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Entrevista com a professora Larissa M. Cervo



Foi em uma correspondência (e-mail) exultante que a professora Amanda E. Scherer fez dividir com todos a imensa alegria e satisfação de saber que a tese da nossa Larissa M. Cervo,  Língua: patrimônio nosso, é a indicada para representar o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSM para concorrer ao Prêmio CAPES de TESE de 2012. Singularidade que torna absolutamente compreensível a vibração nas linhas seguintes: Bravô Lari ! Valeu o esforço! O trabalho! E todo a tua competência intelectual em tamanho empreendimento. Estamos todos felizes por ti enquanto grupo de colegas!   Então, pensamos em como registrar o feito, a produção, a referência, a indicação que, indiretamente, alcança a todos nós, enquanto grupo. A ideia de uma entrevista está sendo completada com êxito agora graças a contribuição generosa e inspirada com que a professora Larissa nos brindou em suas respostas que são, a meu ver, já dignas de uma orientação que identifica muito bem o compromisso com seu tempo, com os seus colegas, com os que estão embrenhados na tarefa/missão de dar novos rumos a pesquisa no Brasil.   O trabalho de Larissa Montagner Cervo, LÍNGUA, PATRIMÔNIO NOSSO, foi defendido no PPGL/UFSM em 02 de abril de 2012 e versa sobre a significação da língua como patrimônio, a partir de um lugar específico, o Museu da Língua Portuguesa (São Paulo, 2006), escolhido por se constituir como espaço de salvaguarda e comemoração do patrimônio, dando visibilidade à língua nessa condição de objeto simbólico. A língua nesta perspectiva é também valorada no entremeio das práticas dos sujeitos e daquilo que é manifestado como representativo dessa relação, devendo, por isso, fazer parte ou mesmo permanecer nas narrativas da história. Caminho a ser percorrido envolve a desconstrução do arquivo e da memória de arquivo deste museu em direção à constituição da língua como patrimônio, com valor de memória histórica e em sua significação política, alusiva à universalização significada no conceito de patrimônio e no slogan do museu, ‘a língua é o que nos une’.   Com vocês, uma entrevista prazerosa de ler e extremamente proveitosa ao nosso cotidiano de pesquisa.   Apropriadamente, você já dividiu e atribuiu o mérito a sua orientadora, Prof.ª Amanda Scherer. Fale um pouco dessa relação/orientação com uma professora que tem já uma história/contribuição volumosa e proeminente na UFSM.   A Professora Amanda é minha orientadora desde sempre. Foi minha orientadora na especialização, no mestrado e no doutorado. Nessas três etapas, o processo de orientação foi o mesmo: vá a eventos; publique; assista às defesas de teses e dissertações; leia outras teses e dissertações da área para aprender a fazer a sua (ela dizia: ‘Não se faz tese sem ter lido pelo menos três outras teses que abordam o tema’); cite os seus colegas, como mostra de respeito à produção deles e a do grupo como um todo; leia tudo o que for necessário; crie uma rotina de estudo; e cumpra o prazo. Foi difícil para eu entrar nesse ritmo, porque eu resistia demais à escrita, principalmente no início do meu percurso de pesquisa, quando comecei a trabalhar com a Análise de Discurso. Eu achava o aparato teórico muito complexo, fazer análise era sofrido para mim, então eu não acompanhava o calendário de atividades com o rigor que era exigido. Nesse percurso, tenho certeza de que a Professora Amanda foi fundamental para o meu amadurecimento, por várias razões. Uma delas, marcante, era a ida a eventos. Às vezes, quando a gente achava que ela estava preocupada com outras coisas porque não havia nos cobrado texto, ela insistia muito para irmos a eventos e para publicarmos. Por um lado, isso era ótimo porque ela tem muitos contatos e é muito bem recebida em várias instituições, o que favorecia o contato e as trocas com outras pesquisas e outros pesquisadores. Por outro, afora o benefício da escuta, em eventos você é obrigado a pensar sobre o seu próprio trabalho para se fazer entender frente aos outros, e sempre há contribuição, sempre há alguém que instiga você a reorganizar, a repensar, a reordenar e redefinir o seu próprio trabalho. Incomodava-me um pouco essa história de falar em público falando de uma pesquisa da qual eu