A ciência é pilar central para a evolução social e tecnológica de toda a humanidade. As mulheres, que por muito tempo foram mantidas longe do meio científico, vêm garantindo, aos poucos, espaço de destaque em importantes pesquisas desenvolvidas no mundo – e na UFSM não é diferente. Um exemplo disso é a professora Luciane Canha, do Departamento de Eletromecânica e Sistemas de Potência, da Engenharia Elétrica. Ela é uma das 13 pesquisadoras da Universidade que alcançaram o nível 1 de Produtividade em Pesquisa (PQ), segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Conheça, na entrevista a seguir, o caminho trilhado pela docente, os desafios enfrentados por ela em um ambiente historicamente masculino como o Centro de Tecnologia, e como ela percebe a inserção das mulheres no mundo científico.
ARCO: Qual foi o seu primeiro incentivo para trabalhar na ciência e como você chegou ao cargo que ocupa hoje?
LUCIANE: Sempre pensei em trabalhar com Engenharia Elétrica por gostar de matemática e física. Na minha família, nunca houve preconceito em relação a isso. Eu era aconselhada a fazer o que eu achasse melhor e sempre tive apoio, o que me ajudou e incentivou bastante. Entrei na UFSM como professora de Engenharia Elétrica em 1997, na época somente com mestrado. Concluí o doutorado em 2004, imediatamente assumindo como orientadora de alunos da pós-graduação. A partir disso, desenvolvemos uma linha de pesquisa que até então não vinha sendo explorada, na área de sistemas elétricos de potência, a qual abrange distribuição, geração e transmissão de energia elétrica. Cerca de quatro anos depois, passei a ser pesquisadora “PQ2” no CNPq, e há três anos passei para a categoria “1D”, sempre desenvolvendo pesquisas na área de energias renováveis, geração distribuída e redes elétricas inteligentes.
ARCO: Você acredita que enfrentou mais problemas na sua carreira pelo fato de você ser mulher?
LUCIANE: Acredito que sim. Não é uma área fácil de atuar sendo mulher. Na minha geração, as meninas brincavam de boneca ou de casinha, enquanto os meninos acompanhavam seus pais trocando a bateria do carro ou mexendo na instalação elétrica da residência, na pintura da casa… As meninas não faziam isso. Hoje as coisas estão mudando. Eu creio que a geração da minha filha, por exemplo, vai sofrer bem menos com esse preconceito. Para mim, a exigência sobre o trabalho desempenhado pela mulher na área técnica é maior: nós precisamos trabalhar quase em dobro para mostrarmos que sabemos fazer, pois, em geral, existem restrições do tipo “será que ela sabe mesmo?”, “será que ela não vai ficar com dor de cabeça e voltar para casa?”, “será que ela não vai ter que sair correndo para cuidar dos filhos?”. Por outro lado, na parte de aprovação de projetos de pesquisa, nunca houve nenhuma restrição, já que a licitação é lisa e não considera o gênero. Eu tenho sucesso em praticamente todos os projetos que envio. Nesse caso, existe certa igualdade. Já a sala de aula também pode ser difícil, dependendo da condução dada. Eu comecei a dar aula aos 26 anos, em uma turma onde cerca de 90% dos alunos eram homens. É necessário impor certa dinâmica para que eles saibam que uma professora tem as mesmas condições de ensinar do que alguém do sexo masculino.
ARCO: A partir da sua experiência, como é conciliar as atividades científicas com as tarefas domésticas, que geralmente são atribuídas às mulheres?
LUCIANE: É difícil. Eu tenho a sorte de ter o trabalho com o qual eu sempre sonhei. Eu trabalho com o que eu gosto e isso me motiva, mas é um desafio. Na minha área de pesquisa não é possível desenvolver o trabalho em casa, pois eu preciso do laboratório e dos equipamentos, além de estar nas empresas. É um grande desafio conciliar esse trabalho com a vida doméstica. O que eu tenho é um conjunto de pessoas que me ajudam com isso. Eu e meu marido dividimos igualmente as tarefas. Temos duas filhas, e quando preciso viajar, ele fica com elas. Meus pais também me ajudam, eventualmente. Na área de pesquisa, para mim, o desafio é ainda maior. É preciso dedicação total a todo momento. É necessário que tudo funcione bem para que as coisas deem certo.
ARCO: Como você vê o ambiente do Centro de Tecnologia com relação à desigualdade de gênero?
LUCIANE: Numericamente, a diferença é grande. Éramos três professoras quando eu entrei na Engenharia Elétrica, em 2004, e hoje são quatro. Por esse lado, é bem desigual, mas percebo certa evolução. Nas salas de aula vejo bem mais meninas do que antes. A proporção ainda é pequena – cerca de ¼ dos alunos são meninas. Mas na questão de respeito, ao menos aqui no Centro de Tecnologia, eu nunca tive problemas. Ocorrem, às vezes, situações pontuais, mas, em geral, o ambiente é bom.
ARCO: Para você, a conquista da igualdade de gênero na ciência se dará a curto ou a longo prazo?
LUCIANE: A curva de evolução está cada vez mais positiva. A geração atual oferece bem mais condições para as mulheres assumirem esse tipo de cargo. A tendência é aumentar, cada vez mais, o número de mulheres na ciência. Percebo uma mudança na sociedade. Estamos tentando mostrar que não existe diferença de gênero. É um momento em que a sociedade está percebendo que as mulheres e os homens precisam dividir as tarefas domésticas. Não é possível existirem situações do tipo “eu não limpo o banheiro, porque sou homem”, “eu não troco a fralda, porque sou homem”. É preciso dividir as tarefas para não ficar pesado para nenhum dos dois. A partir disso, a sociedade vai ver que essas tarefas não cabem exclusivamente à mulher, e elas serão mais respeitadas nesse meio.
ARCO: Como incentivar as mulheres a trabalharem na ciência?
LUCIANE: É preciso certificar as mulheres de que elas terão apoio da sociedade, com salários iguais, oferta de creches, ajuda da família quando necessário, e por aí vai. É preciso que a sociedade mude mais do que tem mudado na questão de respeito, segurança e condições de trabalho. A partir disso, não existem limites para as mulheres.
Repórter: Lucas Gutierres, do Núcleo de Divulgação Institucional do Centro de Tecnologia da UFSM
Fotografias: Rafael Happke