Moradora do bairro Km 3 há mais de seis anos, Nádia Beatriz Dias Rodrigues teve a casa destruída e perdeu todos os bens em uma enchente. Após receber da Prefeitura de Santa Maria um novo terreno, ela reconstruiu a moradia com tábuas de madeira. Frestas na estrutura, no entanto, permaneceram. O quarto das filhas Sthéfane, de 16 anos, e Vitória, de 8 anos, era o cômodo mais úmido e constantantemente alagado em dias de chuva. Além disso, o banheiro da casa era muito frio, o que dificultava o banho das meninas e as deixava mais expostas a doenças nos dias de inverno.
Em junho de 2017, o trabalho desenvolvido por uma Organização Não-Governamental (ONG) da cidade possibilitou a melhora nas condições estruturais da casa de Nádia e das filhas. Criada em setembro de 2016 por alunos dos cursos de engenharia da UFSM, com orientação do professor João Kanieski, o Núcleo Santa Maria da ONG Engenheiros Sem Fronteiras surgiu a partir de modelos já existentes em outros países. Aberta também para alunos de fora da Universidade, a ONG conta com a participação de estudantes das Engenharias e da Administração. Atualmente, 27 membros compõem a equipe.
Uma das principais frentes de ação do grupo é o Lar Sem Frestas (LSF), responsável pela reforma na casa de Nádia. Inspirado na iniciativa Brasil sem Frestas, o LSF iniciou no Km 3, na região nordeste de Santa Maria, como uma forma de retribuir à comunidade. “Foi o pessoal da ONG Estação dos Ventos, projeto social do bairro, que nos ajudou a começar o Engenheiros Sem Fronteiras, dando sugestões de projetos e nos ensinando como realizar ações sociais efetivas. Escolhemos realizar o projeto no bairro para agradecer tudo o que eles fizeram por nós”, relata Matheus Filappi, coordenador do projeto Lar Sem Frestas e estudante de Engenharia Civil da UFSM. Matheus explica que a intenção é unir a engenharia à sustentabilidade, pensando em questões sociais e não apenas em grandes empreendimentos. Além disso, é uma oportunidade de aplicar na prática a teoria recebida em sala de aula.
(Boa) Ação sustentável
A atitude é simples: revestir as casas internamente com embalagens longa vida, a fim de cobrir as frestas das paredes e proporcionar um pouco de conforto aos moradores. A escolha do material se deu à grande quantidade de produtos consumidos em caixas longa vida, como o leite e o suco. Além de ser uma solução sustentável, é eficiente, já que o material das embalagens tem resistência devido à sua composição: 75% papel, 25% alumínio e 5% plástico.
As caixas são arrecadadas através de doação em pontos de coleta espalhados pelo campus da UFSM. Após recolhidas, são abertas e higienizadas com água e sabão, e armazenadas na sede do Engenheiros. Nos dias de ação do projeto, as caixas são levadas até a ONG Estação dos Ventos, onde são montadas placas horizontais, grampeando as caixas lado a lado. A fixação é feita nas paredes internas com grampeador industrial.
O Lar Sem Frestas já revestiu a casa de Nádia e de mais uma família da comunidade. A terceira e última casa desta primeira etapa do projeto está em fase de finalização. Matheus conta que, assim como os moradores, os voluntários também se surpreendem com o resultado. “A gente até não imagina que o material vá gerar uma parede bonita, mas quando a gente termina e vê toda ela pronta, percebe que o prateado dá um visual diferente à casa”, relata o estudante. A ONG estuda agora quais serão as próximas famílias beneficiadas, utilizando como critérios de escolha a situação da estrutura da casa e a faixa etária dos moradores, dando prioridade às residências com idosos ou crianças.
Apesar das embalagens serem consideradas impermeáveis e excelentes isolantes térmicos, Matheus explica que ainda é necessário fazer testes mais definitivos com o material. O grupo pretende realizar medições térmicas para verificar a eficiência das caixas no interior da casa, além de compreender o que acontece quando a embalagem fica exposta a uma goteira constante ou forte calor em um dia de verão, por exemplo.
Os benefícios do projeto Lar sem Frestas vão além da estrutura da casa – ele acaba criando laços entre a comunidade e os voluntários, como compartilha Nádia: “se eu pudesse, revestia toda a minha casa com as caixinhas só pra ter eles todos os dias comigo”. Sthéfane, a filha mais velha, também tem uma relação de amizade com os alunos do projeto e complementa a fala da mãe: “eu sinto saudade quando eles não vêm aqui”.
Atualmente o grupo não possui pontos de coleta das caixinhas devido ao grande estoque, resultado de doações no final de 2017 e início de 2018. Para conhecer mais sobre o Engenheiros Sem Fronteiras – Núcleo Santa Maria e outros projetos desenvolvidos, basta acessar a página da ONG no Facebook.
Repórter: Mariana Machado
Fotografias: Rafael Happke e ONG Engenheiros sem Fronteiras- Núcleo Santa Maria