mesma não tinha clareza, mas, hoje, entendo a lógica: tendo de falar em público, você se obriga a tocar em questões que não estão bem pontuadas, que são difíceis, e isso vai se somando ao processo de orientação até que, aos poucos, o trabalho vai se redesenhando e você encontra um objetivo. Outra coisa que sempre achei bacana é que ela sempre nos encorajou a ler o que fosse preciso. Isso é uma característica dela enquanto sujeito: querer conhecer, querer saber, e ler, ler, ler. Ela adora ler e jamais disse que não deveríamos ler um autor ou outro. Pelo contrário, ‘leiam para saberem do que se trata’. ‘Ouçam a fala dos colegas, mesmo que eles não tratem do que vocês tratam, porque é falta de respeito não saber o que o colega faz’. A única coisa que ela cobrava era que pontuássemos bem as relações e que tratássemos de todas com o devido fundamento. Essa liberdade, indiretamente, acaba ensinando a pessoa a se responsabilizar pela sua própria autoria, pelo que diz, pelo modo como refere o trabalho do outro. Isso ensina o sujeito a tecer relações, não sendo alheio ao que está sendo produzido na sua volta, o que, para mim, é primordial ao pesquisador. Enfim, eu só aprendi, só beneficiei com a experiência e a sabedoria da minha orientadora. Tenho várias lembranças, até de reunião para sabermos como deveríamos nos comportar em eventos e defesas! Hoje, sinto que ainda preciso do aval dela para muita coisa. Tenho certeza que ela continua tendo expectativas quanto a mim e que vai me orientar sempre que eu precisar.     Como se dá a construção metodológica e teórica de um trabalho desse porte? Penso em dizer para aqueles acadêmicos que estão no começo ou para os que querem entrar no círculo da “pesquisa”…             Bom, não vou me posicionar quanto ao ‘porte’. Isso quem está autorizado a fazer são os outros, não eu. Mas, repetindo o que a Professora Amanda sempre fala, eu construí a teoria a partir do meu objeto. No início, a única coisa que eu tinha certeza era de que não queria de modo algum uma tese com uma revisão de literatura exaustiva, do tipo em que se reexplica tudo aquilo que os outros já sabem, inclusive aquilo que não vai ser mobilizado analiticamente depois. Acho até que isso se deve à quantidade de trabalhos acadêmicos que já corrigi e formatei. Com isso posto, fui me deixando levar pelo Museu. Ele que foi me dizendo como teorizar, o que era importante de aparecer na revisão teórica, o que deveria ser mobilizado, os recortes que eu podia fazer. Isso leva tempo, claro. Eu só escrevi a tese nos meses finais. Antes, eu passei muito tempo me repetindo sobre o museu e esgotando o que eu poderia saber e o que eu poderia falar sobre ele, pra depois tentar achar uma pergunta de pesquisa. O que mais me incomodava era o patrimônio, porque eu lia muita coisa de outras áreas e não entendia como ligar aquilo com a Análise de Discurso. Não tinha jeito… Então, num belo dia resolvi apelar para a lógica: se a minha pergunta de pesquisa era como significa a língua como patrimônio, em face do Museu da Língua Portuguesa, eu teria que trabalhar com três grandes instâncias – museu, língua e patrimônio. O patrimônio nada mais é do que um artefato de valoração assentado no nosso imaginário social, o museu é o aquilo que guarda o patrimônio, e a língua era o objeto de valor guardado com o qual eu iria trabalhar e que é ‘guardado’ pelo museu. Foi assim que ordenei a tese: do patrimônio ao museu, do museu à língua, da língua como patrimônio pelo museu. Uma instância levando diretamente à outra. Foi aí que eu literalmente me obriguei a refletir sobre o patrimônio, começando a tese pelo que mais me assustava. Depois disso, tudo fluiu. Fora isso, acho que ler é fundamental, mas, principalmente, ter foco no objetivo, não perder ele de vista, e ter bom senso, no sentido de saber quem é o seu leitor, explicar a ele o que é necessário, e saber, também, quando é possível passar adiante, para não produzir um texto cansativo. Na hora da escrita, cada um tem seu método. O meu era ler previamente tudo sobre a temática da parte, quantas vezes fossem necessárias, fazer anotações esquemáticas de como eu ia dar andamento à escrita, marcar tudo que fosse citado. Só parava pra reler quando eu tinha dúvida. Nunca escrevia sem já ter lido tudo o que poderia entrar naquela parte, e acho que isso me ajudou a economizar tempo.                 