Para cada criança esperando ser adotada no Brasil, existem 6 famílias com intenção de adotar um filho ou uma filha. Ainda assim, cerca de 5 mil crianças e adolescentes ainda esperam em abrigos para serem adotados, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Questões como as restrições feitas pelos candidatos a adotantes e a demora nos processos judiciais ajudam a explicar essa realidade tão contraditória.
No país, o processo de adoção acontece através da Vara da Infância e da Juventude. Quem pretende realizar a adoção preenche um formulário com as características principais da criança que gostaria de adotar e depois disso passa por uma avaliação psicossocial e por um curso de capacitação para então estar habilitada pelo Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
Em maio de 2015, o CNA realizou alterações no seu sistema. Anteriormente, o cadastro registrava 34 itens nos quais os adotantes poderiam colocar as especificações da criança que pretendiam adotar. Com as atualizações, o formulário foi condensado em 16 itens, e nesse novo modelo existe a dificuldade de visibilidade de alguns grupos, uma vez que se eliminou o espaço destinado às observações do adotante. Em contrapartida, outra mudança foi a inclusão de interligação nacional entre as comarcas.
“Uma das alterações é que com essa condensação se excluiu o espaço que tinha para anotações sobre o casal, por exemplo. Cada juiz, cada magistrado, conhece a realidade e o perfil dos adotantes da sua comarca. Mas, de repente, um casal que já preteriu uma criança por ser escura demais numa comarca, o juiz lá na outra não tem acesso a isso. E é um dado importante”, explica a coordenadora do Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção (GAIA) de Santa Maria, Daniela Sonza.
Um estudo publicado em 2015 na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra realizou uma análise quantitativa, qualitativa e descritiva com 84 pessoas pretendentes à adoção em uma comarca do sul do Brasil. A pesquisa constatou que a preferência brasileira é adoção por recém-nascidos, de mesma cor de pele que a família adotante, preferencialmente do sexo feminino.
Outro impasse relacionado ao perfil da criança é quanto à idade. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), menos de 10% dos adotantes aceitam crianças com mais de 5 anos de idade. O estudo diagnosticou que pais adotivos têm medo de realizar adoções tardias pois estigmatizam “que crianças mais velhas trazem consigo maus hábitos, defeitos de caráter adquiridos em suas famílias de origem ou ainda adquiridos em abrigos”.
Devido a essas preferências, existem alguns grupos de crianças que ficam mais tempo na fila de espera, como é o caso das adoções tardias, de grupo de irmãos, inter-raciais e adoção especial. Dados de 2015 do CNJ confirmam que 57% dos adotantes têm restrição à cor da criança, 40% ao sexo e 80% querem apenas uma criança.
Com base no estudo publicado na Universidade de Coimbra, participantes que já tiveram experiência de apadrinhamento de crianças em casas-lar demonstram ter “uma concepção mais ampliada sobre a questão do perfil das crianças que pretendem adotar”. Em conformidade com isso, existem entidade que promovem um sistema além do Cadastro Nacional de Adoção, como é o caso dos Grupos de Apoio e Incentivo à Adoção que atuam junto aos adotantes, de forma a desconstruir essa visão seletiva e incentivar uma adoção mais humanizada.
“Os Grupos de Apoio à adoção são subordinados à Associação Nacional de Grupos de Apoio à adoção. Nós estamos conseguindo, através do Busca Ativa, que é um sistema a mais do que o Cadastro Nacional de Adoção para tornar visíveis crianças que não são visíveis, como grupos de irmãos, adoção inter-racial, especial, tardia… Então nós estamos conseguindo através desse trabalho dar maior visibilidade para essas crianças”, comenta a coordenadora do GAIA de Santa Maria.
Segundo a Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, os GAIA são formados, na maioria das vezes, por iniciativas de pais adotivos que trabalham, voluntariamente, para a divulgação da Nova Cultura de Adoção, prevenir o abandono, preparar adotantes, acompanhar pais adotivos no pós adoção e auxiliar na reintegração familiar para auxiliar na busca ativa de famílias para a adoção de crianças fora do perfil comumente desejado pelos adotantes (crianças de mais idade, com necessidades especiais ou inter-raciais).
A coordenadora ainda destaca que um problema grave na cultura de adoção do Brasil é o preconceito da sociedade com a criança adotada. Em alguns casos, como nas adoções inter-raciais, a família passa pela avaliação externa sobre a legitimidade da criança. “A minha irmã fez adoção inter-racial, tardia e grupo de irmãos. Matriculou as crianças no colégio e quatro mães naquele colégio, de colegas dos meus sobrinhos, pediram para tirar seus filhos do colégio porque não queria que convivessem com crianças que vieram do abrigo”, a Daniela Sonza.
O preconceito a essas crianças ainda está bastante presente na sociedade. Dessa forma, para chamar atenção para essas questões, os Grupos de Apoio e Incentivo à adoção têm procurado agir através de espaços de discussão e campanhas que mobilizem e conscientizem a sociedade sobre a importância de pensar a adoção de forma humanizada.
Reportagem: Clara Sitó e Gabriele Wagner
Infográficos: Nicolle Sartor