De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o Brasil consumiu 136 bilhões de litros de combustíveis em 2017, um aumento de 0,4% em relação ao ano anterior, que registrou a venda de 135,4 bilhões de litros nas bombas de combustíveis. A pesquisa aponta também um aumento do consumo de biocombustíveis – fontes de energia consideradas alternativas, de caráter renovável e baixos índices de emissão de poluentes.
Em decorrência do aumento da frota de veículos no país, há uma preocupação cada vez maior sobre a produção de energia limpa. Na UFSM, algumas iniciativas já vêm sendo propostas neste sentido, a exemplo da Usina Piloto de Etanol do Colégio Politécnico. Agora, outro projeto está prestes a sair do papel: a Usina de Biocombustível de maior capacidade sustentável.
Usina de Etanol
O projeto iniciou em 2009 com a produção do etanol a partir de amiláceas, sendo a primeira usina com esta finalidade no Rio Grande do Sul. Um ano depois, uma parceria com a Receita Federal foi firmada e a usina passou a produzir etanol a partir de materiais líquidos apreendidos pela receita, como whiskys e perfumes . Até 2018, a UFSM recebeu 176.316 litros de produtos apreendidos pela Receita Federal que geraram em torno de 17.631 litros de etanol, à graduação 95°C GL.
Inicialmente, a maior parte do etanol produzido no campus servia para abastecimento de veículos oficiais e higienização. Segundo o professor e coordenador da usina, Cícero Nogueira, atualmente o combustível é usado majoritariamente nos trabalhos desenvolvidos em laboratórios, sendo o principal deles o Laboratório de Motores, vinculado ao curso de Engenharia Mecânica.
Antes de 2010, toda a bebida apreendida pela Receita Federal de Santa Maria ia para a Estação de Tratamento de Esgoto do município, o que causava um grande impacto ambiental. Frente aos avanços e aos resultados positivos, o projeto recebeu premiação em 2016, no Concurso Inovação, realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
Usina de Biodiesel
A produção de etanol despertou na equipe responsável o desejo de também produzir biodiesel. Foi então que, em 2013, surgiu a ideia de reutilizar os óleos de fritura de restaurantes e lanchonetes da Universidade para a produção deste combustível. No ano seguinte, uma miniusina já trabalhava a todo vapor no Colégio Politécnico, porém sua eficiência sustentável não era alta: muita água era descartada na produção, devido ao processo de lavagem e purificação dos óleos.
O projeto Mobilidade gerada pela sustentabilidade foi então elaborado pelo doutorando Antonio Fantinel e pelos professores Cícero Nogueira e Sérgio Luiz Jahn e apontou que são descartados cerca de 1500 litros de óleo de fritura residual por mês na UFSM, sendo somente o Restaurante Universitário e o Husm responsáveis por cerca de 850 litros. O projeto objetiva a produção de biodiesel a partir de óleo de fritura para abastecimento de veículos a diesel da instituição, facilitando a mobilidade intra-campus.
Custos e impactos ambientais do Biodiesel
“Estávamos sendo duplamente sustentáveis, pela transformação de um subproduto altamente poluidor ao meio ambiente e pela produção de um combustível renovável. No entanto, toda produção precisa ser economicamente sustentável, daí a análise econômica da pesquisa”, reflete Antonio Fantinel.
O pesquisador resolveu então avaliar a viabilidade econômica e ambiental da produção de biodiesel em uma pequena unidade industrial, empregando óleos e gorduras residuais como matéria-prima. A dissertação, defendida em 2016, apontou que os custos relativos à produção de biodiesel em pequena escala foram superados e que as vantagens com a utilização dessa matéria-prima poderiam ser ampliadas, se observada sob a perspectiva da sustentabilidade.
Além disso, as conclusões da pesquisa ressaltaram os benefícios da produção de biocombustível na esfera ambiental, já que este previne que os óleos sejam descartados na rede de esgotos e em rios, e reduz a emissão de gases poluentes; e, na esfera social e econômica, pois pode gerar emprego e renda com a articulação da cadeia de coleta e reciclagem.
Coleta da matéria prima do biodiesel
Neste ano, a empresa Recóleo, que fazia a coleta do óleo de cozinha na UFSM, suspendeu as atividades. Em fevereiro, o Colégio Politécnico recebeu a instalação da usina de biodiesel com maior capacidade e, até então, o processo passa por alguns ajustes. A ideia, segundo o professor Cícero, é que a usina esteja em pleno funcionamento já a partir do segundo semestre e, possa fazer uso de todo o óleo de cozinha do campus que a Recóleo coletava anteriormente.
De acordo com Fantinel, com a instalação da usina de biodiesel será possível produzir aproximadamente 1.400 litros de biodiesel ao mês com o óleo de fritura descartado dentro da UFSM. Ele salienta, no entanto, que a produção pode ser muito maior se houver adesão da população acadêmica: “Numa perspectiva que cada pessoa descarte aproximadamente 0,2 litros de óleo de soja ao mês e mais de 25 mil pessoas entre docentes, servidores técnico-administrativos e alunos que transitam diariamente dentro da UFSM, a oferta ia se elevar para 5 mil litros de óleo de fritura.” Dessa forma, segundo o pesquisador seria possível aumentar a produção de biodiesel para mais de 5 mil litros de biodiesel ao mês, sendo possível alimentar o BUFSM – ônibus que faz o transporte interno dos alunos.
Os desafios do cenário atual e os biocombustíveis
Segundo relatório divulgado em 2017 pela Agência Internacional de Energia, o consumo mundial de combustíveis fósseis deve seguir aumentando até o ano de 2040. Atualmente, a matriz de transportes no mundo utiliza 95% de derivados do petróleo; as estimativas para daqui a mais de 20 anos é de que este percentual caia para 88%. Os problemas causados pelo seu uso intensivo do petróleo e seus derivados preocupam estudiosos e reafirmam a necessidade de pensar alternativas.
De acordo com o professor Cícero Nogueira, a maioria (98%) do etanol utilizado no Rio Grande do Sul vem de fora do Estado e isso se reflete fortemente no valor do produto: “O transporte é feito pelas rodovias e o etanol vem de estados como Paraná, São Paulo e Mato Grosso. O Rio Grande do Sul, por questões climáticas, não é muito favorável à produção cana-de-açúcar mas, em contrapartida, é rico em fontes amiláceas como o arroz.”
Quase a totalidade do etanol advindo de outros estados é utilizado para abastecer a indústria petroquímica e, na visão de Cícero, o Rio Grande do Sul teria grandes vantagens econômicas ao incentivar mais a produção do biocombustível para abastecer os pólos petroquímicos. Além disso, o professor aponta que a produção local de biocombustível poderia ser uma saída para momentos de crise de abastecimento, como os vivenciados no mês de abril devido à greve dos caminhoneiros.
Fantinel acredita ser necessário investir mais na produção de biodiesel, já que “a maioria dos biocombustíveis produzidos é de primeira geração, utilizando em seu processo de produção partes comestíveis de plantas como fonte de matéria-prima, e isso faz emergir calorosas discussões relacionadas à segurança alimentar.” Nesta perspectiva, estaria de acordo ao amplo investimento na produção de biocombustíveis utilizando óleo de fritura, por exemplo: “Mantém-se a produção de combustíveis renováveis e também minimiza-se os problemas ambientais pelo descarte impróprio de óleo de fritura”.
Reportagem: Tainara Liesenfeld
Fotografia: Rafael Happke
Ilustração: Pollyana Santoro e Juliana Krupahtz