De onde vem o ponto de partida, o objeto da questão, o problema que mobiliza a teorização, no teu caso, a “língua como patrimônio, nesse lugar específico, que é o Museu da Língua Portuguesa”? Li que você até escreveu algo como “resistência”… A resistência entra no meu trabalho pela dificuldade que tive em tratar de museu e de patrimônio teoricamente, sob o viés da Análise de Discurso. Inclusive, o primeiro capítulo da tese começa com um depoimento em que falo dessa resistência, o que até hoje, pra mim, significa como um pedido de desculpas ao leitor, principalmente àqueles de outras áreas, que trabalham diretamente com o conceito. A ideia de trabalhar com o Museu vem da Professora Amanda. O Museu foi inaugurado ainda quando eu fazia o mestrado, e como eu trabalhava com discurso de vulgarização da língua, ela acreditava que valia a pena eu refletir sobre o museu. No entanto, não foi esse lado da divulgação que pesou quando eu decidi trabalhar com assunto no doutorado. Numa disciplina da professora Eliana, começamos a falar em patrimônio imaterial, e eu fiquei sabendo que a língua é considerada o vetor dos bens dessa categoria. Fiquei ‘doida’ com isso e por muito tempo escrevi sobre, mas isso não era suficiente pra fazer uma tese, porque qualquer um sabe que, na Análise de Discurso, a língua tem materialidade. De qualquer modo, eu queria tratar sobre língua como patrimônio, por causa da questão política atravessada aí, do que isso poderia significar. E, junto a esta questão, estava o meu incômodo com a possibilidade de guardar a língua em um museu. Eu ficava me perguntando como isso era possível, por que um museu para a língua, de onde saiu ‘esta ideia louca’. Então, fiquei me aventurando meio sem rumo por esses caminhos, sem muita precisão, até que, um dia, a professora Carme Schons, em uma reunião de pesquisa no Corpus, falou uma palavrinha mágica: imaginário. A ‘ficha caiu’. Pela questão do imaginário, eu conseguiria desconstruir a ideia de representação de memória e história colada ao objeto e entraria pela questão discursiva, porque o patrimônio é um artefato do nosso imaginário social e significa por um processo discursivo, de efeito de repetibilidade e de estabilidade, sim, mas discursivo. Consequentemente, também era preciso desconstruir o arquivo do museu, para poder observar a língua também enquanto instância discursiva. Foi assim que me encorajei. Esta reflexão sobre o patrimônio está no primeiro capítulo da tese. Diz a Professora Amanda que a tese, aliás, está ali.     Seu trabalho foi muito elogiado na sessão de defesa pela qualidade da escritura, fluidez e conexão de argumentações. São 200 páginas nas quais você, notadamente, dialoga com o leitor.  O que você diria aos acadêmicos para quem escrever ainda é o maior desafio?             Que aceitem as exigências da pesquisa e que se organizem para não serem negligentes nem com o processo nem consigo mesmos, com a sua saúde, com a suas necessidades. Que não tenham medo de escrever o que pensam, temendo que esteja errado. Que comecem por reflexões simples, aquelas primeiras, que parecem bobas. Que sejam leitores do próprio texto. É difícil, mas temos que revisar nosso próprio texto, sempre em atitude de ‘gentileza ao leitor’, como diz a Professora Verli. Eu criei uma rotina, praticamente um horário comercial em que eu tinha que me dedicar a escrever. Nunca escrevia nada sem ler o que vinha antes e em voz alta. Escutar a mim mesma era importante para perceber se o que eu escrevia estava claro ou não, e eu só seguia adiante depois de resolver os problemas. No final, lia tudo de novo, do mesmo jeito. É um exercício de alguém maniático, obviamente, e cansativo, mas não soube fazer de outro jeito. Sempre fui perfeccionista.   