Pesquisadores da Filosofia da Memória mostram que a viagem no tempo é uma realidade vivida por muitos
A viagem no tempo é um assunto bastante curioso e que já foi tema de diversas produções cinematográficas. Quem lembra de Marty McFly em cima do famoso hoverboard na trilogia “De volta para o futuro”?
Além da viagem temporal ser bastante presente na ficção, ela também pode ser real e é mais possível do que imaginamos. Isso porque, de acordo com pesquisadores do Departamento de Filosofia da UFSM, nós, seres humanos, somos capazes de realizar a chamada “mental time travel” ou, em português, viagem no tempo subjetiva.
O termo é uma postulação de pesquisadores que trabalham com a Filosofia da Memória, como é o caso do professor do Departamento de Filosofia César Schirmer dos Santos e do pesquisador Kourken Michaelian, do Centro de Filosofia da Memória da Université Grenoble Alpes (UGA).
Para César, que também coordena o Laboratório de Filosofia da Memória, a capacidade que temos de projetar cenários desconhecidos, lembrar de acontecimentos antigos e imaginar o futuro é espetacular e, na Filosofia, pode ser considerada um poder. “O nosso cérebro é capaz de nos levar para o passado, mas também para o futuro. Assim, a memória em si pode ser entendida como uma coleção de poderes”, diz.
O jornalista e estudante de Filosofia Vitor Rodrigues faz parte do projeto “Filosofia da Memória: Orientações Temporais e Sistemas Cognitivos”, coordenado pelo professor César, e começou a se interessar pela tema enquanto produzia o Trabalho de Conclusão de Curso para a graduação em Jornalismo. Nele, Vitor buscou conhecer as memórias de Cacequi, cidade natal, a partir de relatos dos moradores. O objetivo foi escrever um livro reportagem.
Além disso, Vitor também conversou com o pesquisador canadense Kourken Michaelian sobre o funcionamento da viagem no tempo. “A estrutura mental das viagens no tempo implica, em última análise, que devemos abandonar a visão tradicional de que há uma diferença fundamental entre memória e imaginação”, explica o pesquisador.
Ou seja, devido à incrível capacidade cerebral dos humanos, somos capazes de lembrar do passado e de imaginar o futuro, de nos projetar em cenários que ainda não conhecemos. Por exemplo, pense nos planos que você realizou para o carnaval e imagine-se no cenário almejado. Esse ato, apesar de simples, fez com que você, de certa forma, viajasse para o futuro.
Aqui, é importante diferenciarmos a memória da lembrança. Para a Filosofia da Memória, a lembrança é materializável. Existe a possibilidade de você viajar e trazer uma “lembrancinha” para dar de presente a alguém especial. Mas a memória não pode ser materializada, ela está relacionada a nossa capacidade cerebral e também à coleção de poderes, de habilidades.
Nossa capacidade de lembrar do passado está fortemente ligada a nossa capacidade de imaginar o futuro, enquanto estamos no presente. E isso está diretamente relacionado à sobrevivência. O professor César explica que a memória faz com que não repitamos erros que ameacem a vida, por exemplo. “O passado de uma pessoa faz com que o presente dela seja melhor, no sentido de lembrar aquilo que te ameaça, que pode ser fatal”, afirma.
Em 2019, o debate sobre mental time travel chamou bastante atenção, já que UFSM foi palco do “Santa Maria–Grenoble Memory Workshop”, evento no qual se reuniram pesquisadores brasileiros da Instituição e também franceses, da UGA. O workshop estreitou os laços e fez com que a parceria com o Centro de Filosofia da Memória, da universidade francesa ficasse ainda mais forte. Além disso, o evento trouxe Kourken Michaelian para discutir a Filosofia da Memória.
Além da viagem subjetiva no tempo ser bastante curiosa, estudar a memória é importante também para a nossa compreensão enquanto seres humanos. “O que a memória diz sobre o que somos?” é um dos questionamento que guiam os estudos sobre Filosofia da Memória.
Mas, para além da memória individual que foi amplamente discutida, os pesquisadores explicam que os estudos e as descobertas sobre a capacidade cerebral de viajar no tempo se aplicam também à memória coletiva e à memória política. Assim, pode-se dizer que o cérebro é uma máquina do tempo, menor que aquelas que vimos em filmes, mas tão potente quanto.
Repórter: Leandra Cruber, jornalista
Editora de produção e Mídia Social: Melissa Konzen, acadêmica de Jornalismo
Ilustradora: Lidiane Castagna, acadêmica de Desenho Industrial
Editor: João Ricardo Gazzaneo, jornalista