Representantes da comunidade internacional se reuniram na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, em setembro de 2015, para firmar um compromisso pela sustentabilidade do planeta. Na ocasião, 193 países decidiram adotar como guia o documento “Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”. Trata-se de um plano de ação para construir um caminho sustentável até 2030, com metas para erradicar a pobreza e promover a dignidade humana dentro dos limites da Terra. Tais preocupações se mostram ainda mais pertinentes pelo fato de que, de 2014 a 2020, foram registrados os sete anos mais quentes da história, segundo dados da Agência Espacial Americana (Nasa) e da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos.
O grupo é coordenado pelo Pró-Reitor Adjunto de Extensão, Rudiney Soares Pereira, que conta ter sido incumbido de pensar no processo de implantação da Agenda 2030 junto de várias mãos e muitas cabeças pensantes. A comissão de trabalho reúne técnico-administrativos e docentes de vários setores da Universidade e dos quatro campi. Em 2019, o grupo elaborou um diagnóstico que classifica mais de 11,8 mil ações de ensino, pesquisa e extensão alinhadas a um ou mais ODS.
Essas atuações contribuíram para o bom posicionamento da UFSM, que está empatada na 14a posição dentre as universidades brasileiras que melhor trabalham com os 17 ODS, segundo a revista britânica Times Higher Education (THE). No ranking geral, divulgado em 2021, a Instituição está entre a 401ª a 600ª colocação, e demonstra tendência de crescimento no índice, uma vez que em 2018 era avaliada em 10 Objetivos e na última lista se destacou em 14.
Energia limpa e acessível
O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) 2016/2026 da UFSM definiu diretrizes da política de gestão ambiental para o período de 10 anos. No documento, a Universidade assume o compromisso de reduzir o consumo energético e de estimular a geração própria de energia, tendo como pretensão que os edifícios se qualifiquem como de máxima eficiência energética. As novas construções devem se enquadrar no conceito de Zero Energy Building – edificações com microgeração de energia que supram o consumo total ou parcial.
Ainda não existem edifícios de energia zero no campus de Camobi, mas há estudos e estimativas na busca pela geração própria de energia solar. A Pró-Reitora Adjunta de Infraestrutura (Proinfra) e professora no programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo (PPGAUP), Ísis Portolan, explica que há mais potencial em obter autossuficiência energética em edificações com até dois andares, por não serem prédios muito grandes. Os edifícios da Casa do Estudante II (CEU II), por exemplo, são objeto de pesquisa de professores da Engenharia Elétrica para a implementação de energia fotovoltaica.
Em 2020, a capacidade instalada de produção máxima das usinas fotovoltaicas na UFSM era próxima de 170 quilowatts pico. Juntamente das duas novas estações a serem instaladas no campus Santa Maria em 2021, de 400kWp cada uma, e uma em Cachoeira do Sul, pode-se chegar a 1 gigawatt instalado nas estruturas da Universidade. Na sede, a instalação permitirá o uso da energia por parte do Centro de Educação Física e Desportos com sobras para a CEU, de onde por enquanto a distribuição produzida não passará, pois se trata do espaço com maior despesa energética do campus.
Água potável e armazenamento das chuvas
O compromisso de encarar a sustentabilidade hídrica também está contemplado no PDI, com a busca do envolvimento da comunidade e a total transparência no uso da água. No prédio 37 da CEU II, a UFSM investiu na construção de dois blocos com tecnologias sustentáveis, como caixas d’água ligadas a cisternas que armazenam a água da chuva para uso nos vasos sanitários. No Colégio Politécnico, o armazenamento beneficia também o setor de floricultura.
Fora dos muros da Universidade, o Projeto Captação, da ONG Engenheiros Sem Fronteiras, é exemplo de ação pela sustentabilidade hídrica em Santa Maria. Gabrielli Morelato Hosono faz parte do Captação desde 2019 e conta que o grupo implementa sistemas de retenção de água da chuva. Isso é possível por meio de doações de pessoas e empresas, principalmente de lojas de materiais de construção. A primeira aplicação do projeto foi construída em 2018 em um prédio usado pelo Centro de Tecnologia para experimentos, onde fica a sede da ONG. Em 2019, o grupo construiu outro sistema de retenção de água no Colégio Marista, localizado no centro da cidade e, em 2020, aplicaria o projeto na comunidade Dom Ivo, no bairro Passo D’areia, ação adiada por causa da pandemia.
