Ter filhos reflete na vida pessoal e profissional, tanto do homem quanto da mulher. No ambiente acadêmico, por exemplo, onde a produtividade precisa ser constante, é preciso uma adaptação para equilibrar as duas tarefas. Grupos e espaços para discutir o papel da mãe e do pai cientistas na vida e educação dos filhos têm sido um espaço para troca de ideias e informações. O grupo Parent in Science, criado em 2017, tem como objetivo debater a temática da maternidade e paternidade na ciência.
A sociedade ainda possui traços patriarcais que permitem a pouca participação da figura paterna na criação dos filhos, o que leva que a temática da presença paternal ainda seja pouco discutida. Um dos aspectos que reforça a ideia da mãe como protagonista na criação dos filhos é que a licença-paternidade no Brasil dura entre cinco e 20 dias. Alguns projetos de Lei pretendem mudar essa realidade e aumentar a licença paternidade para até 44 dias. Atitudes como essa são necessárias para que haja uma divisão mais justa de tarefas domésticas e cuidados com os filhos.
Felipe Ricachenevsky é pai de uma filha de dois anos e meio. Ele conta que tirou a licença paternidade quando sua filha nasceu: “Era de cinco dias corridos. Ela nasceu num sábado de manhã, então tive licença até quarta feira”. Felipe é pós-doutor no Laboratório de Fisiologia Vegetal da UFRGS, e atualmente é professor do Departamento de Biologia da UFSM. Além disso, é o único homem do Parent in Science.
A Revista Arco conversou com Felipe para saber mais sobre paternidade e ciência. O pesquisador irá palestrar na UFSM, junto a Fernanda Stanisçuaski , nesta sexta-feira (24), às 14h no Auditório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Eles conversarão sobre diferentes características e perspectivas de ser mãe e pai durante a vida acadêmica.
ARCO: Você passa muito tempo longe da sua filha? Onde ela fica durante seus horários de trabalho?
Felipe: Evito ao máximo viagens, reuniões desnecessárias, compromissos que exijam dormir fora de casa. Consegui nesses dois anos organizar minha rotina de trabalho para passar o máximo de tempo com ela e com a minha esposa. Hoje, minha filha está na escola em turno integral. Sempre buscamos ela na escola juntos, e levo ela junto com minha esposa dois ou três dias por semana. Nos outros, dou aula bem cedo, e minha esposa faz essa rotina.
ARCO: O que motivou você a seguir a carreira acadêmica? As questões que te motivaram no início são as mesmas que te movem depois da paternidade?
Felipe: Sempre gostei da ideia de ser cientista, embora não soubesse bem como era a vida de um. Mesmo pequeno, tinha vontade de ser paleontólogo, e por isso tive interesse em biologia. Depois, no segundo ano do ensino médio, assisti à uma aula sobre DNA da minha professora de biologia, e decidi que iria trabalhar com aquilo. Tive dúvida, em alguns momentos, sobre seguir a carreira, mas sempre foi meu principal interesse. Certamente a paternidade mudou muita coisa. Antes, eu “vivia no laboratório”, e mesmo em casa, estava frequentemente no computador pensando em algo, analisando dados, entre outras atividades. Hoje, meu trabalho fica no trabalho, e em casa, estou sempre com minha filha e esposa. Se tenho que trabalhar, é depois de minha filha ter ido dormir.
Uma das diferenças que percebo (porque acho que vamos nos transformando sempre como pais) é que olho cada vez mais o lado pessoal das pessoas com que convivo. É muito comum dividirmos as pessoas entre “dedicados” e “não-dedicados”. Mas há muitos motivos pelo qual alguém pode não se concentrar numa aula ou no laboratório como esperávamos. Tenho alunos que têm filhos, alunos que têm outros empregos, moram longe e precisam se deslocar muito para estar na universidade. Percebo que diversas coisas do meio acadêmico deixam de ser urgentes quando minha filha precisa de alguma atenção especial ou está doente. Passei a ver muito melhor que cada pessoa tem dificuldades próprias, situações que não permitem o nível de concentração e dedicação ideal, e passei a ver muito melhor que cada pessoa tem dificuldades próprias, situações que não permitem o nível de concentração e dedicação ideal, ou que um professor pode esperar.Essas pessoas são inteligentes, dedicadas, esforçadas e estão fazendo o melhor que podem, dadas as múltiplas tarefas que cada um tem. Tento ao máximo falar da minha filha e de como lido com ela e com o trabalho, pois acho importante que as próximas gerações saibam equilibrar a vida pessoal com a profissional.
ARCO: Qual era o seu nível de produção acadêmica antes da paternidade? Houve uma queda ou aumento da atividade?
