Que linda esta imagem, não? Ela é a reconstrução artística do Antifer ensenadensis, um cervídeo extinto que é considerado o maior cervo que já habitou a América do Sul. Também estão representados, nos quadrinhos menores, o crânio e o encéfalo dele, que foram objetos de estudo do mestrado que realizei na UFSM, em 2021, sob orientação do paleontólogo Dr. Leonardo Kerber. Na pesquisa, analisamos o molde da cavidade do crânio onde fica o encéfalo do cervo extinto no Pleistoceno final e, para fazer tal análise, utilizamos técnicas de tomografia computadorizada. Entre os resultados da investigação, descobrimos que o peso do Antifer ensenadensis pode ter atingido até 206 quilos, maior que o Cervo-do-pantanal, muito além do que já haviam estimado. Até então, estudos mostravam que seu peso poderia ter alcançado 120 quilos e não havia nenhum estudo sobre a cavidade endocraniana desses animais.
Os cervídeos que conhecemos hoje começaram a habitar a América do Sul durante o Pleistoceno, há aproximadamente 2,5 milhões de anos. Eles chegaram aqui com a formação do Istmo do Panamá no final do Plioceno, há mais ou menos 2,4 milhões de anos. O Istmo era uma ponte localizada na América Central, que interligou a América do Norte com a América do Sul. Esse fenômeno é conhecido como “Grande Intercâmbio Biótico Americano”. Naquele período, existiam cervos de grande porte, como o Antifer, que tinha galhadas muito robustas, chegando a um metro de comprimento (para comparação, as galhadas dos cervos atuais não passam de 45 centímetros).
O estudo da Paleoneurologia
Paleoneurologia é um ramo da paleontologia que estuda a evolução neurológica. Após a morte dos animais, os tecidos do sistema nervoso não são preservados, pois se decompõem rapidamente. Este ramo da paleontologia, portanto, não trabalha diretamente com os tecidos, mas com impressões/contornos internos que foram deixados nos ossos. Atualmente, as tecnologias para visualizar e analisar fósseis vêm avançando e é possível estudar as cavidades internas de crânios por meio de tomografias computadorizadas, sem precisar quebrar ou danificar os fósseis. Antes do surgimento dessas tecnologias, era necessário fazer moldes de látex ou outro material, e o risco de danificar e/ou fraturar o fóssil era grande. Alguns pesquisadores serravam o material para ver como seria a morfologia interna, o que acarretava em perda de informação externa, além de danificar o fóssil.
Em nossa pesquisa, estudamos a cavidade endocraniana de Antifer ensenadensis (um fóssil de 42 – 10 mil anos atrás), provenientes da Formação Touro Passo (Pleistoceno Superior) e outros cervos atuais da América do Sul, América do Norte e Eurásia. O objetivo era compreender a morfologia, tamanho e forma dos endocrânios. As técnicas que usamos como metodologia foram:
Concluímos que A. ensenadensis possuía um cérebro girencefálico (com sulcos e circunvoluções), assim como os cervos atuais, e o coeficiente de encefalização está dentro da variação dos cervídeos.
Alguns fatores ecológicos influenciam no grau de encefalização ao longo do tempo em diversos grupos de mamíferos, como pressão seletiva de predadores, competição, seleção neutra ou negativa, domesticação, hábitos fossoriais (adaptado para cavar, vive sob o solo), procura de alimento, entre outros.
Observamos também que, quanto menor é o tamanho corporal dos cervos, maior é o tamanho do cérebro – e vice versa – valendo para os cervos extintos e viventes. Esse fato não reflete necessariamente em uma maior inteligência para os cervos pequenos. Uma hipótese para explicar essa variação em tamanho relativo do cérebro é que animais que sofrem maior predação e competição (o que chamamos ‘pressão seletiva’) tendem a possuir um encéfalo maior (maiores coeficientes de encefalização), enquanto em animais com menor pressão seletiva na sua vida tende a ocorrer o oposto. Os cervídeos de menor porte provavelmente sofriam mais predação e competição do que os cervos maiores, pois animais pequenos tendem a ter uma alimentação mais especializada – e consequentemente maior competição intraespecífica (entre indivíduos da mesma espécie) e interespecífica (entre indivíduos de espécies diferentes).
Por fim, gostaria de ressaltar, a partir da minha experiência nesta pesquisa, o quanto as novas tecnologias têm auxiliado na compreensão da biologia de espécies extintas – como o caso do cervídeo gigante sul-americano Antifer ensenadensis. Projetos assim são de extrema importância para o conhecimento e desenvolvimento de hipóteses evolutivas e de extinção das espécies.
Ilustrações: Marcio L. Castro;