Em 2016, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) iniciaram um estudo exploratório para verificar a percepção dos consumidores na aceitação de insetos comestíveis em suas dietas. Em 2018, o mesmo grupo de cientistas começou a elaborar produtos assados com tenébrios (besouros) nas receitas – como cookies -, e a adicionar farinha de insetos em produtos lácteos.
Inseto como fonte nutritiva na alimentação
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) anunciou, também em 2018, aumento no número de pessoas que sofrem de fome em nível mundial. De acordo com os dados, quase 821 milhões de pessoas – cerca de uma em cada nove – foram vítimas da fome naquele ano.
Segundo um relatório da FAO, que estuda opções nutricionais e sustentáveis para o combate à fome, uma alternativa para o problema seria o consumo de insetos comestíveis, pois, quando criados em locais higiênicos e de segurança alimentar, podem ser fontes nutritivas na alimentação.
Durante conversa com a professora do Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos da UFSM, Neila Richards, que também é doutora em Tecnologia Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP), surgiram informações curiosas sobre insetos comestíveis. Confira:
1 – Quais as vantagens de comer insetos?
Nutricionais: Em insetos comestíveis, estão presentes aminoácidos essenciais para os seres humanos. São ricos em proteínas, lipídios e fibras, mas seus nutrientes variam de acordo com a espécie, a dieta, o sexo, o ambiente de crescimento e o estágio de desenvolvimento. Por exemplo, na maioria das espécies catalogadas por estudiosos da área (entomologia), o estágio da larva tem maior teor de proteínas do que na fase adulta. Quando adulto, o animal precisa dos nutrientes para a formação do seu exoesqueleto – estrutura que cobre o corpo para fornecer proteção, sustentação e revestimento – e, assim, diminui seu teor proteico.
Economia circular: Em comparação com a produção de fontes tradicionais de proteína – como de bovinos -, a de insetos comestíveis é considerada sustentável. Apresenta menor emissão de gases do efeito estufa – por exemplo, metano e amônia -; menor uso de terras, energia e água, já que o espaço para a criação é pequeno; a ração utilizada é em pouca quantidade; e os resíduos gerados podem ser colocados no solo, o que faz com que a produção seja parte de uma economia circular, ou seja, há melhoria nos processos de geração e comercialização, pois reduz, reutiliza e recicla os resíduos. Ademais, o grilo, por exemplo, tem 80% do seu corpo comestível, já o bovino possui apenas 40% – isto é, o inseto gera menos resíduos.
2 – Quais são os insetos comestíveis?
Mais de duas mil espécies de insetos comestíveis foram catalogadas em todo o mundo. Alguns exemplos são os coleópteros (besouros), himenópteros (formigas), ortópteros (grilos, gafanhotos) e lepidópteros (lagartas).
A entomofagia – consumo alimentar de insetos – começou, aproximadamente, na época dos hominídeos – ancestrais dos seres humanos -, que se alimentavam de forma similar aos animais, e comiam a vegetação, os frutos e alguns insetos. A prática permaneceu na cultura de vários países, como em Camarões e no Congo, na África; bem como na Tailândia, no Laos, no Vietnã, no Japão e em outros países asiáticos. “Na Tailândia, o consumo é por causa do sabor, gostam de comer insetos fritos com cerveja gelada”, comenta Neila.
Nas Américas, o México é o país que mais utiliza insetos na alimentação, com mais de 500 espécies catalogadas. Segundo a Revista Pesquisa FAPESP, o gafanhoto “chapulín”, um dos mais consumidos, é tão popular que inspirou o personagem da televisão, o “Chapulín Colorado” ou, em português, “Chapolin Colorado”.
No Brasil, são mais de cem espécies catalogadas. Alguns povos indígenas continuam praticando a entomofagia. Além disso, nas regiões norte e nordeste do país, alguns insetos viraram iguarias, devido à tradição indígena na culinária brasileira. A formiga tanajura, ou içá, é um exemplo. Pode ser preparada de diversas maneiras, como um acompanhamento com farofa, torrada e utilizada até mesmo em “pratos gourmet”, como comenta Neila.
3 – Tá, mas qual o gosto do inseto?