Para Nadyanni Andres, integrante do Comitê Ambiental da CEU II, uma possibilidade do reuso da água seria utilizar a própria estrutura da CEU para a horta comunitária do prédio 60, feita por estudantes. A utilização de cisternas na manutenção de hortas destinadas à comunidade interna e assistida diretamente pelas políticas de assistência estudantil é uma opção, mas o manejo da água apresenta outros caminhos autossustentáveis. Podem-se citar a redução da poluição, a melhora da qualidade da água e a colaboração no objetivo de acesso ao saneamento e higiene iguais e adequados a todos.
O FUTURO
Quando há recursos financeiros, as inovações criadas na UFSM são utilizadas pela própria instituição. A pista multiuso é um exemplo de ideia de alunos e professores implementada pela Proinfra. Trata-se de um espaço multimodal para carrinhos de bebê, pessoas cegas e aquelas que usam cadeira de rodas, bicicletas e skates, que percorre todo o campus sede e ajuda na mobilidade interna e na integração com o bairro Camobi. Ao vislumbrar 2030, Ísis projeta ciclovias que liguem o campus até lugares distantes como o bairro Tancredo Neves e as cidades da Quarta Colônia, o que fomentaria o cicloturismo.
Como os prédios da Universidade foram construídos principalmente nas décadas de 1960 e 1970, a maioria não é muito eficiente em relação à sustentabilidade, e são necessárias transformações para torná-los sustentáveis, ou seja, para que causem menos impactos ambientais e busquem maior eficiência no uso de recursos naturais. Essas mudanças parecem mais distantes com a queda de investimento para construções, por parte da União, desde 2012. Ainda assim, para os próximos dez anos, a Pró-Reitora Adjunta cita a possibilidade de reformas
como a aplicação de brises – dispositivo para impedir a incidência direta de radiação solar – de proteções solares nas fachadas, a criação de mais janelas e a instalação de paredes verdes.
Ísis ressalta que não apenas as construções precisam de atenção, mas também é necessário preservar as áreas verdes com vegetação arbórea, ampliando-as para a área rural da UFSM. Nadyanni, domiciliada na Universidade, almeja que haverá lugares onde, em 10 anos, o alimento dos moradores da Cidade Universitária será produzido comunitariamente na CEU II. E sabe o córrego ao lado do posto de combustível? Para Ísis, em um futuro com investimentos adequados, poderemos esquecer o mau cheiro de 2020 e imaginar uma água límpida com possibilidade de passeios de caiaque em 2030.
Mas e em 2050? Para a professora, as edificações, hoje com 50 anos, já terão passado pelas modificações estruturais necessárias, terão captação da água da chuva, energia solar e equipamentos de alta eficiência energética. Os sistemas de mobilidade estarão ainda melhores e a Universidade, mais acessível e integrada à sociedade, agradável enquanto local de trabalho e, definitivamente, vista não só como lugar para ter aulas.
E por que não imaginarmos a UFSM como provedora de energia e novas tecnologias de uso d’água para toda Santa Maria e região? É um questionamento feito pela líder do Projeto Captação, Gabrielli. Para ela, em concordância com Ísis, com a produção de energia aumentando gradativamente, podemos vislumbrar os carros elétricos como algo usual, tendo no campus sede um ponto de carga elétrica – que já existe. O eletroposto referido é parte de um projeto com o Centro Internacional de Energias Renováveis (Cibiogas) e a concessionária Copel, do Paraná, e fez da UFSM a primeira universidade no Rio Grande do Sul a instalar um posto para recargas rápidas de veículos elétricos – e de maneira gratuita. Mas a Universidade está acostumada a ser pioneira, pois antes já havia sido a primeira a receber um veículo elétrico para pesquisas em terras gaúchas, fato ocorrido em 2020.
Rudiney ainda cita como objetivo tornar a UFSM uma universidade de excelência, mais igualitária e universal. Ele pondera que as universidades são “instituições de Estado, não de governo, e apesar de os governos muitas vezes criarem todas as restrições ou obstáculos para que não cresçam, elas continuam crescendo”. Caminhando em seu crescimento como agente transformador local, regional e nacional, em 2050 a projeção da UFSM é de uma universidade mais internacionalizada, com mais fluxo de pessoas de vários lugares do mundo e mobilização pelo reconhecimento do trabalho da nossa comunidade acadêmica em nível internacional.
Pensar no futuro ajuda na elaboração de um plano de ações como as discutidas aqui. Mas também pode contribuir para a mudança de cultura a partir da implementação de pequenas práticas cotidianas, como separar o lixo adequadamente, privilegiar a luz natural em vez de lâmpadas e trocar, quando possível, o ar-condicionado pelas janelas abertas.
Conteúdo produzido para a 12ª edição impressa da Revista Arco (Dezembro 2021)