Comente sobre o que você viu durante o seu percurso de pesquisa, acerca da instituição UFSM, do PPGL, do Corpus e, principalmente, da política de concessão de bolsas via Capes, isso que de uma maneira geral queremos traduzir entre evoluir, crescer, ampliar ou estagnar, perder, retroceder, enfim…                Eu só recebi coisas boas da instituição. Sempre pude contar com auxílio para participar de eventos e sempre tive bolsa Capes, o que me possibilitou a dedicação à pesquisa e a criação de uma rotina de leitura e escrita. Já ouvi muitos se referirem à universidade como de interior, e geograficamente talvez sejamos, mas, mesmo assim, considero que temos uma estrutura muito boa, principalmente no nosso Programa (PPGL). Temos muitos eventos na casa. O Corpus, por exemplo, está sempre convidando pesquisadores, e isso é muito legal, porque temos a oportunidade de ouvir e de sermos ouvidos, conhecer pessoas sem sair de casa, além, é claro, da experiência de trabalho em laboratório, da organização de eventos. Só não gostava, na minha época de aluna, desde o mestrado, da política de publicação que acabava gerando uma competitividade entre os estudantes. Não gostava de ver as pessoas publicando qualquer coisa ou sempre a mesma coisa só para fazer mais número que o outro, só para aumentar o currículo. Isso, me parece, era uma política geral, mas que não representa a pesquisa. É preciso publicar, mas coisas interessantes, que contribuam, que sejam lidas. Hoje, percebo que isso está mudando, e espero que realmente mude.     E, hoje, o lugar que você ocupa… É muito bom ser professora na instituição em que me formei, ser colega dos meus professores. Eu sequer consigo não chamá-los de professores, porque a minha formação foi responsabilidade deles. A todo momento eles me chamam a atenção a respeito disso, mas não consigo mudar, acho que vai levar um tempo ainda para eu fazer esta passagem. E estou adorando ser professora. Já ministrei muita aula, desde o tempo de estudante de graduação. Fui, inclusive, professora substituta aqui da UFSM. Mas, pela primeira vez, estou dando aula sem que essa atividade seja algo secundário, sem que eu tenha que realizar as coisas correndo. Agora, estou fazendo tudo no meu tempo. Estou achando ‘um barato’ preparar aula, refletir sobre o que vai ser importante para os alunos, sobre como posso auxiliá-los. E estou sem pressa. Quero que a pesquisa, a partir de agora, seja também decorrente disso. Quero tentar sair um pouco da tese, então preciso amadurecer novas ideias. Estou estudando, faço parte de grupo de estudos, continuo no Corpus, e quero que os novos projetos decorram dessas novas relações.   Foi em uma correspondência (e-mail) exultante que a professora Amanda E. Scherer fez dividir com todos a imensa alegria e satisfação de saber que a tese da nossa Larissa M. Cervo,  Língua: patrimônio nosso, é a indicada para representar o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSM para concorrer ao Prêmio CAPES de TESE de 2012. Singularidade que torna absolutamente compreensível a vibração nas linhas seguintes: Bravô Lari ! Valeu o esforço! O trabalho! E todo a tua competência intelectual em tamanho empreendimento. Estamos todos felizes por ti enquanto grupo de colegas!   Então, pensamos em como registrar o feito, a produção, a referência, a indicação que, indiretamente, alcança a todos nós, enquanto grupo. A ideia de uma entrevista está sendo completada com êxito agora graças a contribuição generosa e inspirada com que a professora Larissa nos brindou em suas respostas que são, a meu ver, já dignas de uma orientação que identifica muito bem o compromisso com seu tempo, com os seus colegas, com os que estão embrenhados na tarefa/missão de dar novos rumos a pesquisa no Brasil.   O trabalho de Larissa Montagner Cervo, LÍNGUA, PATRIMÔNIO NOSSO, foi defendido no PPGL/UFSM em 02 de abril de 2012 e versa sobre a significação da língua como patrimônio, a partir de um lugar específico, o Museu da Língua Portuguesa (São Paulo, 2006), escolhido por se constituir como espaço de salvaguarda e comemoração do patrimônio, dando visibilidade à língua nessa condição de objeto simbólico. A língua nesta perspectiva é também valorada no entremeio das práticas dos sujeitos e daquilo que é manifestado como representativo dessa relação, devendo, por isso, fazer parte ou mesmo permanecer nas narrativas da história. Caminho a ser percorrido envolve a desconstrução do arquivo e da memória de arquivo deste museu em direção à constituição da língua como patrimônio, com valor de memória histórica e em sua significação política, alusiva à universalização significada no conceito de patrimônio e no slogan do museu, ‘a língua é o que nos une’.   Com vocês, uma entrevista prazerosa de ler e extremamente proveitosa ao nosso cotidiano de pesquisa.   