Todas as partes do corpo humano estão relacionadas – ainda que não percebamos. A saúde bucal deixou de ser vista como algo isolado, já que estudos e a evolução da odontologia demonstram que os cuidados com a boca podem interferir no organismo como um todo. Por mais que a saúde bucal seja valorizada principalmente pela preocupação estética, ela também pode ser considerada a porta de entrada para diversas enfermidades, como doenças cardíacas e pulmonares.
A partir dessas constatações, a dentista Camila Silveira Sfreddo investiga sobre a relação entre a periodontite e o câncer de mama desde 2011. Esta temática foi estudada por ela na graduação em Odontologia e no Mestrado em Ciências Odontológicas com ênfase em Periodontia, ambos realizados na UFSM. Após analisar os dados finais, a pesquisadora, que hoje é doutoranda pelo mesmo programa de pós-graduação, comprovou que mulheres com periodontite têm até três vezes mais chance de ter câncer de mama.
Como foi feito o estudo?
A pesquisa de mestrado de Camila, divulgada em 2014, revelou as informações mais recentes sobre a temática. Realizada em parceria com o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), o estudo contou com a ajuda de quatro pesquisadores, entre eles o orientador de Camila e professor do Departamento de Estomatologia do Centro de Ciências da Saúde da UFSM, Carlos Heitor Moreira. O professor explica que as mulheres com câncer de mama têm um histórico maior nos diferentes fatores avaliados: “em todos os critérios que usamos para determinar o nível da periodontite, as mulheres com câncer tinham maior severidade da doença periodontal”.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores compararam mulheres que já tinham o diagnóstico de câncer de mama (denominadas, na pesquisa, como casos) com mulheres que não tinham câncer (identificadas como controles). Os resultados mostraram que as mulheres com câncer de mama possuíam histórico de destruição dos tecidos periodontais maior do que as mulheres controle. A partir do exame da condição periodontal das participantes, foi feita uma análise de dados. O estudo, que contou com 67 casos e 134 controles, foi publicado na Community Dentistry and Oral Epidemiology, revista de referência mundial na área de Odontologia, em junho de 2017.
Segundo Carlos Heitor, para que o estudo fosse o mais verídico possível, eles utilizaram exames clínicos completos. “Nós realizamos, do ponto de vista do exame periodontal, o que tem de mais acurado e verdadeiro”, pontua. Todo esse cuidado foi para que a pesquisa pudesse se diferenciar positivamente das feitas anteriormente, fora do Brasil.
Camila reforça, no entanto, que não se pode dizer que a periodontite causa o câncer de mama, pois o tipo de delineamento do estudo não permite que se comprove uma relação de causalidade. “Pode ser que elas estejam associadas porque compartilham fatores de risco comuns ou porque, na verdade, o tratamento para o câncer e o próprio câncer influencie na saúde bucal, então tem essa relação inversa também”, explica a doutoranda.
A recomendação de Camila é para que mulheres com periodontite ou suspeita da doença procurem o atendimento para se tratar e, posteriormente, receber acompanhamento. Isso porque, muitas vezes, a doença periodontal não provoca dor em estágios iniciais, e algumas pessoas convivem com ela por anos até perder os dentes ou notar que estes eles estão trocando de posição.
O estudo foi tema de uma matéria na versão digital do Daily Mail, um reconhecido jornal britânico, em dezembro do último ano. No texto, Nigel Carter OBE, membro da Order of the British Empire (ordem da cavalaria inglesa que gratifica pessoas que contribuíram para as artes e ciências), comenta que existem evidências para apoiar a teoria de que doenças na gengiva podem ter um impacto muito grande na saúde do nosso corpo por inteiro.
Qual o impacto da pesquisa?
Camila avalia que o trabalho tem grande importância dentro da área da periodontia e da odontologia no geral: “Não é um delineamento fácil de ser colocado em prática, ainda mais com essa população vulnerável, que são essas mulheres com câncer”. Camila pondera que, além de existir a associação do câncer de mama com a periodontite, pode existir com outras doenças sistêmicas, por isso é essencial cuidar da saúde bucal. “A gente tenta, cada vez mais, fazer estratégias de promoção de saúde e abordagem de risco comum que associa a saúde bucal com a saúde de uma forma geral”, comenta a dentista.
O orientador Carlos Heitor ainda salienta que é possível que sejam feitos trabalhos em Santa Maria que tenham grande relevância e alto impacto. “No que o teu trabalho vai ajudar e melhorar a realidade de outras pessoas? Essa é uma preocupação que eu sempre tenho nos trabalhos que eu faço e nos alunos que eu oriento”, afirma o professor.
Reportagem: Martina Irigoyen
Ilustrações: Deirdre Holanda e Pollyana Santoro