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Educar para a Comunicação

Ações nas escolas visam a apropriação crítica da Comunicação como forma de ensino cidadão



A Educomunicação é entendida como a aproximação entre os campos da Educação e da Comunicação. A proposta desta abordagem não se limita, entretanto, a utilização das tecnologias de Comunicação nas práticas de sala de aula. Ao contrário, o que pretendem os adeptos dessa linha de atuação é a problematização da Comunicação e de seus aparatos técnicos, de modo que os alunos possam se apropriar criticamente dessas técnicas conforme as suas necessidades.

 

“A Educomunicação se caracteriza como uma via à constituição e conquista de saberes seja pela construção de uma visão crítica sobre as características midiáticas contemporâneas, seja pela aproximação e apropriação destas características para o aprimoramento e enriquecimento das práticas educativas”, explica Livia Saggin, jornalista e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

 

Ela desenvolveu seu projeto de pesquisa junto com os jovens da Vila Diehl, na periferia de Novo Hamburgo. Ao aplicar práticas educomunicativas, a pesquisadora propôs discussões sobre os usos das mídias digitais pelos jovens. Eles produziram juntos o blog “Semeando Ideia”. Em entrevista para a Arco, Livia falou um pouco sobre as origens das práticas educomunicativas na América Latina e no Brasil, tendo em comum as lutas contra a pobreza e subdesenvolvimento. A pesquisadora defende que os princípios educomunicativos estejam presentes nos currículos do ensino básico. Confira:

 

Como foi o desenvolvimento das ações de Educomunicação na América Latina?

A América Latina tem uma vasta história de ações dentro do campo da Educomunicação. É importante ressaltar que estas ações foram por muito tempo nomeadas e pensadas como “comunicação para educação”, ou ainda “comunicação educativa” e outras definições semelhantes. Apesar de terem recebido mais recentemente a definição do termo “Educomunicação”, os pressupostos destas experiências iniciadas ainda no século XIX são considerados também como educomunicativos.

 

A história do desenvolvimento de ações no campo da Educomunicação no nosso continente se alimenta da própria trajetória latino-americana de lutas e resistências contra o subdesenvolvimento, a pobreza, os regimes totalitários de opressão política e social que assolaram vários países, principalmente a partir dos anos 1940. Nesse sentido, o papel das organizações comunitárias é essencial dentro da formação de experiências pioneiras no campo da Educomunicação. Sem acesso à educação e incomunicáveis entre si, distintas comunidades iniciaram processos de apropriação sobre tecnologias comunicacionais das quais dispunham, sobretudo o rádio – cujo custeio e manuseabilidade eram os mais acessíveis à época. Pelo rádio, iniciaram-se processos de alfabetização, de comunicação entre comunidades, de trocas de informações importantes para suas realidades específicas. Esses processos contaram, além da organização da sociedade civil, com o apoio de organizações, como a própria Igreja.

 

Com o passar do tempo e com o desenvolvimento de novas tecnologias comunicacionais, como a televisão, e recentemente a internet, algumas destas atividades ganharam dimensões mais amplas, passando a utilizar estas tecnologias nos seus processos de Educomunicação. De todo o modo, o rádio continuou sendo o grande expoente da Educomunicação no continente, a partir de suas características mais elementares: falar para um público sem acesso aos processos de educação formal, em processo de alfabetização, e cujas características socioculturais e econômicas não permitiam o acesso à outras formas de comunicação (neste caso, à televisão).

 

O contexto contemporâneo da Educomunicação na América Latina apresenta experiências amplas, nas quais diferentes meios de comunicação são utilizados. Independente de qual formato comunicacional é utilizado dentro das práticas educomunicativas, percebe-se no panorama atual um amadurecimento do campo, de modo que se tem dado mais ênfase à problematização e ao resgate dos pressupostos da comunicação – a horizontalidade, a dialogicidade e a democratização, combinadas às características locais de cada contexto, no qual se alocam processos da Educomunicação.

 

E qual é o panorama da Educomunicação no Brasil?

A história brasileira de trabalho em Educomunicação se aproxima muito da experienciada nos demais países latino-americanos. Foi a partir do rádio que uma grande parcela da população teve acesso à alfabetização, sobretudo pelo Movimento Educação de Base (MEB), em meados dos anos 1960, e que era encabeçado por Paulo Freire. Com o golpe civil militar, as experiências do MEB foram interrompidas. Entretanto, mesmo para um governo repressor, as características educacionais avistadas no povo brasileiro demonstravam que para conquistar os ideais desenvolvimentistas de “ordem e progresso”, seria necessário o desenvolvimento de ações que permitissem a alfabetização e a formação de mão de obra qualificada. Neste bojo, algumas atividades de cunho educomunicacional foram retomadas. Não tiveram sucesso, no entanto, por não se aproximaram das realidades socioculturais do povo e de suas necessidades mais profundas.

