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“O jornalismo acende o farol da vida pública”

O pesquisador Francisco Karam discute o papel do jornalista na produção de notícias nas sociedades democráticas



 

O professor Francisco Karam é nome conhecido nas salas de aula de Jornalismo. Professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sua trajetória de pesquisa destaca o interesse pela ética como tema central de debates sobre a profissão jornalística. Karam colaborou na criação do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC – o primeiro do país dedicado especificamente ao tema – e é autor de obras importantes, como “Jornalismo, Ética e Liberdade” (Editora Summus, 2014) e “A ética jornalística e o interesse público” (Summus, 2004), entre outros.

 

Neste dia do Jornalista, decidimos colocar nossa profissão em debate na Arco. A produção da nossa revista é resultado do trabalho de profissionais e estudantes de Jornalismo – além de outras áreas de formação – que se dedicam a produzir jornalismo sobre ciência e cultura. Enquanto fazemos a Arco estamos aprendendo e ensinando. Estamos criando alternativas e soluções. Mas sempre também nos debatemos com as questões centrais da ética profissional. O Jornalismo tem um papel social relevante, e a lembrança desta data serve para que possamos discutir também a importância de melhorar como profissionais. E o quanto a ética profissional precisa ser um valor sempre de novo destacado.

 

 

 

Francisco Karam é professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina e dedica seus estudos à compreensão da ética jornalística.

 

 

Nesta entrevista, Karam reflete sobre o papel do jornalista e suas responsabilidades frente aos cenários sociais que vivemos. Ele nos ajuda pensar também o futuro da profissão. Confira o papo exclusivo que tivemos com ele:

 

O que é o jornalismo e qual o grande papel do jornalista?

A proposta do jornalismo é estabelecer uma possibilidade de as pessoas conhecerem o que está acontecendo, saber em que isso afeta a vida delas e tentar fazer uma crítica diária da sociedade, para que ela melhore. O jornalismo desenvolveu uma técnica para fazer isso, por meio do seu principal foco, o jornalismo informativo. Ou seja, ouvir pessoas de diferentes áreas do conhecimento, diferentes fontes, para que elas consigam interpretar e dar suas versões sobre os fatos que seriam mais relevantes no dia-a-dia da vida das pessoas – das cidades, do trânsito, da política, da economia, da cultura, do esporte. [Assim seria possível] criar uma espécie de espaço público, em que as pessoas possam coletivamente ter acesso e relacionar isso a sua vida e poder escolher livremente.

 

Nesse sentido, o jornalismo acenderia o farol imediato da vida pública. Ele tem técnicas para isso, tem gêneros para isso (reportagem, notícia, comentário, crônica), tem ética (veracidade, respeito às fontes, ao interesse público), tem uma estética (ele faz e opera por sínteses). Ele não é o mesmo conhecimento da sociologia, da filosofia, mas, por meio do jornalismo, a sociologia, a filosofia, a antropologia aparecem, ouvindo pessoas, interpretando o que está acontecendo. E ele faz isso em períodos cada vez mais curtos, numa escala planetária, mas sempre em períodos que hoje não são mais nem um dia, nem uma semana, é a cada minuto. Essa é a proposta vinculada ao Iluminismo, do esclarecimento público.

 

Ele estaria intensamente ligado à ideia de democracia.

Isso, ele estimula a vitalidade democrática. No entanto, ele também é um negócio. E, como negócio, tem uma série de interesses políticos e econômicos vinculados a anunciantes, a acionistas, e ele vive essa tensão permanente.

 

Qual o senhor diria ser o principal problema do jornalismo brasileiro atualmente?

Até por um critério de sobrevivência, as empresas se associaram a outros ramos de produção não-jornalísticos, nem da comunicação. Então, elas vivem cada vez mais de acionistas (dos quais, obviamente, elas são sócias), que estão no ramo de bancos, de empresas agropecuárias, empresas aéreas, produtoras de armamento. Com isso, os anunciantes e os acionistas acabam gerando uma agenda preferencial temática ao redor da qual circulam os profissionais, que muitas vezes não têm autonomia para fazer isso valer. Acontece que, agora, o campo dos negócios está se sobrepondo de forma demasiada aos conteúdos de interesse social e coletivo gerais da sociedade. O interesse público apenas está representando hoje, majoritariamente, o interesse particular de empresas jornalísticas, dos donos, dos acionistas e anunciantes e não do conjunto da sociedade. Só que os jornalistas e comentaristas falam como se isso fosse interesse geral da sociedade. Com isso, entram alguns fatos, não entram outros; algumas fontes são chamadas e não outras. Isso me parece um problema muito grave e o principal problema do jornalismo.

