É do Rio Grande do Sul uma festejada descoberta paleontológica divulgada na edição desta sexta-feira da revista Scientific Reports, do grupo Nature. O artigo descreve pela primeira vez na ciência o crânio de um Teyujagua paradoxa, nome indígena que significa réptil ou lagarto feroz, encontrado nos arredores da cidade de São Francisco de Assis durante uma saída de campo do professor Felipe Pinheiro com alunos do campus de São Gabriel da Universidade Federal do Pampa (Unipampa).
Estima-se que o animal tenha vivido há 250 milhões de anos, período anterior ao do surgimento dos dinossauros. O trabalho, que permite o avanço dos estudos em uma área ainda desconhecida do desenvolvimento das espécies, também é assinado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina (PE), e da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.
– É uma descoberta que se faz uma vez na vida – vibra Pinheiro, 28 anos, paleontólogo cearense radicado no Estado há seis anos.
Ao avistar o crânio parcialmente encoberto no solo, no ano passado, o professor se deu conta, de imediato, de que se tratava de um achado importante. Encontram-se fósseis com frequência na área, mas em geral estão quebrados e fragmentados. Com 11 centímetros da ponta do focinho até a parte de trás do crânio, a peça estava inteira, em ótimo estado de conservação – uma raridade.
Segundo Pinheiro, o Teyujagua foi um réptil pequeno, de comprimento entre um metro e um metro e meio, quadrúpede, com narinas posicionadas no topo do focinho, típico de animais aquáticos ou semiaquáticos. Pode ter vivido nas margens de rios ou lagos, talvez comendo anfíbios. Nos dias de hoje, seria semelhante a um lagarto ou a um jacaré. Animais parecidos, aparentados com o Teyujagua, já foram localizados em outros países, o que possibilitou que os pesquisadores deduzissem características sobre a aparência e o comportamento do fóssil do pampa gaúcho.
O réptil habitou a Terra no período Triássico, “pouco” depois – 2 milhões de anos, intervalo considerado irrelevante em paleontologia – de uma extinção em massa que dizimou cerca de 90% de todos os seres vivos do período Permiano. No planeta quase despovoado, o Teyujagua surgiu de alguma forma de vida que sobreviveu à catástrofe e testemunhou a recuperação da fauna. É justamente nesta fase pouco conhecida que o conhecimento científico precisa avançar: o fóssil de São Francisco de Assis é um ser intermediário entre os répteis primitivos e os arcossauriformes, grupo que compreende dinossauros (que surgiriam 20 milhões de anos após o Teyujagua), pterossauros, jacarés e aves.
– A origem dos arcossauriformes ainda era muito obscura. Agora o Teyujagua nos ajuda a entendê-la – explica Pinheiro.
Marco Brandalise de Andrade, professor da Faculdade de Biociências e curador da coleção de fósseis do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), saúda o feito dos pesquisadores e a atenção da comunidade internacional despertada para o Estado, já reconhecido pela riqueza de seu passado paleontológico.
– Esse material é fabuloso em termos de história evolutiva e demonstra a riqueza que existe na nossa diversidade de espécies fósseis – avalia Andrade. –Sem mesmo um esforço enorme, encontramos coisas. Imagina se pudéssemos focar com mais dinheiro, mais profissionais, mais estudantes, maior frequência de coleta? Quantas coisas a gente não descobriria nessa diversidade toda? – completa.