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“Vou pra longe mas eu sempre volto”

Composição realizada na oficina de criação musical de Kleiton e Kledir homenageia Santa Maria



A tarde de outono tinha uma missão: desvendar como era possível 129 pessoas comporem música. A mesma música. Em uma única tarde! Logo na chegada foi possível perceber que muitos dos oficineiros se conheciam. Alguns até já trabalhavam juntos na música, como os meninos da banda Guantánamo Groove. Outros denotavam apenas amizade, e um gosto em comum pela música. Havia gente premiada e reconhecida no universo da música, como o Pirisca Greco. E nenhum constrangimento para ladear com a pequena Ana Clara, de apenas 11 anos – tiara no cabelo, tênis com luzinhas e que me surpreendeu logo ao revelar que não tocava nada: “Já participei de coral, mas gosto mesmo de compor”, disse a comunicativa menina.

 

                                 

 

A heterogeneidade desse grupo de pessoas retoma a questão: será mesmo que iríamos conseguir conciliar tanta diversidade? Será que daria tempo para criar algo em conjunto em tão pouco tempo? Tarefa para os músicos Kleiton e Kledir, veteranos da família Ramil e autores de diversos sucessos da música, emplacados no âmbito regional e nacional. Contavam com a habilidade e auxílio do também músico e produtor Dudu Trentin, encarregado dos teclados, da coordenação da gravação e dos arranjos na etapa santamariense do projeto “Letra e Música”. Depois de uma primeira edição em 2015, que alcançou mais de 600 oficineiros em universidades de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo, o projeto ganha novas etapas em 2017 e, além de Santa Maria (UFSM) passa por Passo Fundo (UPF) e Caxias do Sul (UCS).

 

A fila que se formou na entrada do Teatro Caixa Preta para o registro dos oficineiros denunciava que tínhamos uma presença significativa de músicos. Muitos carregavam seus violões em capas pretas. Ainda dava para perceber instrumentos de sopro, um tambor esquisito e um violino. Um pandeiro circulou por ali e arrancava algumas risadas dos menos íntimos com o instrumento. Não me arrisquei com ele. Mas o que todos carregavam com certeza era a animação, talvez pela oportunidade ímpar de aprender com os reconhecidos músicos e, ainda, conhecer gente nova com um gosto em comum pela música.

 

Iniciada a oficina, vivemos os aspectos principais da teoria musical. A composição deveria passar primeiro por um processo inverso, a decomposição da música em quatro elementos fundamentais: Ritmo, Melodia, Harmonia e Letra. Vimos exemplos de canções que se notabilizaram por aspectos interessantes em cada um desses componentes. Aprendemos com os “erros” propositais que os maiores gênios da música nos presentearam em seus repertórios para saber que toda regra pode, e, às vezes, fica até mais interessante, se afrontada. Entretanto, conhecer e dominar essas regras facilita todo o trabalho.

 

A música propõe sempre um ciclo aos sentidos: alterna momentos de tensão, com seus acordes dominantes e subdominantes, com os momentos de tranquilidade (ou repouso) dos acordes tônicos. Conhecendo estes aspectos, o processo fica mais técnico e descobrimos que criar música não é nenhum bicho-papão… nem “vampiro, lobisomem ou saci-pererê”!

 

Música é matemática transformada, pela inspiração e pelo trabalho, em poesia e sensações. Aliás, para o produtor Dudu Trentin, o segredo da inspiração é trabalhar duro. “Quando a inspiração chegar, ela vai me pegar trabalhando!”, disse o inquieto tecladista nas poucas vezes que utilizou o microfone para conversar com os participantes.

 

Com tudo isso posto, era hora de colocar as mãos à obra. Escolhido um ritmo, Kleiton iniciou a construção de uma harmonia, com um grande grupo de tocadores de violão e outros instrumentos harmônicos. Com seus característicos óculos de aros redondos, o músico sugeriu um primeiro acorde. Alguém propôs um próximo, e assim por diante, testando possibilidades. Rejeitamos algumas, incorporamos outras até termos uma estrutura musical. Gravamos esta base. Com as partes da música montadas, partimos para a criação de uma melodia, que era, inicialmente, cantarolada ou tocada por algum instrumento melódico, como flauta e violino.

 

Já era possível perceber algumas sensações que a melodia nos passava e, com isto em mente, a galera das letras partiu rabiscar versos, frases, termos e expressões que lhes aproximava do que sentiam ao ouvir aquela sucessão de acordes. Com uma caneta frenética, um compenetrado Kledir organizou este trabalho, reunindo as ideias, os pontos comuns, as sacadas individuais e as rimas. Após um tempo, tínhamos uma letra. Kledir coordenou esta etapa sem nunca desgrudar dos oficineiros e do seu chimarrão.

 

Faltava finalizar tudo isso na gravação. No dia seguinte, a nova música seria apresentada para um público de verdade, que esgotou os 600 ingressos para o show da dupla no Auditório do Colégio Santa Maria. Cerca de 30 oficineiros subiram ao palco para formar um coral e executar sua obra com os músicos. “Cidade Coração” retrata o sentimento das pessoas que vivem em Santa Maria. Também conta sobre aqueles que acabam sempre por retornar, ainda que em sonhos ou trazidos por um sopro de Vento Norte. Para aqueles que participaram dessa criação coletiva, a experiência de compor foi, sem dúvida, um espetáculo!

 

 

Repórter: Rafael Happke
Video e fotografia: Rafael Happke

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