Nove em cada dez mulheres e quase oito em cada dez homens afirmam já ter sofrido algum tipo de assédio, sexual ou moral. É o que comprova a pesquisa Hostilidade, silêncio e omissão: o retrato do assédio no mercado de comunicação de São Paulo, realizada pelo Grupo de Planejamento (GP), de São Paulo – entidade sem fins lucrativos que capacita planejadores e estrategistas – em parceria com o Instituto QualiBest.
A pesquisa, composta por questões objetivas e descritivas, foi disponibilizada na internet e contabilizou 1400 respondentes, sendo 68% mulheres e 32% homens, da faixa etária de 33 anos. Os questionários ficaram disponíveis de 10 a 30 de outubro de 2017 a profissionais da comunicação de São Paulo capital e região metropolitana.
Lara Thomazini, formada com Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia e voluntária do GP, participará do Fórum de Direitos Humanos da UFSM, amanhã (06). Confira a entrevista que a nossa equipe fez com a pesquisadora:
ARCO: Para ti, como foi visualizar os resultados obtidos a partir da pesquisa?
Lara: Eu sabia que os números seriam altos, não imaginava que seriam tão altos. Foi um choque, mas ao mesmo tempo percebi que nós tínhamos uma ferramenta importante em mãos para poder gerar pauta, pressão e mudanças.
ARCO: Pelos resultados, percebe-se grande envolvimento das lideranças e chefias nos casos de assédio. Qual é a expressividade disso?
Lara: Alta. Cerca de 1/3 das pessoas que sofreram assédio moral foram assediadas por um presidente ou sócio, incluindo 22% dos assistentes/estagiários. Igualmente, 1/3 das mulheres assediadas sexualmente foram assediadas por um presidente ou sócio. É importante ressaltar que presidentes ou sócios representam uma minoria numérica, então os números são realmente significativos.
ARCO: Diante de um caso de assédio, a denúncia aos setores e órgãos responsáveis, por parte dos profissionais de comunicação, é recorrente? E as providências cabíveis são tomadas?
Lara: Não. As pessoas têm medo de denunciar, as denúncias não são investigadas, há riscos de represália, e por isso há pouca providência sendo tomada. No último ano muitas agências se estruturaram melhor para receber denúncias de maneira mais empática e efetiva, mas não temos como saber o quanto mudou.
ARCO: Qual a relação entre qualquer tipo de assédio e os Direitos Humanos?
Lara: Existem dois pontos importantes. O primeiro é que assédio é um obstáculo para a diversidade. Assédio se mistura com racismo, homofobia, machismo, elitismo e outros ismos perigosos, e acaba criando um ambiente de trabalho significativamente mais difícil para grupos minorizados. Isto exclui estes grupos de tomadas de decisões, decisões estas que constroem cultura e retroalimentam um ciclo. O segundo é que assédio se refere a relações de trabalho. É ganha pão, subsistência, sobrevivência. Isto deixa as pessoas fragilizadas na relação, porque as represálias podem significar desemprego.
ARCO: De que maneira a qualidade das relações humanas (ou a falta dela) no ambiente de trabalho podem interferir no desempenho e na saúde mental do profissional?
Lara: Completamente. O assédio moral é um fator de adoecimento, e se discute a possibilidade de incluí-lo no código penal. Na nossa pesquisa há inclusive casos de tentativa de suicídio decorrentes do assédio moral.
ARCO: Em sua visão, que medidas são necessárias diante do cenário alarmante de casos de assédio nos ambientes de trabalho? A quem cabe?
Lara: Além de o poder público funcionar (ele já tem os mecanismos, só precisa efetivá-lo melhor), é responsabilidade das empresas criarem ambientes saudáveis de trabalho. Isto inclui tolerância zero [a casos de assédio], códigos de conduta bem desenhados e relevantes, espaços de denúncia que acolham e priorizem o atendimento à vítima e discussões e debates frequentes sobre o assunto.
ARCO: Qual a relevância de debater sobre os Direitos Humanos em um ambiente acadêmico?
Lara: Acho fundamental por dois motivos: de um lado, a oportunidade de falar com futuros profissionais, que vão ingressar no ambiente de trabalho e participar de sua cultura. Do outro, o espaço acadêmico é importante espaço de pesquisa e debate para a criação de novos estudos, pesquisas, abordagens e direcionamentos sobre os diferentes temas. Direitos Humanos é hoje um tema de resistência no Brasil, o que não faz o menor sentido. É fundamental que a academia seja co-responsável por enquadrar a narrativa sobre o assunto, demonstrar as aplicações práticas e fomentar uma conversa séria e não populista sobre o tema.
Reportagem: Andressa Motter, acadêmica de Jornalismo
Edição: Tainara Liesenfeld, acadêmica de Jornalismo
Ilustração: Divulgação – I Fórum de Direitos Humanos
Infografia: Pesquisa sobre assédio: Report, 2017