Estádio Chile, 1969. Nesse local, no Festival da Nova Canção Chilena, grandes nomes da música nacional apresentavam-se. Entre eles, estava o cantor Víctor Jara, que acabaria vencendo o festival daquele ano. No ano seguinte, engajado com a política e os problemas sociais do país, Jara esteve ao lado do candidato socialista à presidência da república, Salvador Allende.
Três anos depois, em 1973, Allende seria deposto por um golpe militar que colocou Augusto Pinochet no poder. Ainda nos primeiros dias da recém instaurada ditadura militar chilena, diversos lugares transformaram-se em verdadeiros campos de concentração, com interrogatórios, torturas e assassinatos sumários. Um desses locais foi o Estádio Chile, com capacidade aproximada de cinco mil pessoas.
Víctor Jara estava entre os presos políticos levados para lá logo depois do golpe. Dali, ele só sairia morto, após ser torturado durante dias. E foi nesse estádio que Víctor escreveu seu último poema, Somos cinco mil (Somos cinco mil aquí/En esta pequeña parte de la ciudad/Somos cinco mil/¿Cuántos somos en total/en las ciudades y en todo el país?). No local, hoje chamado de Estádio Víctor Jara, a cadeira onde o cantor escreveu a derradeira obra de sua vida é a única pintada de branco, no meio de todas as cadeiras verdes no ginásio.
A HISTÓRIA RECONSTRUÍDA EM UM LIVRO-REPORTAGEM
O livro-reportagem Un Temblor de Primaveras, escrito pelo egresso do curso de jornalismo da UFSM Maurício Brum, conta a história de Víctor Jara. O material foi apresentado como trabalho de conclusão de curso (TCC), em fevereiro de 2013, com mais de 300 páginas, entre o livro e a parte teórica.
A narrativa inicia-se no próprio Estádio Chile, com o festival da Nova Canção Chilena vencido por Víctor. Depois, em ordem cronológica, a primeira parte do livro é destinada à vida do cantor, desde a infância até os dias finais do governo de Allende, com a contextualização social e política da época. Na segunda parte, os detalhes dos dias em que Víctor esteve no Estádio Chile após o golpe, desde a prisão, no dia 12, até a sua morte, ocorrida em algum momento entre os dias 15 e 16 de setembro de 1973.
O interesse de Brum pela vida de Jara veio juntamente com o desejo de saber mais sobre a história do Chile e sobre o golpe de 1973. Ao conhecer também a obra do cantor, com a qualidade artística aliada à militância de esquerda, o jornalista pensou em produzir uma reportagem aprofundada sobre o tema. Em 2011, com a proximidade do TCC, aproveitou a oportunidade para desenvolver o livro-reportagem: “Eu já havia reunido alguns materiais e vinha lendo sobre o assunto, e pareceu a oportunidade perfeita, com um ano inteiro para me dedicar a uma pauta”.
Para o trabalho de pesquisa, levantamento de materiais e apuração, Brum esteve mais de três meses no Chile, em duas passagens pelo país. Ele aproveitou essas temporadas para aquisição de bibliografia não existente no Brasil, realização de entrevistas, visitação e busca de materiais nos acervos do Museu da Memória e dos Direitos Humanos e da Fundação Víctor Jara.
Desde 1993, existe em Santiago do Chile essa fundação que leva o nome do cantor. O espaço, criado para manter viva a memória do artista que tanto cantou as injustiças do seu país, apresenta para as novas gerações o legado musical – e de lutas sociais – que Jara deixou para o Chile após sua morte.