O sabor do inseto vai depender do que ele consome na sua alimentação. Neila explica que, se o animal é alimentado com cenoura, brócolis ou talos com folhas, seu gosto vai ser neutro, pois esses alimentos não são aromáticos o suficiente. Quando alimentados com nozes (castanha ou noz-pecã, por exemplo), que possuem um teor maior de ácidos graxos – fonte de energia para o corpo humano – e são mais aromáticas, o inseto vai reter os compostos no corpo e adquirir o gosto da noz.
4 – Qual a melhor maneira de consumi-los?
A biodisponibilidade de um alimento é a quantidade de nutrientes absorvidos e utilizados pelo organismo humano pelo consumo. Todos os alimentos têm macro e micronutrientes que, dependendo do processo de preparo, podem ser mais ou menos biodisponíveis. Isso também ocorre com os insetos. Diante disso, Neila apresenta duas formas diferentes para consumi-los para maior biodisponibilidade: “Tenébrio [besouro] aferventado preserva mais proteína do que quando desidratado. Já o cupim tostado apresenta maior biodisponibilidade do que quando aferventado”. Isto é, como em qualquer outro alimento, existem diferentes formas de preparo, mas algumas contribuem mais – ou menos – para a absorção dos nutrientes.
Em 2020, os pesquisadores do Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos criaram, abateram e desidrataram alguns insetos – com o auxílio do Departamento de Defesa Fitossanitária – com o intuito de analisar as propriedades nutricionais dos animais e garantir a segurança alimentar. Atualmente, o grupo está desenvolvendo alguns produtos alimentícios para teste, a pedido de uma empresa interessada em vendê-los após a aprovação da legislação de insetos comestíveis para seres humanos no Brasil.
5 – Posso coletar insetos na natureza para comer?
Quando insetos vivem na natureza, não se tem conhecimento de quais alimentos eles ingeriram antes de serem coletados. Por exemplo, se o animal encontrado estiver próximo a uma lavoura, existe a possibilidade do contato com pesticidas ou herbicidas – dessa maneira, as substâncias químicas vão estar no organismo dele. Em consequência, a pessoa, ao consumi-lo, também vai ingerir o composto. Por isso, quando apanhados de maneira independente, na natureza, não há garantia de segurança alimentar.
O relatório da FAO apresenta os insetos como uma alternativa para ajudar no combate para além da fome, também da insegurança alimentar. Dessa forma, a criação deve ser realizada em espaços higiênicos, pelo controle da dieta do inseto e pela prevenção de zoonoses – doenças infecciosas transmitidas entre animais e pessoas.
6 – Desafios encontrados
O primeiro desafio é que a criação de insetos em espaços adequados e controlados para o consumo humano depende de regulamentações. Em países europeus, a Agência Europeia de Segurança Alimentar aprovou, em 2021, as ‘larvas-de-farinha’ – larva do besouro tenébrio – como o primeiro inseto seguro para consumo humano no continente. Já no Brasil, ainda não há regulamentação específica para a criação voltada ao uso de insetos na alimentação humana. O Ministério da Agricultura e do Abastecimento (MAPA) libera a produção para o consumo animal – insetos como ração -, tal como a criação de tenébrios para a dieta de pássaros.
Um segundo desafio é que a falta de regulamentação limita a prática e afeta a disseminação de informação acessível para a população sobre o assunto. Além disso, colabora para a ‘neofobia’: aversão a tudo que é novo. Sentir ‘nojo’ de inseto é algo comum entre as pessoas, por isso a possibilidade de comê-lo pode gerar estranheza e falta de confiança do consumidor.
Por fim, apesar de, no Brasil, existir o consumo de insetos, a falta de regulamentação aumenta o preço do produto. “Na região norte e nordeste, as formigas [tanajura ou içá] são coletadas na natureza e cada 100 gramas custa em média R$ 20. Com relação ao preço do quilo de insetos no mercado, normalmente varia entre R$ 200 a R$ 350. É mais caro do que a maioria das carnes que estamos acostumados a consumir. A partir do momento em que houver legislação, a produção industrial de insetos comestíveis para consumo humano será alavancada e, com certeza, o preço será menor”, relata a docente.
*Fotografias: Neila Richards
Expediente
Reportagem: Eduarda Paz, acadêmica de Jornalismo e voluntária
Ilustração e Tratamento de Imagem: Noam Wurzel, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista
Mídia Social: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Caroline de Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Martina Pozzebon, acadêmica de Jornalismo e estagiária
Edição de Produção: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas