A odisseia de Giovanni Maria de Agostini pelo Novo Mundo iniciou em 1838, quando ele cruzou o Atlântico para atuar como missionário religioso. O italiano, nascido em 1801 na região do Piemonte, aspirou à vida sacerdotal, mas não chegou a receber a ordenação. Mesmo assim, inspirou muitos com sua conduta de penitente.
“A primeira vez que ouvi o nome João Maria de Agostini foi durante uma palestra ministrada pela professora de história Nikelen Witter, em 2001, quando eu estava iniciando minha graduação na UFSM”, conta Alexandre Karsburg, que hoje leciona na Universidade Federal de Pelotas. Foi também nessa palestra que o professor ficou sabendo sobre a presença do monge italiano em Santa Maria, especificamente no Cerro do Campestre. No local, Agostini teria descoberto uma fonte de água mineral que as pessoas começaram a acreditar ser milagrosa, chamando-a de “fonte de águas santas”.
Já no mestrado, realizado na PUCRS, entre 2005 e 2007, Karsburg estudou conflitos políticos e religiosos ocorridos em Santa Maria no final do século XIX e início do XX. “Lendo a documentação da época, constatei que a Romaria de Santo Antão, no Cerro do Campestre, era a maior romaria católica do Rio Grande do Sul – e assim foi até 1930. Essa tradição religiosa iniciou justamente pela ação do monge João Maria de Agostini, em 1848, quando este colocou uma imagem de Santo Antão no alto do Cerro, como forma de tentar organizar a aglomeração que existia por causa das chamadas ‘águas santas’”.
Foi no doutorado que surgiu a ideia de focar sua pesquisa no monge Agostini. “Pensei, inicialmente, em estudar as diferentes fases da Romaria de Santo Antão, desde sua origem em 1848, até 1930, quando entrou em decadência por causa de outras devoções que passaram a se destacar na cidade de Santa Maria – como a de Nossa Senhora Medianeira”, explica o professor. Contudo, à medida que avançava nas pesquisas em arquivos, a história do monge João Maria de Agostini foi se destacando. O professor descobriu, então, inúmeras fontes de informação, inéditas, a respeito dele. Depois de alguns meses de trabalho, Karsburg constatou que poderia construir a trajetória do monge Agostini pelo Brasil e demais países das Américas. Assim, o pesquisador percorreu arquivos de diversas cidades, como Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Florianópolis, Rio de Janeiro e Lapa (PR) em busca de dados concretos.
A PASSAGEM PELO INTERIOR DO BRASIL
Com a passagem do monge por Santa Maria, as notícias sobre os seus milagres chegaram a todo o Rio Grande do Sul, além de outras regiões do Brasil, e também atraíram doentes de países vizinhos, como Uruguai, Argentina e Paraguai. Nas cidades, as autoridades concediam ao eremita licenças para atuar como missionário e pregador do Evangelho. Ao conseguir as licenças, Agostini rumava para o interior, percorrendo enormes distâncias, geralmente a pé. Quando chegava às vilas e aos povoados, ele era respeitado e admirado por sua vestimenta, que se assemelhava à de um frade, por carregar objetos sacros, como bíblia, rosários e crucifixos, e também por sua aparência física, que lembrava profetas bíblicos – barba que lhe batia no peito e cabelos mais ou menos compridos. Essa admiração pelo monge acabou causando uma grande aglomeração em torno da fonte localizada em Santa Maria. Com isso, o presidente da província – como se chamava na época o governador de Estado – enviou especialistas para averiguar se as águas realmente eram medicinais e para interrogar o monge.
Muitos começaram a acreditar que Agostini possuía o dom de realizar prodígios, inclusive tornar milagrosas as águas pelo simples toque de suas mãos, e passaram a chamar-lhe de santo. Entretanto, ser um “enviado divino” fez com que o Império Brasileiro se interessasse por ele. “Um único sujeito seria afronta para um Império inteiro? Ao abrir as portas para a entrada de missionários religiosos europeus, o governo brasileiro, no século XIX, não tinha como prever que esses mesmos missionários provocariam tanta comoção entre os habitantes do interior”, explica o professor. Assim, ao chegar ao interior do país, o eremita, em vez de trabalhar pelas causas do Império na criação de súditos ordeiros e fiéis às causas brasileiras, incentivava uma vida religiosa que dispensava a intermediação da Igreja. Agostini colocou a salvação da alma ao alcance dos povos simples do interior, dizendo e mostrando pelo próprio exemplo que a redenção dos pecados estaria disponível se o fiel arrependido se lançasse aos rigores da penitência, fazendo caminhos de vias-sacras, rezando e deixando para trás a vida mundana.
DO MITO À REALIDADE
Em novembro de 1852, o eremita deixou o Brasil e continuou sua peregrinação por outros países do continente americano, vivendo entre cavernas, grutas e montanhas. Chegou aos Estados Unidos em 1863, mantendo seus ofícios de eremita. Porém, morreu violentamente em circunstâncias não esclarecidas, deixando como legado inúmeras devoções e lendas espalhadas em vários países da América, principalmente no sul do Brasil e no sudoeste dos Estados Unidos. “Logo depois da morte, algumas pessoas foram interrogadas, até presas. Mas nada foi provado contra os suspeitos. O assassinato de Giovanni Maria faz parte de uma lista de crimes insolúveis no condado de Doña Ana, no sul do Novo México”, explica o professor.
Ao longo da pesquisa, a imagem que o pesquisador tinha do monge Giovanni Maria Agostini foi mudando. No início, ele o percebia como um indivíduo misterioso, quase um mito, já que não havia fotografias que comprovassem sua existência. No entanto, foi no primeiro ano de doutorado, em 2008, que Alexandre Karsburg encontrou duas fotografias do monge, além de manuscritos atribuídos a ele e seus objetos pessoais, como manto, hábito de eremita, bíblia, cajado de peregrino e livro de orações, que estavam em arquivos dos Estados Unidos. Essa descoberta fez com que quisesse reconstruir a história do eremita pelas Américas, além de compreender como o monge conseguiu percorrer todo o continente na condição de peregrino. Assim, o professor não se tornou um devoto, mas um admirador. “Ainda é difícil acreditar que alguém como ele conseguiu realizar tamanha proeza, enfrentando todo tipo de dificuldade e à mercê de perigos variados. O fato de ter me aproximado do sujeito histórico me fez entender as estratégias utilizadas para superar os desafios e cumprir com o objetivo de pregar o Evangelho aos mais distantes povos das Américas. Mas, no final, Agostini era tão humano quanto nós, um homem com defeitos e qualidades, mas de muita determinação”, finaliza.
Repórter: Andréa Ortis
Ilustração: Evandro Bertol