Em 2016, ao perceber que havia poucas representantes femininas participando de olimpíadas científicas, a professora Nara Bigolin, do curso de Sistemas de Informação da UFSM do Campus de Frederico Westphalen, criou um projeto para incentivar mais meninas a participarem dessas competições. “Em um treinamento para Olimpíadas Internacionais de Matemática oferecido pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) em São Paulo, por exemplo, de 25 alunos selecionados, somente uma foi menina”, comenta a professora. No mesmo ano, a delegação de premiados do Rio Grande do Sul nas Olimpíadas de Química era de 10 estudantes e, novamente, apenas uma era do gênero feminino. Por causa disso, a docente da UFSM/FW decidiu mapear todas as edições de Olimpíadas. Com base em sua análise das edições das provas, a pesquisadora verificou que o público feminino é sempre minoritário. “Desse contexto, nasceu o projeto Meninas Olímpicas. O projeto foi criado com o objetivo de incentivar o protagonismo feminino em ambientes olímpicos, buscando o empoderamento de meninas por meio da participação em olimpíadas científicas”, explica Nara.
A professora é graduada em Computação (PUC/RS), mestre (UFRGS) e doutora (Université de Paris VI) na mesma área. Ela é docente, também em computação, há 25 anos, com experiência em Instituições de Ensino Superior, no Brasil e na França. Nara atua nas áreas de inteligência artificial e desigualdade de gênero nas ciências exatas. “Em 1988, quando comecei minha graduação em Computação, de uma turma de 60 alunos, tinham apenas seis mulheres, ou seja, apenas 10%. Esse percentual se repete em relação às mulheres eleitas presidentes de grandes empresas, pesquisadoras de grandes institutos, chefes do Judiciário e Ministério Público, além de cargos de embaixadoras”, argumenta a pesquisadora.
A docente foi laureada com o prêmio Mulher Cidadã RS 2018, na modalidade Educação, sendo esta condecoração dada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Além disso, ela será admitida na Ordem Nacional do Mérito Cientifico e receberá a Medalha no próximo 13 de dezembro, em Brasília, com a presença do Presidente da República e vários ministros. A honraria existe desde 1955 e tem por finalidade agraciar personalidades, nacionais ou estrangeiras, que tenham contribuído de maneira excepcional para o desenvolvimento da educação. Nara também foi finalista do prêmio Educação 2019, realizado em outubro deste ano, que é promovido pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul. “Receber estes prêmios significa que o nosso trabalho com o Projeto Meninas Olímpicas é importante para mulheres, pois faz parte da formação de cada menina. Queremos dar escolhas para as mulheres. Primeiro instrução, conhecimento, empoderamento e daí escolhas. É na sutileza do cotidiano que a discriminação acontece, culturalmente imposta e inconscientemente reproduzida, e é esse preconceito que o projeto está quebrando”, defende a pesquisadora.
A pequena participação feminina em lugares prestigiados na ciência, de acordo com Nara, pode ser atribuída à maternidade. Cinquenta e nove por cento das bolsas de iniciação científica financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq), por exemplo, pertencem a mulheres. Das bolsas 1A – consideradas as mais prestigiadas pelos pesquisadores – apenas 24,6% destas são direcionadas ao público feminino. Os números pouco empolgam quando o assunto é a Academia Brasileira de Ciências, um dos órgãos mais respeitados do país, no qual apenas 14% das cadeiras são ocupadas por mulheres. “O efeito funil que acontece nas olimpíadas científicas se dá na Ciência. É por isso que acreditamos na importância do projeto Meninas Olímpicas, que poderá repercutir na participação das mulheres na Ciência”, enfatiza a docente.
Percentual de meninas medalhistas de ouro nas principais olimpíadas do Brasil
De geração em geração
Mariana e Natália Bigolin Groff, ambas filhas da professora Nara, são detentoras de mais de 50 medalhas em olimpíadas científicas de Matemática, Física, Química, Informática, Astronomia e Linguística. A professora descobriu o evento no ano de 2015, quando sua filha mais velha foi medalhista de ouro nas Olimpíadas Brasileiras de Matemática. “Foi um universo completamente novo. Em 2017, meu trabalho com olimpíadas se intensificou. Acabei me envolvendo de todas as formas, ajudando as meninas nos estudos, sendo treinadora em semanas olímpicas, sendo aplicadora de provas, negociando com coordenadores de olimpíadas para a criação de prêmios especiais para as meninas. Houve momentos incríveis, principalmente nas cerimônias de premiações que Natália e Mariana foram premiadas”, comenta.
Estrutura
O projeto tem como maior canal de divulgação uma página no Facebook, por meio da qual é possível ter acesso a toda comunidade das Meninas Olímpicas, com relatos e divulgação dos seus resultados. Além disso, há o treinamento de estudantes, incentivado, inclusive, nacionalmente. Com essa preparação, alunas se reúnem aos finais de semana para terem aulas gratuitas. Durante quatro horas de estudo, elas se debruçam em desafios de lógica.
A proposta é voltada para as alunas dos ensinos fundamental e médio, independentemente da rede de ensino, seja ela pública ou privada. As aulas são ministradas por voluntárias que preparam os grupos para participarem de olimpíadas educacionais regionais, nacionais e internacionais. Outra ação diz respeito à criação de premiações especiais para meninas junto às coordenações de olimpíadas nacionais. A intenção é abrir debates sobre a minoria feminina, homenageando aquelas que fazem parte dos eventos. “Muitas olimpíadas estaduais, nacionais e internacionais já criaram premiações especiais e muitas outras irão criar este ano. Inclusive, fomos homenageadas na última IMO (em português, “Olimpíada Internacional de Matemática”), na Romênia, por inspirar a criação do Troféu Meninas Olímpicas”.
Anualmente, o projeto, junto à Assembleia Legislativa (ALRS), presta homenagens a todas as estudantes medalhistas de ouro. No Rio Grande do Sul, em 2013, eram quatro alunas medalhistas de ouro da OBMEP, já em 2015 foram nove meninas, enquanto em 2017 foram 15 premiadas. “Nacionalmente, a OBMEP teve uma reação em 2016 e acreditamos que em 2018 os números irão aumentar. Precisamos promover mais homenagens em todo o país. Junto aos coordenadores das olimpíadas internacionais, temos discutido a possibilidade de equipes mistas. As olimpíadas internacionais de Astronomia já adotaram as equipes brasileiras mistas. O presidente da IMO está analisando as possibilidades”, conta. Este ano, a homenagem acontecerá dia 12 de dezembro na ALRS, onde serão homenageadas 34 meninas que conquistaram medalhas de Ouro em Olimpíadas de Exatas em 2017.
Como participar?
Em 2018, no Brasil, 10 Meninas Olímpicas participaram de provas internacionais, o que nunca havia acontecido antes. Só no Rio Grande do Sul, há 33 medalhistas de ouro. Qualquer estudante que deseja participar da iniciativa da professora da UFSM/FW, Nara Bigolin, pode entrar em contato, por meio da fanpage.
Reportagem: Guilherme de Vargas, acadêmico de Jornalismo
Edição: Luciane Treulieb, jornalista
Ilustrações: Noam Wurzel, acadêmico de Desenho Industrial