Por meio de análise de jornais do início da década de 1960, pesquisadora da UFSM mostra como a chegada da nova universidade foi visibilizada e valorizada
Por Daiane Spiazzi*
E lá se foram 60 anos. Sessenta anos de um acontecimento que mudaria a história e a representação social de Santa Maria. Se na metade do século 20, Santa Maria era conhecida como “Cidade Ferroviária”, a segunda metade lhe conferiu o título de “Cidade Universitária”. Isso ocorreu graças à criação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que hoje faz parte da rotina dos santa-marienses e que tanto orgulha essa comunidade.
Apesar de ter sido criada pela Lei n. 3.834-C, de 14 de dezembro de 1960, a Universidade de Santa Maria – USM foi oficialmente inaugurada no dia 18 de março de 1961. E é sobre esse dia tão festivo para o povo dessa cidade que iremos falar hoje.
O ano de 1961 iniciou com grandes expectativas e sentimentos de vitória por parte dos santa-marienses. Todas as atenções estavam voltadas para a inauguração da tão desejada Universidade de Santa Maria (USM). As forças vivas de SM, como eram chamadas as pessoas mais influentes da sociedade santa-mariense, e que em sua maioria estavam ligadas à Associação Santa-Mariense Pró-Ensino Superior (ASPES), estavam em fervorosas movimentações para a instalação da USM. Com o apoio popular e de autoridades políticas, sociais, culturais, religiosas e militares do Rio Grande do Sul e do Brasil, os preparativos para a grande festa ganhavam as páginas dos jornais locais.
A inauguração oficial da USM foi organizada e comemorada como a coroação de uma forte campanha instituída pela mídia local, representada neste artigo pelo jornal A Razão, e pela ASPES, em prol da criação da USM, desenvolvida no ano de 1960. Essa campanha promovida e massivamente divulgada na região de Santa Maria e demais regiões do Rio Grande do Sul, tinha como objetivo angariar apoio popular e de autoridades locais, regionais, nacionais e até internacionais, por meio da divulgação dos beneméritos que a USM traria para o ensino superior em nível local, regional e nacional.
A campanha promovida pela ASPES e pela mídia local angariou o apoio de uma comunidade que viu na Universidade a alternativa para continuar seu legado como cidade polo e referência econômica, cultural e educacional, para sua região e para todo o Rio Grande do Sul. Se, na primeira metade do século 20, Santa Maria girava entorno da Viação Férrea, e teve seu desenvolvimento ligado aos investimentos promovidos por ela ou em função dela – desde a atração de muito trabalhadores, até a criação de escolas que passaram a formar mão de obra especializada -, na segunda metade do século, Santa Maria se voltará cada vez mais para o setor educacional, tendo a USM como maior referencial de desenvolvimento. Portanto, após o término das atividades ferroviárias que impulsionaram a vida em Santa Maria, tendo influenciado em todos os setores da sociedade, atraindo para a cidade parte da elite regional e feito ascender categorias sociais como a classe ferroviária, a cidade precisava de algo tão grande e valioso quanto tinha sido a Estação Férrea. Acostumados com o progresso, os santa-marienses compreenderam que essa realidade poderia se manter com a criação da Universidade de Santa Maria.
O engajamento de toda a sociedade santa-mariense nesse grande feito, que era a interiorização do ensino superior no Rio Grande do Sul, foi sentido e reconhecido dentro e fora dos limites da cidade. Exemplo dessa adesão manifestou-se nas mensagens de apoio recebidas pelo reitor José Mariano da Rocha, publicadas pelo jornal A Razão. Este veículo de comunicação, era considerado o jornal de maior circulação em Santa Maria e região. Foi criado em 1934 e, em 1943, passou a pertencer ao grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que o conduziu até os anos 1980. O jornal A Razão encerrou suas atividades na cidade em 2017.
No dia 3 de fevereiro, o jornal afirma que “o regozijo pela criação da Universidade de Santa Maria, partido de todos os setores da vida nacional e estrangeira, continua a se manifestar através de expressivas mensagens dirigidas ao professor José Mariano da Rocha Filho, Reitor Magnífico”. Entre as mensagens publicadas nesse dia, estava a do Presidente do Colégio Internacional de Cirurgiões, ex-reitor da Universidade de Buenos Aires:
No dia 4 de fevereiro, o vice-reitor da Universidade Católica de Pelotas, professor Dr. Oswaldo Louzada, enviou ao jornal A Razão uma carta elogiosa, onde reconheceu a grandeza e o envolvimento dos santa-marienses na realização dessa grande obra educacional:
O entusiasmo pela inauguração oficial da USM permeia todos os cantos da cidade, e os veículos de comunicação noticiam dia a dia os preparativos para essa grande festa que marcará o início de uma nova era para Santa Maria. O Jornal A Razão, militante na causa, desde o princípio convoca a população a colaborar para esse grande dia. Na edição do dia 8 de fevereiro faz a seguinte publicação:
Os anúncios dos preparativos da festa de inauguração da USM, continuam ganhando espaço e repercussão no jornal A Razão. De acordo com a publicação do dia 3 de março, são colocadas sobre esse tão esperado momento grandes expectativas:
No dia 10 de março, o jornal publicou sob o título “Personalidades asseguram sua presença nas festas da USM”, uma relação de nomes de personalidades ligadas a diferentes setores da sociedade, como militar, educacional e da saúde, que confirmavam sua presença para assistir aos atos solenes da instalação da novel Universidade. Já no dia 14 de março, o jornal informa que entre as solenidades comemorativas, acontecerá no dia 19 de março uma parada de estudantes em homenagem à instalação da Universidade de Santa Maria, e que estes irão se reunir para tratar dos últimos detalhes. No mesmo dia, o jornal apresenta a programação completa dos eventos que irão ocorrer nos dias 18, 19 e 20 de março, em provimento da instalação da USM.
Com a intenção de tornar o momento ainda mais grandioso e tornar Santa Maria e a USM conhecidas nacional e internacionalmente, foi organizado um concurso radioamadorístico de caráter internacional. Esta intenção pode ser conferida no título da reportagem, “Rádio – amadores farão conhecida a Universidade em todo o mundo”, e no seguinte texto:
Cresce o alvoroço em torno dos preparativos do grande momento, segundo o jornal A Razão, “o interesse e animação por esse magistral acontecimento crescem de maneira a nos capacitar a afirmar que os atos celebradores do grande evento se desenvolverão com o máximo brilhantismo assinalando um período de gala para a nossa terra” (A RAZÃO, Edição n.,131 p.8/6, 16/03/1961). O Jornal revela que o grande responsável pela organização do evento foi o jornalista, memorialista e teatrólogo Edmundo Cardoso.
No dia que antecede a festa de inauguração da USM, o jornal A Razão traz duas publicações dando informações do que irá acontecer nos próximos dias, durante o desenrolar das festividades. Traz como títulos das duas matérias expressões que deixam nítidas a importância dada àquele momento histórico: “Instalação da USM é o acontecimento máximo do ano” e “Rádio Medianeira no dia da Universidade”. Na primeira matéria, o jornal informa que o deputado Tarso Dutra e o senador Daniel Krieger, grandes responsáveis pela aprovação da Lei que criou a USM, receberão do reitor José Mariano da Rocha Filho o Título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Santa Maria. Revela ainda que estarão presentes no ato, que terá lugar às 21 horas no Cine Teatro Glória, onde o deputado Tarso Dutra realizará a aula magna, personalidades e altas autoridades do país. A segunda reportagem informa que a Rádio Medianeira entrará no ar às seis horas da manhã e passará o dia com uma programação alusiva às festividades que envolvem a inauguração da USM. Apresentará ainda, um estudo histórico sobre o ensino superior na cidade, sob o título “Universidade Vitória de Santa Maria” (A RAZÃO, Edição n.,132 p.4, 17/03/1961).
Enfim chegado o grande dia, O jornal A Razão traz três publicações relacionadas aos festejos da instalação da USM, espalhadas ao longo das páginas do jornal. Na capa, o título “Hoje a instalação solene da Universidade de Santa Maria” ganhou lugar central e de destaque, acompanhado de fotografias de personalidades como do reitor Mariano da Rocha, acompanhado do presidente da república Jânio Quadros, do deputado Tarso Dutra, do senador Daniel Krieger. Em seu texto o jornal destaca:
No dia seguinte, a Universidade de Santa Maria ganha novamente a capa do jornal. A grande reportagem de capa é acompanhada ao longo do jornal por 36 outras publicações que versam sobre os acontecimentos ocorridos no dia anterior, a programação do dia e as homenagens apresentadas à USM. Entre elas destaco, para encerrar esse artigo, algumas mensagens enviadas ao povo de Santa Maria pela Secretaria de Estado dos Negócios do Trabalho e Habitação do Estado do Rio Grande do Sul, pelo deputado Tarso Dutra, por Amaury Lenz e por Luiz Gonzaga Isaia. Essas mensagens foram selecionadas por representarem bem o estado de euforia e de esperança depositadas sobre a criação da Universidade de Santa Maria.
Mensagem enviada pelo professor Clay Hardman de Araujo – (Secretário da Secretaria de Estado dos Negócios do Trabalho e Habitação do Estado do Rio Grande do Sul)
Mensagem enviada pelo deputado Tarso Dutra
Artigo assinado por Amaury Lenz
Artigo assinado pelo professor Luiz Gonzaga Isaia.
*Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação da UFSM, historiadora e jornalista
Referência bibliográfica
Weber, Beatriz Teixeira; Ribeiro, José Iran (Org.). Nova História de Santa Maria: contribuições recentes. Santa Maria, 2010.