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Pela manhã, a turma fica sabendo pelo grupo do WhatsApp que a aula no laboratório de informática foi cancelada. No caminho para a universidade, o aluno abre uma vídeo-aula no YouTube para reforçar os conteúdos, antes da avaliação final da disciplina. Ao chegar ao campus, a aula do dia é dada em um ambiente virtual, sem classes dispostas no formato tradicional e com uma infinidade de conteúdos disponíveis online. Todas essas situações parecem compor um futuro distante? Pois saiba que não. Isso já é realidade em alguns cursos da UFSM.
Nas últimas décadas, a comunicação e a interação de alunos e professores foi amplamente beneficiada por aplicativos de trocas de mensagens, e o ritmo de produção e consumo de conteúdos foi acelerado. A grande quantidade de dados e informações em ambiente virtual, o armazenamento dessas informações em espaços chamados de nuvem, e a robótica estão, cada vez mais, mudando a forma como ensinamos e aprendemos. Mesmo que possa parecer algo natural e intrínseco da sociedade moderna, o uso de ferramentas digitais em sala de aula ainda exige adaptações dos sistemas de ensino e dos protagonistas do processo: alunos e professores.
Dando play no estudo
Se antes os conteúdos utilizados no ensino se restringiam aos livros didáticos tradicionais – ficando sujeitos ao “envelhecimento” das teorias ao longo do tempo -, hoje podem ser conferidos e, até mesmo, ajustados instantaneamente na internet. Já é comum estudar pelas telas dos celulares e computadores e, com isso, muitos professores migraram das salas de aula para os canais do YouTube, como forma alternativa de ensino. Na plataforma, são conhecidos como “edutubers”, pessoas que compartilham informações úteis e colaboram para a disseminação do conhecimento.
Os vídeos permitem que os alunos tenham acesso aos conteúdos vistos em aula e possam revisá-los posteriormente. Pensando nisso, o professor Rafael Beltrame, do Departamento de Processamento de Energia Elétrica, gravou e disponibilizou online todas as suas aulas em seu canal no Youtube. A motivação surgiu a partir do entendimento de que a disciplina “Eletromagnetismo para Sistemas e Automação”, em especial, é considerada por muitos estudantes como uma das mais desafiadoras do curso, devido ao extenso conteúdo e por demandar habilidades da formação básica, especificamente em geometria analítica, álgebra e cálculo vetorial.
No ano de 2016, as vídeo-aulas da disciplina foram disponibilizadas, via Moodle [software livre, de apoio à aprendizagem utilizado pela maior parte dos cursos da UFSM], exclusivamente aos alunos. Após o término do semestre, Rafael tornou público o material produzido, que soma aproximadamente 100 mil visualizações no total. “Quando se publica um material online, deve-ser ter em mente que os internautas serão ‘super sinceros’, seja para elogiar ou criticar. Porém, recebo frequentemente o contato de estudantes de diversas regiões do país agradecendo pelo auxílio proporcionado pelos vídeos e/ou solicitando acesso a material complementar de estudo, como slides e listas de exercícios”, comenta Rafael. Durante esses anos, o professor chegou a receber contato de estudantes de países africanos de língua portuguesa e descreve o fato com surpresa: “Realmente, nunca considerei a possibilidade de o material ir tão longe!”
Também se aprende jogando
A ideia de trazer elementos de jogos, como bonificação e ranqueamento, para contextos de “não-jogo”, é também cada vez mais recorrente. A professora Giliane Bernardi, do Departamento de Computação Aplicada, explica que, na gamificação do ensino, os artifícios de jogo servem para incentivar o estudo. “A gamificação surge para fomentar a motivação extrínseca. Você cria um elemento de jogo que pode incentivar o jogador/aluno a interagir. Esse sistema pode ser aplicado no Moodle, por exemplo”, destaca Giliane.
De acordo com Giliane, os jogos, quando bem elaborados e utilizados, são uma boa opção para prender a atenção dos alunos, despertar uma motivação diferente e trazer novas estratégias: “Fazem os alunos participarem mais das aulas, interagir entre si e favorecem aqueles que têm dificuldade de entender conteúdos passados da forma ‘tradicional’”, complementa a docente.
Desde 2017, uma equipe multiprofissional do Núcleo de Tecnologia Educacional da UFSM tem se debruçado na criação de um jogo educativo que deverá ser usado em breve nas escolas públicas de Santa Maria para o ensino da Educação Fiscal. A ideia é que cada jogador prove da experiência de ser “prefeito” da cidade, e consiga gerenciar os recursos e resolver os problemas apresentados. O designer do jogo, Cássio Fernandes Lemos, explica que há uma necessidade de decisão do jogador frente a determinadas questões que aparecem. “Isso estimula o raciocínio, o aprendizado. Passa-se um ensinamento através de uma situação onde o problema é apresentado diretamente ao aluno, e não através de uma explicação escrita em um quadro na sala de aula”, complementa o programador.
Além dos jogos mais clássicos e simples, há também aqueles que misturam a realidade com o virtual, por meio de uma câmera e com o uso de sensores de movimento, como giroscópio e acelerômetro. Em 2017, Alex Mazzuco defendeu sua dissertação no Mestrado Profissional em Tecnologias Educacionais em Rede, onde apresentou um sistema web criado para modelagem tridimensional de moléculas, utilizando a realidade virtual. O objetivo basicamente era criar um sistema Web para planejamento e elaboração de aulas de química no Instituto Federal Farroupilha Campus São Borja. Com um código de barras bidimensional (QRCode), os estudantes puderam visualizar e interagir com as moléculas, por meio da realidade aumentada, que permitia movimentar, girar, aproximar e distanciar as partículas.
A interação humano-robô
O avanço da robótica sempre trouxe questionamentos sobre o futuro das interações entre humanos e robôs. Na UFSM, alguns testes já estão sendo feitos e comprovam que o convívio com máquinas poderá aprimorar o ensino e a aprendizagem. Um robô de nome Beo, programado com inteligência artificial, poderá circular pelas salas de aula nos próximos anos e tirar dúvidas da turma, servindo como um “agente companheiro” ou “tutor pedagógico” para os alunos. Atualmente, o trabalho, realizado em parceria entre o Grupo de Redes de Computadores e Computação Aplicada (Greca) e o Grupo de Automação e Robótica Aplicada (Garra), é aprimorado para diminuir o tempo de resposta de Beo, tornando as interações mais ágeis e naturais.
A inteligência artificial ajuda a entender noções de física e matemática, mas o seu conceito muda com o passar do tempo, segundo o professor Rodrigo Guerra, também do Departamento de Processamento de Energia Elétrica: “Hoje em dia, o que está movimentando muito a economia e causando impactos muito grandes no estudo da inteligência artificial é baseado no big data e nas redes neurais artificiais. Estamos ficando muito bons em fazer inteligências artificiais que conseguem, depois de ver muitos exemplos, abstrair aquele conceito e resolver um problema nunca visto, mas da mesma natureza.”
Explorando mundos virtuais
Desde 2010, o Greca trabalha com realidades virtuais pensando em mundos virtuais. Com isso, o aluno, que se personifica na forma de um avatar, entra em uma plataforma online – a sala de aula – e encontra uma série de exercícios para serem feitos. “A liberdade para criar é imensa. Você pode disponibilizar no ambiente virtual vídeos, slides, conferências. Você pode ser quem quiser (um animal ou pessoa) e interagir com os demais”, destaca Giliane, que integra o Greca na linha de computação aplicada.
Ali, podem interagir, por meio de áudio ou chat, com outros avatares – os colegas. Além disso, no ambiente virtual, deparam-se com “avatares tutores”, que foram configurados com inteligência artificial e estão programados para oferecer ajuda. De acordo com a professora Roseclea Duarte Medina, que atua junto ao Greca na linha de computação aplicada, os agentes inteligentes são capazes de avaliar os erros dos alunos nas atividades e recomendar materiais para que os conteúdos sejam revisados. “Os agentes fazem um diferencial muito interessante, pois os alunos se sentem mais à vontade para interagir com um colega ou com um agente, e não diretamente com o professor”, ressalta a professora.
Durante a aula no mundo virtual, os alunos podem até ficar em casa. O recomendado é, no entanto, que eles compareçam ao laboratório, por causa do acesso à internet, que se faz necessário.
O futuro: sala de aula inteligente
Desde o início deste ano, o Greca trabalha na criação de salas de aula inteligentes. Com a análise e a interpretação do grande volume de dados gerados pelos indivíduos na internet, já é possível acompanhar, por exemplo, o desempenho dos alunos em tempo real. Quando o aprendizado se dá online e a avaliação acontece em etapas em uma plataforma digital, o professor sabe exatamente quanto tempo o aluno demorou para aprender cada conteúdo. Com a sala de aula inteligente, isso se tornaria ainda mais evidente. A grande quantidade de dados sobre o aprendizado seria devidamente processada por inteligência artificial e permitiria a personalização do ensino.
A ideia é que as pessoas cheguem na universidade e possam desfrutar de inúmeras vantagens da tecnologia. Em uma sala de aula inteligente, os alunos registrariam a presença com a biometria, facilitando o trabalho do professor, que não mais necessitaria fazer o registro de frequências. Nesse ambiente, os sensores de temperatura e expressão facial dos alunos também poderiam ser reconhecidos, a fim de mudar a dinâmica da aula, favorecendo a adaptação dos conteúdos para cada aluno.
Apesar de o projeto ainda estar em fase inicial – com os testes de sensores de temperatura e luminosidade -, a professora Roseclea descreve empolgada o objetivo: “Nesta sala haverá uma integração total de todos os dispositivos, sensores integrados com o sistema acadêmico e com o mundo virtual, por exemplo, com os jogos. Nossa intenção é que ela seja a semente para o campus inteligente”.
Desafios a serem superados
Não restam dúvidas sobre a presença da tecnologia no dia a dia dos jovens – uma geração que já nasceu conectada ao mundo virtual – e os impactos que esse novo perfil de aluno traz ao ambiente escolar e acadêmico. Esse contexto lança o desafio para escolas, universidade e professores sobre como usar os novos recursos tecnológicos a favor do ensino. Resistir à tecnologia não é uma opção.
A professora Giliane Bernardi acredita que é necessário promover interações mais simples, com interfaces mais intuitivas que não tenham um nível de complexidade muito grande. “A mediação tecnológica precisa ser simples, rápida, eficiente e transparente”, complementa. Mas, para isso, precisa ser discutida também a falta de infraestrutura, de investimentos no setor tecnológico e, principalmente, os valores pagos para o acesso à internet no país – como destaca a professora Roseclea: “Não adianta o aluno ter um celular, um computador bom e um mundo virtual disponível, mas não possuir uma rede de internet com qualidade”.
*Esta matéria está atualizada em relação à publicada na edição impressa.
Reportagem: Tainara Liesenfeld, acadêmica de Jornalismo
Ilustração: Pollyana Santoro, acadêmica de Desenho Industrial
Lettering e diagramação: Deirdre Holanda
Fotografias: Thomás Dalcol Townsend
Locução: Marcelo de Franceschi