 

Foi só depois da retomada dos processos políticos-democráticos que a Educomunicação ganhou novo fôlego no cenário brasileiro. Com a democracia, vieram também experiências mais amplas, utilizando a televisão e a internet, tanto para experiências com estudantes de diferentes níveis escolares, quanto para a própria formação e especialização docente. Os anos 1990 são fundantes para a afirmação do Brasil como um cenário de pensamento científico importante na área da Educomunicação. A criação do Núcleo da Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE/ECA-USP) representa um marco fundamental neste sentido. Além de focalizar seus esforços para o pensamento e entendimento das potencialidades da Educomunicação enquanto prática de desenvolvimento de diferentes capacidades (sociais, comunicacionais, éticas, reflexivas, cidadãs, etc) nos sujeitos, o Núcleo foi responsável também pela criação da primeira graduação em Educomunicação no país, formando profissionais capacitados e preocupados com o âmbito da Educomunicação de maneira integral.

 

Como a Educomunicação pode ajudar no processo de aprendizagem?

A partir do resgate de pressupostos da Comunicação – o diálogo e a horizontalidade, por exemplo -, as práticas educomunicativas contribuem para que os sujeitos em educação sintam-se partícipes dos processos educacionais, quebrando com as lógicas da educação formal, que coloca o estudante como um sujeito que pouco sabe, e que aguarda do sábio (o professor) respostas prontas para suas dúvidas.

 

Nesse sentido, aproxima e potencializa as trocas ocorridas entre professores e alunos, e, principalmente, entre os alunos, para que possam interagir e aprender conjuntamente. São pressupostos muito básicos, mas que, no contexto contemporâneo de atividades cada vez mais aceleradas e de atomização dos indivíduos, acabam sendo perdidos. A Educomunicação se coloca como uma via ao resgate desses elementos, que podem potencializar os processos de aprendizado em diferentes currículos.

 

Em sua pesquisa você conviveu com jovens da Vila Diehl, em Novo Hamburgo/RS. Como foi desenvolver a intervenção educomunicativa com eles?

A pesquisa de mestrado foi de movimentação e aprendizado intenso. A intervenção foi pensada e planejada com cuidado, de modo a tensionar e compreender as características socioculturais e socioeconômicas da Vila Diehl e, principalmente, dos jovens que faziam parte da investigação. Dentro dos preceitos educomunicacionais dos quais me nutro, o conhecimento e o respeito a essas características precisam ser pensados e trazidos para o cerne das propostas de ação realizadas, de modo que não se realizem oficinas (ou outras atividades de cunho educomunicacional) de “cima para baixo”. É imprescindível que os jovens e a comunidade como um todo tenham voz dentro de processos da Educomunicação, e que essa voz ganhe destaque na medida em que a intervenção ocorre.

 

Como foram as primeiras atividades de aproximação com a comunidade e com os jovens?

A aproximação com eles se deu de forma gradual, procurando conhecer suas características mais amplas para a partir delas, planejar entradas com atividades de oficinas em Educomunicação. Avistei, primeiramente, a necessidade de trabalhar com os jovens a partir da expressão escrita, passando depois para a fotografia, e por fim, para a produção em audiovisual. Essa evolução propunha que eles utilizassem os aprendizados gradativamente, tensionando suas realidades e produzindo elementos comunicacionais com teor cidadão. Essa evolução, no entanto, não é imediata e necessita de tempo para ocorrer. Não é da cultura midiática-comunicacional dos sujeitos uma produção voltada à cidadania, ela precisa ser tensionada e perpassada por processos que permitam a visualização destas possibilidades.

 

Quais foram os principais desafios enfrentados durante a pesquisa?

Eles estavam relacionados à necessidade de adequação constante da proposta ao cenário concreto da investigação. As culturas populares se caracterizam, entre outros elementos, pela extrema dinamização, pelas ambiguidades e complexidades que manifestam nas suas práticas cotidianas. Nesse cenário, era necessário readaptar e repensar as práticas propostas semanalmente, de acordo com os aprendizados conquistados e as iniciativas manifestadas pelos sujeitos.

 

Você acredita que essas intervenções possam ser replicadas nas escolas como parte do currículo?

Eu defendo que práticas da Educomunicação e seus pressupostos mais elementares devem ser parte dos currículos escolares. As dificuldades mais comuns encontradas dentro dos cenários da educação formal são a falta de espaço para atividades desta natureza, ou ainda, a falta de recursos materiais e de apoio técnico-operativo. Entretanto, estas dificuldades não impedem que se trabalhe a Educomunicação a partir do resgate da fundamentação comunicacional, baseada no diálogo, no aprendizado conjunto e no acesso democrático à comunicação e suas ferramentas.

 

É consenso na área que práticas da Educomunicação necessitam de espaço-tempo mais vasto dentro dos ambientes escolares para terem resultados efetivos, principalmente, em termos de aprendizagens e de cidadania. Nesse sentido, é imprescindível que se pense e tome a Educomunicação como uma prática balizada por políticas públicas, que forneçam subsídios e pilares concretos à realização do tensionamento da comunicação à educação, potencializando um aprendizado integral, humano, preocupado com questões socioculturais e cidadãs.

Reportagem: Luan Romero
Infográficos: Juliana Kruhpatz
Foto de capa: Facebook

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