Apropriadamente, você já dividiu e atribuiu o mérito a sua orientadora, Prof.ª Amanda Scherer. Fale um pouco dessa relação/orientação com uma professora que tem já uma história/contribuição volumosa e proeminente na UFSM.   A Professora Amanda é minha orientadora desde sempre. Foi minha orientadora na especialização, no mestrado e no doutorado. Nessas três etapas, o processo de orientação foi o mesmo: vá a eventos; publique; assista às defesas de teses e dissertações; leia outras teses e dissertações da área para aprender a fazer a sua (ela dizia: ‘Não se faz tese sem ter lido pelo menos três outras teses que abordam o tema’); cite os seus colegas, como mostra de respeito à produção deles e a do grupo como um todo; leia tudo o que for necessário; crie uma rotina de estudo; e cumpra o prazo. Foi difícil para eu entrar nesse ritmo, porque eu resistia demais à escrita, principalmente no início do meu percurso de pesquisa, quando comecei a trabalhar com a Análise de Discurso. Eu achava o aparato teórico muito complexo, fazer análise era sofrido para mim, então eu não acompanhava o calendário de atividades com o rigor que era exigido. Nesse percurso, tenho certeza de que a Professora Amanda foi fundamental para o meu amadurecimento, por várias razões. Uma delas, marcante, era a ida a eventos. Às vezes, quando a gente achava que ela estava preocupada com outras coisas porque não havia nos cobrado texto, ela insistia muito para irmos a eventos e para publicarmos. Por um lado, isso era ótimo porque ela tem muitos contatos e é muito bem recebida em várias instituições, o que favorecia o contato e as trocas com outras pesquisas e outros pesquisadores. Por outro, afora o benefício da escuta, em eventos você é obrigado a pensar sobre o seu próprio trabalho para se fazer entender frente aos outros, e sempre há contribuição, sempre há alguém que instiga você a reorganizar, a repensar, a reordenar e redefinir o seu próprio trabalho. Incomodava-me um pouco essa história de falar em público falando de uma pesquisa da qual eu mesma não tinha clareza, mas, hoje, entendo a lógica: tendo de falar em público, você se obriga a tocar em questões que não estão bem pontuadas, que são difíceis, e isso vai se somando ao processo de orientação até que, aos poucos, o trabalho vai se redesenhando e você encontra um objetivo. Outra coisa que sempre achei bacana é que ela sempre nos encorajou a ler o que fosse preciso. Isso é uma característica dela enquanto sujeito: querer conhecer, querer saber, e ler, ler, ler. Ela adora ler e jamais disse que não deveríamos ler um autor ou outro. Pelo contrário, ‘leiam para saberem do que se trata’. ‘Ouçam a fala dos colegas, mesmo que eles não tratem do que vocês tratam, porque é falta de respeito não saber o que o colega faz’. A única coisa que ela cobrava era que pontuássemos bem as relações e que tratássemos de todas com o devido fundamento. Essa liberdade, indiretamente, acaba ensinando a pessoa a se responsabilizar pela sua própria autoria, pelo que diz, pelo modo como refere o trabalho do outro. Isso ensina o sujeito a tecer relações, não sendo alheio ao que está sendo produzido na sua volta, o que, para mim, é primordial ao pesquisador. Enfim, eu só aprendi, só beneficiei com a experiência e a sabedoria da minha orientadora. Tenho várias lembranças, até de reunião para sabermos como deveríamos nos comportar em eventos e defesas! Hoje, sinto que ainda preciso do aval dela para muita coisa. Tenho certeza que ela continua tendo expectativas quanto a mim e que vai me orientar sempre que eu precisar.     Como se dá a construção metodológica e teórica de um trabalho desse porte? Penso em dizer para aqueles acadêmicos que estão no começo ou para os que querem entrar no círculo da “pesquisa”…             Bom, não vou me posicionar quanto ao ‘porte’. Isso quem está autorizado a fazer são os outros, não eu. Mas, repetindo o que a Professora Amanda sempre fala, eu construí a teoria a partir do meu objeto. No início, a única coisa que eu tinha certeza era de que não queria de modo algum uma tese com uma revisão de literatura exaustiva, do tipo em que se reexplica tudo aquilo que os outros já sabem, inclusive aquilo que não vai ser mobilizado analiticamente depois. Acho até que isso se deve à