A percepção contemporânea está atrelada ao conceito de redes e os sentidos humanos são condicionados pela construção de espaços onipresentes. Quantas camadas de sensibilidade são construídas diariamente atreladas à internet? Quais os novos territórios informacionais derivados do modo onisciente de ser? Diante de um mundo de máquinas processadoras de dados, cidades ativadas por comandos de voz e presença, o mundo se depara com um conceito de espaço puramente determinado pela velocidade da experiência, e não, pela sua dimensão enquanto caixa. A +Mostra em sua terceira edição discute esta percepção a partir do conceito central de neurociência e artes. Artistas pontuais passam a questionar o nosso posicionamento frente aos espaços e colocam nossa mente em uma condição efêmera de perceber o mundo.
A curadoria selecionou obras questionadoras, inclusive sobre sua linguagem, caso da obra de Eufrasio Prates (música interativa) Maira Fróes (concepção) e Danilo Moveo (pintura) que joga com os movimentos do artista e as impressões pictóricas e emocionais através da abstração de uma estrutura lógica espaço-temporal. Questiona os modelos dinâmicos fractais através das relações iterativas estabelecidas entre artista, obra e dispositivos digitais. Estímulos sensoriais são gerados in loco: a pintura abstrata, projeções na tela e música generativa iterativa contínua, ao vivo. COGNOISE possibilita aos participantes uma experiência estética complexa e conduz uma reavaliação dos critérios interpretativos na relação entre o ruído, o padrão (figurativo) e o eixo em busca de sensações e novas experiências.
Fernanda Pizzutti Codinotti em BLINK evidencia a relação do corpo com a câmera, o confronto com a própria imagem. Fragmentos específicos do corpo são colocados em evidência ao serem capturados com dispositivo móvel. Através do foco da câmera em movimento a imagem se constrói em uma situação de jogo, entre reconhecimento corporal/facial e de expressões, entre os syncs do áudio, enquanto o dispositivo captura as imagens que vão se formando e que provocam no espectador diversas sensações em decorrência das sinapses cerebrais. Jean-Pierre Changeoux (2011), afirma que artistas e cientistas se interessam pelas expressões faciais das emoções e por suas bases neurais e a primeira tentativa de neuroestética se deu a partir de Le Brun a partir de Vésale e Descartes com um modelo de cérebro que evidenciava a sobrancelha na mesma altura da glândula pineal e expressava todas as paixões.
Gilbertto Prado e Silvia Laurentiz com o videopoema INCOGNITO apresentam uma viagem virtual na raiz, no interior da palavra “cógnito”. As letras tridimensionalmente distribuídas no espaço que percorrem internamente por uma câmera subjetiva, não são totalmente reveladas, mas, percebidas de maneira subliminar pelo cérebro. A leitura não convencional da obra proporciona planos e sobreposições de camadas nessa caminhada visual. De maneira similar, o som (de Fernando Iazzetta) também é uma navegação interna pelos espaços interiores da palavra falada, trazendo o som das arestas, sobreposições sonoras, sem se deixar reconhecer a palavra inteira.
A obra GLITCHORAMA de Giselle Beiguelman é apresentada em forma de um tumblr composto por inúmeros estudos de glitch art http://glitchorama.tumblr.com/, questionando a estética plastificada de imagem, da cidade e da representação contemporânea. A fruição do retoque da imagem é substituída por novas perspectivas visuais da espacialidade, do nomadismo tecnológico e dos territórios informacionais resultantes da captura digital. Glitchorama é um projeto extremamente sensível, criador de uma imersão em cores e rastros de dados despercebidos pelo olhar comum. Beiguelman parte das imagens da cidade e aponta para o descontrole do espaço, cujos registros são feitos de um caos de dados resultando na desconstrução estrutural da imagem digital.
Isa Seppi, em A DANÇA DO AVATAR se apropria de uma rede social virtual, o Second Life, para discutir o corpo, aspecto fundamental para debater os novos modos de compreender a extensão corpórea do corpo pela máquina, no século XXI. Em performances artísticas com técnicas aprimoradas de dança, suas obras transparecem um processo meticuloso de criação, no qual ela utiliza sensores de presença e algoritmos.
Martha Gabriel destaca a evolução do homem atrelada à capacidade de se adaptar às modificações do ambiente a partir da função cerebral, da neuroplasticidade. A partir das tecnologias digitais, o nosso cérebro passa não somente a usufruir delas, mas a se expandir para elas, “tornando-nos híbridos do nosso corpo biológico e o ciberespaço. Esse processo é chamado de cibridismo.” Martha exemplifica: Se você tem uma conta de Gmail, por exemplo, provavelmente se sente incompleto, limitado e desconfortável quando está sem conexão. Os seus arquivos e fotos esparramados pela web e seu computador, o processamento de texto, a busca digital, ampliam e distribuem o seu ser biológico em simbiose com o digital. Nosso cérebro tem incorporado a busca digital de modo que não lembramos mais das informações, mas onde encontrá-las: o Google. Esse fenômeno é chamado de Google Effect. Duas consequências principais são decorrentes do cibridismo: 1) estamos vivendo a segunda maior revolução cognitiva da história — a primeira foi causada pela prensa de Gutenberg e a disseminação do livro; 2) dependemos cada vez mais das tecnologias para viver. Somos cada vez mais homo digitalis, misturando a natureza biológica analógica individual com o aparato tecnológico universal. Com isso, pavimentamos o caminho não só para que o cérebro consiga acompanhar a escalada tecnológica exponencial, mas também para a construção de um neocórtex coletivo global. Nesse contexto, o trabalho de arte WEcybrid foi criado de forma a revelar visualmente a dimensão cíbrida de todos nós, representada por meio de círculos concêntricos que se expandem e entrelaçam proporcionalmente ao nosso grau de cibridismo. Para tanto, cada participante do trabalho fornece seu nome, email e ID no Twitter ou Facebook. Com essas informações, o algoritmo calcula por meio do índice Klout (que mede a influência digital do perfil) e a busca combinada do nome+email no Google o índice cíbrido e representa na tela. A cada nova interação, novas representações. Conforme nos expandimos para o ciberespaço, ampliamos nossos pontos de contato com outras pessoas que também se expandem além dos seus corpos biológicos criando conexões nessa dimensão que interlaçam cada vez mais nossos seres — essa é a interseção do WE e ME. Os círculos sobrepostos, pulsantes no trabalho, representam essa interpenetração.
O memeLab com a obra MÍMESIS alerta para os centros urbanos como locais inóspitos à vida selvagem e que nos distanciam cada vez mais dessa fauna: elefantes, lebres e lobos. “A possibilidade de apresentar essa realidade é fazê-la passar por nossas cabeças, nosso universo lúdico e nossas mãos”. Assim, o memeLab e Bela Baderna realizam um “teatro de luz – um teatro de sombra às avessas – onde mãos humanas mimetizam animais das florestas que passeiam pela cidade” na face externa do prédio da FIESP na Av. Paulista e contribuem para pensar a condição humana cada vez mais maquínica e distante da natureza. Changeux define que a “Arte não é somente agradável, mas útil ao indivíduo. Não é simplesmente mimesis, mas “re-presentação” com seus próprios códigos: não apenas imita a natureza, mas ‘finaliza aquilo que ela não pôde levar a cabo’, prolonga-a ao “idealizá-la”. Integra-se portanto à natureza.” (2011, p. 100).
Curadoria: Andrea Capssa Lima, Cristina Landerdahl, Giovanna Casimiro.