Felipe: Sempre fui relativamente produtivo e, até o momento, não houve uma queda no número de artigos publicados ou projetos submetidos, pois muita coisa já estava “engatilhada”, e também porque minha filha nasceu ainda no meu primeiro ano como professor da UFSM (ou seja, ela nasceu quando eu comecei a ter alunos meus, laboratório, etc). Isso me permitiu delegar um pouco de trabalho. E eu também tenho colegas e colaboradores fantásticos, que muitas vezes me ajudam a finalizar trabalhos para que possamos publicá-los. Mesmo assim, já deixei de fazer algumas coisas. Como exemplo mais claro, recentemente tinha uma visita a um laboratório na Alemanha, no qual ficaria por 20 dias. Cancelei quando minha filha ficou doente.
Mas sinto uma diferença enorme na minha produtividade em termos de capacidade de trabalho: hoje, preciso ser mais eficiente, pois tenho menos horas para terminar tarefas (e nem sempre consigo). A minha concentração, especialmente quando minha filha está doente ou dormiu mal (e nós também por consequência), é menor do que era antes. Esqueço mais frequentemente de algumas coisas, e também é comum ter que adiar reuniões e pedir mais prazo para cumprir revisões ou enviar artigos. De maneira geral, vejo que sou menos produtivo do que poderia.
ARCO: Quais as dificuldades em aliar a paternidade à pesquisa? Você precisou adaptar sua rotina para realizar ambas tarefas?
Felipe: Sem dúvida. A rotina é completamente outra. As dificuldades em aliar a paternidade à pesquisa são relativas ao tempo de dedicação. A pesquisa é linda, mas é extenuante para que se possa realizar algo realmente bem feito. A paternidade é a melhor coisa do mundo, e esses primeiros anos em especial são fantásticos. Precisamos definir que queremos pais e mães presentes nessa fase em especial. E isso vem com um certo custo de tempo e foco na carreira.
O que eu acho que esquecemos é que um docente pai/mãe é produtivo por ter certas qualidades (criatividade, habilidade em fazer boas perguntas, ser bom orientador, etc), e essas qualidades não são perdidas nos anos iniciais da vida dos filhos. Elas estão apenas em modo stand by, ou slow motion: as pessoas estão dividindo mais o seu tempo, cumprindo as tarefas profissionais, mas dedicando menos tempo extra do que dedicavam antes (e provavelmente do que dedicarão no futuro).
ARCO: Você sente uma pressão da sociedade para administrar as situações da vida acadêmica e da vida pessoal em relação à paternidade?
Felipe: Sinceramente, não. Mas acho que é porque sou pai, e não mãe. A exigência é toda em cima da mãe. Sempre falo que o pai quase não erra: se ele não vai à uma reunião, porque ficou cuidando da filha, é paizão; se vai, é profissional, pois vai mesmo com a filha doente. A mãe, ao contrário, parece que está sob pressão de ser duas: mãe zelosa e profissional competitiva. Se a balança pende para um lado, ela sofre a crítica. É cruel. Nós, os homens, e os pais em especial, precisamos assumir o ônus também. Precisamos mostrar que conosco deve ser igual, que também queremos nos dedicar aos filhos e que vamos estar menos disponíveis profissionalmente. E que se alguém quer criticar uma mãe por essa postura, deve fazer o mesmo com os pais, pois nossa responsabilidade e a nossa vontade é a mesma. Queremos dividir tudo, pessoal e profissionalmente, com quem decidimos ter filhos.
ARCO: Alguém já parou ou diminuiu o investimento em você por saber da jornada dupla?
Felipe: Não sei, mas na verdade não me preocupo. Mas, como disse, acho que ainda se releva mais as faltas dos pais.
ARCO: O que motivou você a fazer parte do Parent in Science?
Felipe: A ideia do grupo é da Fernanda. Considero o grupo como uma novidade em termos de discutir o problema de dentro da academia. O grupo está rapidamente tendo cada vez mais voz, e está começando a motivar mudanças importantes. Nada melhor do que termos profissionais de boas universidades apontando problemas em uma mentalidade que já é arraigada. Se conseguirmos deixar a academia mais cuidadosa com quem tem filhos, que todos possam se dedicar a esse momento único da vida, e pudermos ajudar para que pesquisadoras e pesquisadores retomem suas atividades e potencial produtivo quando os filhos já estão maiores, acho que teremos contribuído muito mais do que com qualquer artigo publicado ou projeto individual executado.
ARCO: Qual a sua atual relação com o Parent in Science? Quais experiências proporciona para você?
Felipe: É engraçado, mas também com o Parent eu sinto que estou sempre devendo pela falta de tempo!
Repórter: Mirella Joels
Ilustração: Deirdre Holanda
Fotografia: Arquivo Pessoal