quantidade de trabalhos acadêmicos que já corrigi e formatei. Com isso posto, fui me deixando levar pelo Museu. Ele que foi me dizendo como teorizar, o que era importante de aparecer na revisão teórica, o que deveria ser mobilizado, os recortes que eu podia fazer. Isso leva tempo, claro. Eu só escrevi a tese nos meses finais. Antes, eu passei muito tempo me repetindo sobre o museu e esgotando o que eu poderia saber e o que eu poderia falar sobre ele, pra depois tentar achar uma pergunta de pesquisa. O que mais me incomodava era o patrimônio, porque eu lia muita coisa de outras áreas e não entendia como ligar aquilo com a Análise de Discurso. Não tinha jeito… Então, num belo dia resolvi apelar para a lógica: se a minha pergunta de pesquisa era como significa a língua como patrimônio, em face do Museu da Língua Portuguesa, eu teria que trabalhar com três grandes instâncias – museu, língua e patrimônio. O patrimônio nada mais é do que um artefato de valoração assentado no nosso imaginário social, o museu é o aquilo que guarda o patrimônio, e a língua era o objeto de valor guardado com o qual eu iria trabalhar e que é ‘guardado’ pelo museu. Foi assim que ordenei a tese: do patrimônio ao museu, do museu à língua, da língua como patrimônio pelo museu. Uma instância levando diretamente à outra. Foi aí que eu literalmente me obriguei a refletir sobre o patrimônio, começando a tese pelo que mais me assustava. Depois disso, tudo fluiu. Fora isso, acho que ler é fundamental, mas, principalmente, ter foco no objetivo, não perder ele de vista, e ter bom senso, no sentido de saber quem é o seu leitor, explicar a ele o que é necessário, e saber, também, quando é possível passar adiante, para não produzir um texto cansativo. Na hora da escrita, cada um tem seu método. O meu era ler previamente tudo sobre a temática da parte, quantas vezes fossem necessárias, fazer anotações esquemáticas de como eu ia dar andamento à escrita, marcar tudo que fosse citado. Só parava pra reler quando eu tinha dúvida. Nunca escrevia sem já ter lido tudo o que poderia entrar naquela parte, e acho que isso me ajudou a economizar tempo.                 De onde vem o ponto de partida, o objeto da questão, o problema que mobiliza a teorização, no teu caso, a “língua como patrimônio, nesse lugar específico, que é o Museu da Língua Portuguesa”? Li que você até escreveu algo como “resistência”… A resistência entra no meu trabalho pela dificuldade que tive em tratar de museu e de patrimônio teoricamente, sob o viés da Análise de Discurso. Inclusive, o primeiro capítulo da tese começa com um depoimento em que falo dessa resistência, o que até hoje, pra mim, significa como um pedido de desculpas ao leitor, principalmente àqueles de outras áreas, que trabalham diretamente com o conceito. A ideia de trabalhar com o Museu vem da Professora Amanda. O Museu foi inaugurado ainda quando eu fazia o mestrado, e como eu trabalhava com discurso de vulgarização da língua, ela acreditava que valia a pena eu refletir sobre o museu. No entanto, não foi esse lado da divulgação que pesou quando eu decidi trabalhar com assunto no doutorado. Numa disciplina da professora Eliana, começamos a falar em patrimônio imaterial, e eu fiquei sabendo que a língua é considerada o vetor dos bens dessa categoria. Fiquei ‘doida’ com isso e por muito tempo escrevi sobre, mas isso não era suficiente pra fazer uma tese, porque qualquer um sabe que, na Análise de Discurso, a língua tem materialidade. De qualquer modo, eu queria tratar sobre língua como patrimônio, por causa da questão política atravessada aí, do que isso poderia significar. E, junto a esta questão, estava o meu incômodo com a possibilidade de guardar a língua em um museu. Eu ficava me perguntando como isso era possível, por que um museu para a língua, de onde saiu ‘esta ideia louca’. Então, fiquei me aventurando meio sem rumo por esses caminhos, sem muita precisão, até que, um dia, a professora Carme Schons, em uma reunião de pesquisa no Corpus, falou uma palavrinha mágica: imaginário. A ‘ficha caiu’. Pela questão do imaginário, eu conseguiria desconstruir a ideia de representação de memória e história colada ao objeto e entraria pela questão discursiva, porque o patrimônio é um artefato do nosso imaginário social e significa por um processo discursivo, de efeito de repetibilidade e de estabilidade, sim, mas discursivo. Consequentemente, também era preciso desconstruir o arquivo do museu, para poder observar a língua também enquanto instância discursiva. Foi assim que me encorajei. Esta reflexão sobre o patrimônio está no primeiro capítulo da tese. Diz a Professora Amanda que a tese, aliás, está ali.     Seu trabalho foi muito elogiado na sessão de defesa pela qualidade da escritura, fluidez e conexão de argumentações. São 200 páginas nas quais você, notadamente, dialoga com o leitor.  O que você diria aos acadêmicos para quem escrever ainda é o maior desafio?             Que aceitem as exigências da pesquisa e que se organizem para não serem negligentes nem com o processo nem consigo mesmos, com a sua saúde, com a suas necessidades. Que não tenham medo de escrever o que pensam, temendo que esteja errado. Que comecem por reflexões simples, aquelas primeiras, que parecem bobas. Que sejam leitores do próprio texto. É difícil, mas temos que revisar nosso próprio texto, sempre em atitude de ‘gentileza ao leitor’, como diz a Professora Verli. Eu criei uma rotina, praticamente um horário comercial em que eu tinha que me dedicar a escrever. Nunca escrevia nada sem ler o que vinha antes e em voz alta. Escutar a mim mesma era importante para perceber se o que eu escrevia estava claro ou não, e eu só seguia adiante depois de resolver os problemas. No final, lia tudo de novo, do mesmo jeito. É um exercício de alguém maniático, obviamente, e cansativo, mas não soube fazer de outro jeito. Sempre fui perfeccionista.   Comente sobre o que você viu durante o seu percurso de pesquisa, acerca da instituição UFSM, do PPGL, do Corpus e, principalmente, da política de concessão de bolsas via Capes, isso que de uma maneira geral queremos traduzir entre evoluir, crescer, ampliar ou estagnar, perder, retroceder, enfim…                Eu só recebi coisas boas da instituição. Sempre pude contar com auxílio para participar de eventos e sempre tive bolsa Capes, o que me possibilitou a dedicação à pesquisa e a criação de uma rotina de leitura e escrita. Já ouvi muitos se referirem à universidade como de interior, e geograficamente talvez sejamos, mas, mesmo assim, considero que temos uma estrutura muito boa, principalmente no nosso Programa (PPGL). Temos muitos eventos na casa. O Corpus, por exemplo, está sempre convidando pesquisadores, e isso é muito legal, porque temos a oportunidade de ouvir e de sermos ouvidos, conhecer pessoas sem sair de casa, além, é claro, da experiência de trabalho em laboratório, da organização de eventos. Só não gostava, na minha época de aluna, desde o mestrado, da política de publicação que acabava gerando uma competitividade entre os estudantes. Não gostava de ver as pessoas publicando qualquer coisa ou sempre a mesma coisa só para fazer mais número que o outro, só para aumentar o currículo. Isso, me parece, era uma política geral, mas que não representa a pesquisa. É preciso publicar, mas coisas interessantes, que contribuam, que sejam lidas. Hoje, percebo que isso está mudando, e espero que realmente mude.     E, hoje, o lugar que você ocupa… É muito bom ser professora na instituição em que me formei, ser colega dos meus professores. Eu sequer consigo não chamá-los de professores, porque a minha formação foi responsabilidade deles. A todo momento eles me chamam a atenção a respeito disso, mas não consigo mudar, acho que vai levar um tempo ainda para eu fazer esta passagem. E estou adorando ser professora. Já ministrei muita aula, desde o tempo de estudante de graduação. Fui, inclusive, professora substituta aqui da UFSM. Mas, pela primeira vez, estou dando aula sem que essa atividade seja algo secundário, sem que eu tenha que realizar as coisas correndo. Agora, estou fazendo tudo no meu tempo. Estou achando ‘um barato’ preparar aula, refletir sobre o que vai ser importante para os alunos, sobre como posso auxiliá-los. E estou sem pressa. Quero que a pesquisa, a partir de agora, seja também decorrente disso. Quero tentar sair um pouco da tese, então preciso amadurecer novas ideias. Estou estudando, faço parte de grupo de estudos, continuo no Corpus, e quero que os novos projetos decorram dessas novas relações.  

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