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Alucinação ou realidade?

Estudos sobre neurociência apontam que algumas drogas psicodélicas podem atuar como princípio-ativo de remédios para depressão e estresse pós-traumático



As drogas psicodélicas eram usadas nos anos 1960 e 1970 para expandir a consciência. A partir de experiências alucinógenas artistas produziram pinturas e músicas que representaram a fuga da realidade. Após décadas de proibição, substâncias como o ácido lisérgico (LSD) podem ser usadas para tratar vícios em álcool e cigarro, bem como traumas, compulsões e outros problemas relacionados à saúde mental. Tudo é feito com base em pesquisas e com microdoses manipuladas. 

Investigações sobre o assunto são desenvolvidas nos Estados Unidos e na Europa, com a participação de pesquisadores brasileiros. Mas, segundo a professora Eliane Maria Zanchet, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia, do Centro de Ciências da Saúde da UFSM, esse tipo de estudo não fornece resultados aceitáveis para a Food and Drug Administration (FDA), órgão americano que regula a liberação de medicamentos, equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil.

Na UFSM, a Liga Acadêmica da Neurociência, a Neuroliga, promove anualmente a Educação Continuada, inspirada no Congresso de Neurociência Brain. Foram realizadas, em Santa Maria, palestras entre 10 de junho e 1º de julho. A Neuroliga é multidisciplinar e atualmente conta com 23 estudantes dos seguintes cursos:  engenharia da computação, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina e psicologia. 

Segundo o presidente da Neuroliga, Danilo Alencar, os temas são escolhidos pela curiosidade. “A gente traz aquilo que as pessoas pesquisariam numa tarde em casa”, comenta. Para Luís Fernando Camargo, membro da liga, a importância do encontro está em disseminar a neurociência com alunos de diferentes unidades universitárias.  

A abertura do evento foi realizada por Eliane, que falou sobre o uso de drogas psicodélicas e a relação delas com a área da saúde, abordando estudos antigos e novas descobertas. 

A Revista Arco conversou com Eliane sobre os mitos e verdades que envolvem as drogas psicodélicas. Confira a entrevista:

 

ARCO – O que caracteriza a droga como psicodélica? 

Eliane Zanchet – As drogas psicodélicas têm como característica principal a alteração da consciência, trazendo sensações semelhantes às do sonho. Também faz com que o indivíduo tenha percepção de aspectos da mente que antes desconhecia. Tais drogas afetam os pensamentos e percepções, que se tornam distorcidos; ocorrem alucinações visuais, auditivas, táteis ou olfativas; objetos inanimados parecem animados. As modalidades sensitivas podem ficar confusas, de modo que os sons podem ser percebidos como visões.

As drogas psicodélicas são: LSD, psilocibina, mescalina, DMT, DOM, MDMA, ibogaína, salvinorina A, cetamina e fenciclidina. Somente o LSD, MDMA, cetamina e fenciclidina são de origem sintética. As demais são encontradas na natureza, em plantas, fungos e animais.

 

ARCO – Essas drogas viciam?

Eliane – As drogas psicodélicas não causam dependência.

 

ARCO – É possível utilizar drogas psicodélicas para combater vícios? 

Eliane – Os resultados de estudos mostram o efeito positivo de drogas psicodélicas, como o LSD e a psilocibina, no tratamento de vício em nicotina e álcool. Outros trabalhos também mostram o uso do DMT (encontrado no chá Ayahuasca) no tratamento de dependência de drogas de abuso. A Ibogaína tem sido usada há muitos anos em tratamentos no Brasil. Pesquisadores da UNIFESP publicaram em 2014, no periódico The Journal of Psychopharmacology, trabalho mostrando que a Ibogaína pode interromper a dependência de cocaína, crack e outras formas de vício em 72% dos casos. Convém ressaltar que todos os tratamentos, experimentais ou não, são feitos em hospitais ou centros de pesquisa, com acompanhamento médico e psicológico durante e depois do tratamento.

