão, uma queimadura mesmo, na parte de dentro do nariz, na mucosa, desce na garganta até a região dos brônquios”.
Já no caso da Covid-19, a infecção viral é que causa o processo inflamatório pulmonar, que pode estar aliado à questão vascular, sistêmica e respiratória. Existe o período inicial de infecção, em que os sintomas são gripais, e há uma piora que pode culminar em insuficiência respiratória por conta do processo inflamatório pulmonar. “Existe um tempo de evolução, e depois que ocorre a piora pulmonar, tem toda a questão de ficar internado, medicações, outras infecções que podem ocorrer quando se está internado, por exemplo, em ventilação mecânica, então tem muitos fatores que podem levar à piora desse quadro pulmonar”, destaca. Alessandra ainda complementa que os pacientes que sobrevivem podem ter consequências da internação e que, por isso, a recuperação pode ser demorada. Essa demora é chamada de Covid longa, em que as sequelas da doença permanecem até seis meses depois da alta. Algumas das sequelas são as alterações musculares, a perda de força, alterações respiratórias, a falta de ar e o chiado no peito.
Segundo Alessandra, não há como prever como as sequelas irão se desenvolver a longo prazo. A partir da observação, a maioria acaba tendo melhora no quadro pulmonar. No entanto, há a previsão de que em alguns casos haja dano permanente no pulmão: “É como se fossem sequelas ou cicatrizes pulmonares”, explicita.
Alessandra comenta que a experiência do atendimento às vítimas da Kiss teve um peso emocional maior. Para ela, foi uma experiência difícil pelas características das vítimas, pelo acontecimento ser repentino e por ter o envolvimento de toda a equipe de saúde. No entanto, para a pneumologista, a experiência da Kiss, apesar de difícil, ajudou no enfrentamento da pandemia, uma vez que ensinou a lidar com múltiplas vítimas.
Saúde mental
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT, é uma das consequências em pacientes sobreviventes da Kiss, e também em pacientes sobreviventes da Covid-19. Vitor Calegaro explica que o TEPT ocorre após um evento traumático, que, além dos citados, pode ser um trauma proveniente de violência física, sexual, acidentes, doenças súbitas com potencial de morte, entre outros. Os sintomas se dividem em quatro núcleos:
1- Revivências: são memórias intrusivas e angustiantes que a pessoa tem mesmo sem querer. As memórias são repetitivas e podem vir na forma de lembrança, de flashback, de pesadelos, de sentimentos e sensações fisiológicas angustiantes. Estes momentos fazem com que a pessoa relembre o trauma.
2- Evitação: são sintomas fórmicos, em que a pessoa evita pensar no assunto, em cenas do evento, lembretes externos, pessoas, situações, lugares e memórias que podem fazer com que ela relembre do evento traumático.
3- Alterações negativas no humor, nos pensamentos e nas crenças: humor mais deprimido, dificuldade de sentir emoções positivas como alegria, felicidade, amor e carinho; tendência a sentimentos e emoções negativas como tristeza, ansiedade, irritabilidade e angústia; pensamentos distorcidos, pensamentos de culpa e alteração de visão de mundo.
4- Sintomas ansiosos e hiperexcitabilidade: a pessoa em estado de alerta e de hipervigilância, costuma ficar ansiosa, tem insônia, facilidade de ter explosões de humor, raiva imprudente e colocar-se em situação de risco.
Vitor destaca que uma das semelhanças entre os dois eventos traumáticos, do ponto de vista psíquico, é que os dois são desastres coletivos e evitáveis. “O caso da Kiss é um tanto quanto óbvio, e o da Covid-19, claro, é um desastre biológico, mas a questão é a condução da pandemia”. O médico psiquiatra destaca que há uma insegurança grande na população, em particular para quem se vê mal em função da doença: “A pessoa traumatizada pode tender a ficar extremamente irritada e a apontar responsáveis por isso, nesse país dividido”, complementa.
No Ambulatório Psiquiatria Pós-Covid, que ele coordena, o atendimento começa com uma avaliação pormenorizada, baseada na individualidade. O paciente passa pelo processo de psicoeducação, em que é informado sobre o que tem, para que possa entender a doença e os sintomas. A partir disso, se pensa nas intervenções e qual o melhor tratamento para cada pessoa, além da avaliação da necessidade ou não de medicação. Vitor comenta que é possível observar uma melhora rápida na maioria dos pacientes, em que os primeiros resultados surgem a partir de quinze a vinte dias do início. No entanto, ele alerta que quanto mais próximo do trauma for iniciado o tratamento, maiores as chances de uma melhora mais rápida. Na psiquiatria, há capacidade de atendimento de dezesseis pacientes semanais.
‘Recuperados’ e ‘Curados’
“Uma questão importante que a gente observou aqui é o paciente voltar, retornar pro local onde ele quase perdeu a vida”, sublinha Isabella. A professora destaca que essa é uma característica nova em pacientes de UTI, aliada a uma certa ansiedade e a um temor no olhar. “Foi muito importante, enquanto profissional da saúde, ter essa sensibilidade de acolher o paciente, da escuta, de criar o vínculo, isso é Sistema Único de Saúde, isso é política de Sistema Único de Saúde, isso é o SUS”, evidencia.
Um estudo estadunidense publicado na Revista Nature em abril mostrou que a Covid-19 aumentou o risco de morte em 60% para pacientes pós-covid em comparação com os que não tiveram a doença e não foram hospitalizados. Além disso, estes têm 20% mais chances de precisar de cuidados ambulatoriais, ou seja, consumo de medicamentos. Para Isabella Albuquerque, é necessário olhar para estes números e o que eles significam. Mesmo que seja uma pesquisa dos Estados Unidos, para ela, em algum momento este cenário vai se traduzir no Brasil. “O Ministério da Saúde fala em recuperados. Eu não considero paciente recuperado, porque é um paciente que vai ter sequela e que vai ter que ter um olhar de política pública da saúde”, enfatiza Isabella. Para ela, neste ponto, também há semelhança com os pacientes sobreviventes da Kiss, uma vez que a maioria era de classe socioeconômica mais baixa e possuía consumo de saúde em acompanhamento, uso de medicação, de cirurgias reparadoras, entre outros. “O paciente pós-covid também tem esse impacto, porque é um paciente que consome mais, que gasta mais em saúde e que vai exigir mais do SUS”. Para ela, não há, por parte dos órgãos de saúde, uma atenção e política de acompanhamento desses pacientes a médio e longo prazo. “Vai ser um contingente muito grande de pacientes associado à questão da crise econômica, a gente sabe que muitos pacientes estão deixando de pagar o plano de saúde. E isso vai sobrecarregar cada vez mais a SUS”, complementa.
Expediente
Reportagem e fotografias: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Produção Gráfica: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e voluntário
Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Caroline de Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Martina Pozzebon, acadêmica de Jornalismo e estagiária
Edição de Produção: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas