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Algoritmo atento: tecnologia direciona informações na web

O espaço digital não tem fronteira geográfica e empresas emplacam outras estratégias de mercado



Sabe quando você quer muito alguma coisa e comenta sobre isso com as pessoas que estão em sua volta? Possivelmente, você tem o hábito de pesquisar o produto ou serviço na web. Logo, deixa a sondagem de lado e segue sua rotina. E aí que, do nada, aparecem anúncios e as ofertas relacionados à sua pesquisa na tela do seu dispositivo. Você pode achar que é mera coincidência e os ignorar, ou fazer como a acadêmica Thaís Cordeiro, do curso de Administração do Instituto Federal Farroupilha de Frederico Westphalen, que se diz intrigada sobre como isso acontece.

Eles estão em todas as partes e nem sempre são percebidos pelos seus usuários. Discretamente, no bolso ou na bolsa, os algoritmos estão “atentos”, auxiliam as pessoas no cotidiano e possibilitam buscas rápidas na internet. Na tentativa de personalizar a experiência do usuário, alguns algoritmos são desenvolvidos, especificamente, para recomendação de produtos e serviços. Baseada em algoritmos de filtragem, esta recomendação utiliza os dados das visitas, pesquisas e compras realizadas pelos usuários. Basicamente, são dois tipos de filtragens: a que considera os atributos e características do produto – filtro de conteúdo dos produtos; e a que julga o perfil de pessoas com hábitos de compras semelhantes – filtro colaborativo.

Cliente de lojas virtuais desde 2016, Thaís lembra que 2017 foi o ano em que mais comprou – em média, um produto por mês. Ela diz não se sentir influenciada pelos anúncios, porque “são sempre de sites que já visitei e sei qual é o produto e o valor que eles oferecem”, justifica. O professor Sidnei Silveira, do Departamento de Tecnologia de Informação da UFSM Frederico Westphalen, explica que os anúncios são resultados do armazenamento de informações em uma base de dados sobre os itens pesquisados ou comprados pela universitária, e a regra serve para qualquer usuário. “Os algoritmos são códigos escritos em uma linguagem de programação que leem estes dados, e a partir deles, geram recomendações aos usuários”, esclarece o professor.

A partir dessas filtragens, são traçados perfis que permitem o direcionamento de determinados anúncios para usuários específicos. Funciona mais ou menos assim: quem comprou este produto também comprou…, os mais vistos, os mais vendidos, quem viu este produto também pesquisou por… e, possivelmente, Thaís esteve dentro de um deles. “Em fevereiro, comprei um tênis na Netshoes [loja virtual], e até hoje recebo anúncios do mesmo tênis, com cor ou algum detalhe diferentes”, comenta. Durante semanas, ela recebeu anúncios da Loja Magazine Luiza porque pesquisou um aquecedor, mas desistiu de comprar. Atualmente, recebe anúncios, do Booking, do Decolar e do Trivago, de pousadas e hotéis na Jamaica.

Como muitos outros internautas, a estudante ainda não sabe, mas há como amenizar essa enxurrada de anúncios. Algumas iniciativas são relatadas pelo professor Sidnei. “O usuário pode manter o GPS do celular desligado, não fazer check-in em redes de lojas e empresas [para ter acesso ao wi-fi] e revisar suas configurações de privacidade nas redes sociais”, aconselha o professor. Com relação às redes sociais, outra opção é ocultar o anúncio indesejado e solicitar que não sejam mais visualizados ações daquela mesma empresa.

No digital, o usuário é consumidor e mercadoria

Na web, ações de marketing e publicidade acontecem em volumes cada vez maiores, e junto disso, cresce o número de pessoas que são afetadas pelo processo. De um lado, usuários não têm noção de como anúncios chegam até eles e, do outro, falta transparência por parte das empresas e corporações responsáveis por essas estratégias de mercado. Com pesquisas na área da comunicação e informação, publicidade, propaganda e marketing, a antropóloga social Sandra Rubia, professora do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM, aponta o advento da internet e o desenvolvimento dos algoritmos como potencializadores do marketing e da publicidade.

Ela exemplifica o Google e o Facebook como corporações que dominam a internet. Além do mais, afirma ser praticamente impossível a independência de outras empresas na otimização de suas ações de marketing – ou seja, recorrem sempre aos dois grupos. No grupo A estão o Facebook, o WhatsApp e o Instagram como redes sociais que monopolizam a atenção dos brasileiros. No grupo B, encontram-se o Google, o YouTube e o Gmail. “Eles [os dois grandes grupos] monopolizam grande quantidade da nossa atenção e dos nossos olhares todos dias, e isso acontece pelos dispositivos móveis que nos acompanham e estão, continuamente, próximos dos nossos corpos. Não só capturam os nossos dados digitados, mas também os dados nomeados, enunciados e falados”, alerta.

Não importa o tamanho da empresa, todas podem comprar esses perfis de usuários, e não só diretamente do Google, por meio da AdSense antigo Google AdWords. Inúmeras empresas de informáticas vendem plataformas que, baseadas em Big data e data science, como Keep.i, Stilingue, Tail Target e Similar Web, trabalham no desenvolvimento de métodos e tecnologias de organização dessas informações, transformando-as em inspirações, portanto, em inteligência de mercado. Sandra explica que “ao mesmo tempo que fornecemos essas informações através de tudo que digitamos, curtimos, comentamos, compartilhamos e pesquisamos, as empresas capturam também nossos dados de diversas maneiras que não ficam claras”.

A partir do momento que se faz uma busca ativa em um site, mecanismos informacionais fazem com que sejam deixados “rastros digitais”, por sua vez, capturados por meio de técnicas de informática sofisticadas, como cookies que armazenam essas informações. No seu livro Discurso Digital, lançado em 2018, a professora da Unicamp, Cristiane Dias nomeia esses cookies de “pequenos robôs infiltrados” e alerta que eles “também trabalham disfarçados, como os divertidos testes”, aqueles quizzes da internet, por exemplo.

O que é digitado vira informação a respeito dos gostos, das preferências, dos locais e até das emoções. “É um enorme banco de dados a respeito das nossas variadas informações, vendido na forma de perfis de consumidores que valem muito dinheiro”, complementa Sandra. Dito de outro modo, cabe ao usuário duas forças – a de compra e a de ser vendido. Esta última não sendo propriamente a pessoa, mas suas informações. “Ele [o usuário] consome, mas ele vira um produto na medida que se torna um perfil de consumidor específico, portanto, vendável”, pondera a professora.

Terceirização das informações do usuário

Quando o usuário busca um aplicativo para sua conveniência, para praticidade do seu dia-a-dia, a primeira coisa que o aplicativo solicita é o acesso aos dados do aparelho, como imagens, áudio e, se não concordar, a ferramenta não funciona. Então, qual é a escolha que o consumidor tem? “Não é uma escolha, é um direcionamento”, afirma Sandra. Segundo a professora, deveria existir mais regulamentação. Em tempos de informações sem fronteiras geográficas, os Estados Unidos vivem processo semelhante ao do Brasil, enquanto que países da União Europeia têm implementado outras regulamentações, instruindo que os consumidores devem revisar as autorizações que já deram.

Ainda com relação às condições de aplicativos, existe a política de privacidade. Todavia, a professora explica que, ao mesmo tempo, costuma ter uma cláusula nas políticas de privacidades que diz que seus termos de condições podem mudar a qualquer momento. “E, na verdade, mesmo que você leia, a pergunta que fica é: se você não concordar, que opção você tem? Quais são as alternativas diante dessas formas monopolistas do processo de comunicação que se estabeleceram? Parece um pouco difícil de apontar saídas”, lamenta. O professor Sidnei reforça que nenhuma tecnologia é neutra e nos ajuda a fazer coisas que não eram possíveis anteriormente. “Ela interfere diretamente na nossa vida em sociedade, na nossa cultura. Estamos cada vez mais dependentes da tecnologia e, em especial, das Tecnologias da Informação e da Comunicação”, observou.

Considerado o pai da inteligência artificial, o cientista cognitivo norte-americano Marvin Lee Minsky (1927-2016) mostrou-se preocupado acerca do processo de interferência dos algoritmos, de como as corporações os utiliza nas relações sociais. Uma preocupação tomada também pela Ph.D em Matemática, formada em Harvard University, Carthy O’Neil. Ela se aventurou nesse estudo e publicou, em 2016, o livro Weapons of Math Destruction (2016), que leva tradução livre para “Armas de destruição matemática”, uma analogia a “Armas de destruição em massa”. Outro estudo que apresenta reflexões pertinentes acerca do espaço digital é a obra Análise do Discurso Digital: sujeito, espaço, memória e arquivo, da professora Cristiane Dias, da Unicamp.

 

Reportagem: Antônio Inácio de Paula, acadêmico de Jornalismo

Ilustração: Lidiane Castagna, acadêmica de Desenho Industrial

Edição: Maurício Dias, jornalista

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