 

ARCO – Como eram realizados os tratamentos com LSD nas décadas passadas? 

Eliane – O LSD foi sintetizado em 1938. Somente em 1947 passou a ser comercializado com o nome de Delysid. Ele foi distribuído pela própria Sandoz (farmacêutica que o sintetizou) para pesquisadores do mundo inteiro testarem e estudarem o efeito do LSD em pacientes com distúrbios psiquiátricos. Na época, os estudos mostraram efeitos benéficos, como auxiliar na psicoterapia, no tratamento da ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, alcoolismo, medo da morte e distúrbios alimentares.

O LSD foi proibido na metade da década de 1960, quando ele e a psilocibina passaram a serem usadas como drogas recreativas, especialmente pelo hippies. O movimento da contracultura, com seus comportamentos e questionamentos, chocava a sociedade e o governo americano. Ao mesmo tempo, a mídia passou a noticiar o lado negro das drogas psicodélicas, por meio de relatos de bad trip, flashbacks, surtos psicóticos e suicídios. Então, no final da década de 60, as drogas psicodélicas, que eram legais na maioria dos lugares, foram banidas e relegadas à clandestinidade. Também foram proibidas todas as pesquisas que vinham sendo feitas.

ARCO – As pesquisas mais recentes da área da saúde revelam os benefícios do LSD quando utilizado em microdoses. O que já foi descoberto com essas pesquisas? 

Eliane – Várias reportagens têm descrito o uso de microdoses de LSD, especialmente por pessoas que trabalham na área de tecnologia digital (Vale do Silício). Neste ano, um artigo científico mostrou um estudo em que dois pesquisadores recrutaram pessoas de 18 a 80 anos que faziam uso de microdoses de LSD ou de psilocibina, para seguirem por um mês o protocolo de usar a microdose no dia um e ficar os dias dois e três sem microdose. Depois desse período, os participantes fizeram relatos de como se sentiram, e enviaram aos pesquisadores – foi, na verdade, um auto-estudo, sem grupos controles. 

Os resultados analisados e publicados mostraram que a maioria das pessoas descreve aumento das emoções positivas, interação social mais fácil, menos dor de cabeça, mais criatividade, inspiração, paciência, generosidade, abertura aos membros da família e diminuição de dores crônicas. No entanto, apesar de tais benefícios, a maioria das pessoas resolveu parar de usar a microdose depois de um mês. Outras, passaram a usar uma vez por semana ou uma vez ao mês. 

Mesmo que já existam pesquisas são necessários estudos mais completos e com resultados mais confiáveis.

 

ARCO – Quais doenças elas podem curar ou minimizar os sintomas? 

Eliane – Depressão associada à câncer terminal, depressão grave não responsiva aos antidepressivos, tratamento da ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos alimentares, enxaqueca, dependência de drogas, alcoolismo e no transtorno do estresse pós-traumático. Geralmente é usada somente uma ou duas doses dos psicodélicos, com efeitos que podem durar até seis meses.

 

ARCO – Onde as pesquisas envolvendo substâncias psicodélicas estão sendo desenvolvidas? 

Eliane – Estados Unidos e Europa. Pesquisadores brasileiros estão participando dos estudos da Fase III do uso de MDMA e do LSD no tratamento de transtorno do estresse pós-traumático. Essas drogas eram fármacos que tiveram seu uso proibido. O que os pesquisadores querem é que as mesmas voltem a ser liberadas para uso clínico. Para isso, são necessárias pesquisas que mostrem o real benefício em determinados quadros psiquiátricos. 

 

Repórter: Mirella Joels, acadêmica de Jornalismo

Ilustradora: Marcele Reis, acadêmica de Publicidade e Propaganda

Editora de produção: Andressa Motter, acadêmica de Jornalismo

Editor chefe: Maurício Dias, jornalista

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