Universidades brasileiras monitoram avanço da pandemia no sistema penitenciário
No dia 10 de abril deste ano, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), anunciou a primeira morte por covid-19 em presídios no Brasil. Tratava-se de um homem de 73 anos que faleceu em decorrência do novo coronavírus em uma unidade prisional da cidade do Rio de Janeiro. A partir disso, detectou-se a necessidade de olhar com outros olhos a realidade das prisões do país frente à pandemia.
O Observatório Infovírus é uma iniciativa de várias universidades para monitorar a evolução da pandemia dentro do sistema prisional brasileiro. A ação é coordenada pelo Centro de Estudos de Desigualdade e Discriminação da Universidade de Brasília e é formada por pesquisadores do Grupo Asa Branca (Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Católica de Pernambuco); Grupo de Pesquisa em Criminologia (Universidade Estadual de Feira de Santana e Universidade do Estado da Bahia) e Grupo Poder e Dano Social (Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal de Santa Maria).
O objetivo do trabalho é analisar os boletins de saúde divulgados pelos estados e pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), bem como as declarações das autoridades responsáveis pela população carcerária para identificar inconsistências, mapeá-las e divulgá-las.
Coronavírus nas prisões
Quando a covid-19 chegou ao Brasil, a primeira medida tomada pelas secretarias da administração prisional foi a de suspensão de visitas. No entanto, para os pesquisadores, a visitação das famílias costuma ser um modo de circular as informações sobre o que acontece dentro das unidades. Diante disso, o projeto busca ser uma maneira de informar sobre o que ocorre no sistema.
“Desde o começo da pandemia, o Ministério da Justiça e o governo têm falado que a situação está sob controle. Os dados colocados no Painel do Depen são dados subnotificados, e as medidas dos estados não estão sendo tomadas ou não estão sendo efetivas”, explica a professora Marília Budó, do grupo de pesquisa Poder e Dano Social da UFSM e UFSC, uma das coordenadoras do projeto.
As prisões brasileiras são caracterizadas pela superlotação e, conforme divulgado nas estatísticas do Depen, o Brasil tem hoje uma população carcerária de 745.746 pessoas amontoadas nos presídios.
Ainda conforme o monitoramento, atualizado diariamente, ao menos 13 pessoas ligadas ao sistema prisional já morreram em decorrência de infecção pelo novo coronavírus.
“Apenas 30% das instituições prisionais possuem enfermaria, o que significa que a atenção à saúde das pessoas presas e funcionários, não é só deficitária, como também leva a crer que quanto maior for a disseminação da doença, mais as pessoas que estão nestes locais, também irão ocupar leitos de hospitais”, informa Marília.
O projeto Infovírus se preocupa com a violação dos direitos humanos dos presos e dos agentes penitenciários, e observa questões estruturais de superlotação e de saneamento básico destes locais onde há uma aglomeração naturalizada. Segundo apuração do grupo, existem prisões onde uma cela projetada para quatro pessoas está ocupada por 15, e as celas destinadas para oito pessoas estão com até 30.
A pesquisadora Marília aponta os riscos de contaminação dentro das unidades prisionais. “É óbvio que em celas superlotadas, no meio do esgoto, com falta de higiene e sem alimentação adequada, a doença vai se proliferar mais fácil, assim como outras já se proliferam, como a tuberculose e o HIV. E os agentes que estão diariamente atuando nesses locais, acabam correndo muito mais risco”, pondera.
Checagem de informações
O Observatório acessa os dados de três fontes oficiais: Depen, secretarias de administração prisional ou de segurança pública nos estados, e secretarias de saúde, que em alguns estados disponibilizam informações sobre pessoas presas. E esses dados de fontes oficiais, que nem sempre coincidem entre si, são cruzados com informações vindas de organizações da sociedade civil, de mecanismos estaduais de combate à tortura, de organizações de familiares, de defensorias públicas e imprensa.
A partir desse cruzamento foi possível perceber evidências suficientes para concluir que os dados oficiais não diagnosticam o sistema prisional. Para isso, a equipe conta com o auxílio de integrantes dos grupos de pesquisa e convidados dos professores que coordenam o trabalho. Todo material produzido é divulgado nas plataformas Twitter e Instagram
Casos de óbitos de presos
No painel disponível no site do Depen, a estatística aponta que foram realizados 4.255 testes nos presídios do país e, com isso, foram diagnosticados 1135 presos com covid-19, 887 suspeitas e 37 óbitos. O estado de São Paulo é o que tem o maior número de mortos, são 12. Já o Distrito Federal configura o maior número de casos confirmados, somando 616 contaminados. O Rio Grande do Sul confirmou um caso no Presídio Regional de Bagé.
Em relação a mortes de detentos por covid-19, sabe-se pouco, pois algumas secretarias não informam sequer o nome da pessoa. “É difícil dar um cenário absoluto sobre todos os estados, mas se dermos um exemplo do Distrito Federal, que estou acompanhando de perto, temos atualmente 10 presos internados, um deles na UTI. Não temos informações diárias sobre o estado de gravidade dessas pessoas. É um problema também porque os familiares são notificados de que o preso está com a covid-19, e depois disso não recebem mais notícias”, relata Camila Prado, advogada e professora da UNB, mentora do projeto.
Protocolo clínico e técnico não é conhecido
O grupo de pesquisadores alerta ainda para a falta de um rastreamento confiável sobre o movimento que esses casos têm tido no sistema prisional, como transferências para outras unidades prisionais ou de saúde. Isso gera preocupação pela possibilidade de desaparecimento de pessoas e também de descontrole sobre os destinos. “A retirada de um preso para o tratamento da doença é um problema em termos de transparência, porque até agora não se divulgou nenhum protocolo clínico e técnico de quais são as evidências médicas suficientes para que um diretor de unidade prisional determine a transferência de um preso para uma unidade de saúde”, alerta Felipe Freitas, doutorando pela UNB, integrante do projeto.
Os detentos que apresentam sintomas são designados para a unidade de saúde referência para o tratamento daquela região em que o presídio está localizado. Contudo, os presos só saem para tratamento com autorização da unidade mediante laudo médico. “Quatro a cada dez presídios têm unidades de saúde próprias. Como não há testagem nesses locais, os apenados só saem quando há sintomas e, com isso, é possível dizer que já houve contaminação dentro da unidade prisional”, complementa Felipe.
Medidas mais adequadas para a preservação da saúde nas prisões
A metodologia defendida pelos pesquisadores é a de redução da população carcerária do país, conforme consta na Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo em vista a impossibilidade de promover a diminuição do contágio com a atual densidade populacional dentro das prisões. E, posterior a isso, realizar uma força tarefa de desinfecção das unidades e de reorganização da estrutura prisional para garantir um ambiente de não contágio, garantia de alimentação adequada e condições salubres de compartilhamento desses espaços.
Enquanto não há protocolos a serem seguidos dentro da política prisional do país, o grupo questiona se qualquer medida adotada, que não seja no sentido de diminuir a população carcerária, pode ser efetiva. Uma vez que além da subnotificação, há estados que não informam. “As prisões brasileiras já são cenários de terríveis violações dos direitos humanos no Brasil, e com a Covid-19 parece que todos os problemas estruturais têm se aprofundado”, alerta Marília Budó.
Reportagem: Pablo Iglesias, acadêmico de Jornalismo
Ilustrações: Renata Costa, acadêmica de Produção Editorial
Mídias Sociais: Natalia Pithol, acadêmica de Relações Públicas
Edição de Produção: Melissa Konzen, acadêmica de Jornalismo
Edição Geral: Maurício Dias, jornalista