 

A partir da ética, como o jornalista poderia contornar esses constrangimentos da rotina jornalística?

Ele até pode [contornar esses desafios] pela insistência e por outras brechas, como os concorrentes, fazer prosperar algumas pautas. Ele pode, pessoalmente, brigar por isso. Mas, majoritariamente, ele não consegue ter autonomia sobre o processo. Então, é importante que hajam outras vertentes jornalísticas, outros meios, ou meios alternativos, ou outros meios concorrentes, ou meios públicos, capazes de estabelecer, por meio de outra narrativa, certo equilíbrio para o entendimento da vida social. Inclusive, tendo audiência para isso.

 

Quais seriam as suas perspectivas para o futuro da profissão, tendo em vista o atual contexto político e as novas mídias que estão surgindo?

Eu acho que tem várias coisas. Um: depois da queda do diploma, por meio do relatório do Gilmar Mendes, que o supremo por 10 a 1 derrubou, muita gente não tem uma formação e isso é um problema. Eu acho que tem que ter uma formação e um documento que ateste que a pessoa está formada por meio de um Centro. Que durante 4 anos ela estudou isso, para entrar no mercado. Acho que esse é um critério bom. Não para ter coluna assinada. Mas para fazer jornalismo, reportagem, matéria. Dois: com as redes sociais também tem muita gente se considerando jornalista ou passando informações (verdadeiras ou falsas), mas sem os critérios históricos éticos, estéticos e técnicos da profissão. Então, tem que diferenciar ali. E três: sobre tudo isso, para sobreviver da profissão, tem que ter um financiamento; ou as pessoas são ricas, e se financiam a si mesmas. E a sociedade em que se vive é a sociedade em que se paga as coisas; se paga o aluguel, se paga a comida. Tem que ter um financiamento para que as pessoas consigam viver da sua atividade, sejam meios tradicionais ou meios alternativos, com apoio de grupos ou do próprio Estado para viabilizar a vida da democracia. E o jornalismo, sendo integrante da democracia, dando vitalidade a ela, deveria ser apoiado por essas iniciativas também. Eu vejo essas saídas. Mas vejo também muita gente em um mercado capitalista que exclui muitos profissionais, com muito desemprego, e isso tem que estar relacionado a um projeto de nação, a um projeto de melhoria geral da sociedade, capaz de incluir jornalistas.

 

Tinha que ter um programa como o Mais Jornalistas [numa alusão ao programa Mais Médicos, do Governo Federal] para profissionais brasileiros, ou para desenvolver o jornalismo em determinadas áreas em que há poucos jornalistas. Tem que ter mais estímulo a isso. Como há para a medicina, como há para o direito, como há para a economia. A profissionalização das folhas eu acho bom. A profissionalização das assessorias, a profissionalização dos meios públicos, como TVs, rádios e plataformas digitais, no Senado, na Câmara, nas Secretarias, nos Ministérios, nas Prefeituras. Isso tudo, inclusive com salários melhores, aumentou bastante. Mas tem que saber escrever, tem que apurar, tem que ter um tempo de vida para isso, não dá para um médico ser médico de manhã e de tarde ser jornalista. Não vai ser jornalismo. É preciso ter uma dedicação maior a isso. É o seu tempo de vida. Professar a atividade; profissão. E aí receber uma remuneração correspondente a isso. Mas acho que está dentro de um campo de projeto de nação maior, onde entram as profissões. Isso também me parece que recebeu um golpe. Eu acho que o debate entre a categoria a gente consegue fazer na academia. A questão é como passar a visibilidade da mídia e esse debate para a sociedade que não tem a mínima ideia de como é o funcionamento do processo. Porque ela está preocupada com a sua vida. O motorista de ônibus está agora ali, ele vê o que está ali, ele vê o resultado final de um processo, que é a narrativa. Mas ele não sabe da luta que houve, do processo de edição, das fontes, do trabalho, e às vezes confunde o profissional com o dono. Ele quer dar no dono, mas o dono não está, ele dá no jornalista. O dono nunca vai aparecer. Tal como a narrativa é o final de um processo de apuração construída, o jornalista é o início de um processo que está lá na frente, e acaba vítima. É um processo meio complexo, por isso o jornalista tinha que ganhar mais.

Reportagem: Matheus Santi
Fotografia: Acervo Pessoal

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