NPPDI – NÚCLEO DE PESQUISA E PRÁTICAS EM DIREITO INTERNACIONAL (CNPQ/UFSM) (NPPDI)
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O direito internacional é um instrumento da política internacional, se configurando em um conjunto de normas, de discursos e de técnicas que os sujeitos e os atores internacionais utilizam para regrar as suas relações e perseguir certas finalidades sociais. Longe de ser uma simples técnica jurídica neutra, ele é, e sempre foi, a projeção internacional dos valores e dos interesses dos atores dominantes da sociedade internacional.
A partir do momento que a estrutura da sociedade internacional vai se modificando, a estrutura e a função do direito internacional também vão sofrendo severas transformações – ou pelo menos, deveriam sofrê-las, a fim de reproduzir os valores contemporâneos da liberdade e igualdade entre os Estados. Desde o fim da era das descolonizações (1960 e 1970) e o fim da Guerra-Fria (1991), há uma crescente demanda por justiça na sociedade internacional. As três maiores formas de iniquidade global são a desigualdade socioeconômica (1), a opressão da diversidade cultural e de identidade (2) e a subalternização dos saberes e práticas político-jurídicas (3). Como resposta à primeira forma de injustiça, tem se desenvolvido desde a década de 60 do século XX o Direito Internacional do Desenvolvimento, como enfrentamento à segunda forma de injustiça tem se construído o Direito Internacional do Reconhecimento, e, mais recentemente, para ir de encontro à terceira forma de injustiça internacional, tem se desenvolvido o Direito Internacional da Decolonialidade.
Partindo do pressuposto que estas três formas de injustiça se perpetuam na América Latina através do direito internacional e das organizações internacionais contemporâneas, o NPPDI propõe uma reflexão à pesquisa e à prática no âmbito do direito internacional objetivando fomentar a construção de outras bases epistemológicas e regras metodológicas para o conhecimento jurídico na área.
A injustiça socioeconômica ganhou visibilidade a partir das descolonizações das décadas de 1960 e seguintes, que mostraram um abismo entre a igualdade formal e a desigualdade material entre os Estados. A pobreza, a fome, o desemprego, a insegurança no trabalho e o abismo social entre cidadãos dos países do Norte e do Sul passaram a chamar a atenção da sociedade internacional. Os sucessivos Relatórios sobre os Países Menos Desenvolvidos, elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), tem revelado que as medidas de apoio internacional aos países subdesenvolvidos têm falhado sistematicamente na tarefa de acelerar seu crescimento e desenvolver as mudanças necessárias para acudir os Estados mais pobres. Nessa seara, desde o final da Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento econômico tem sido o parâmetro principal para analisar as desigualdades entre Estados e pessoas, mesmo que se baseie em uma degradante noção cultural entre desenvolvidos e não desenvolvidos que remete às dicotomias do período colonial. Entretanto, a partir do fim da Guerra Fria, o direito internacional do desenvolvimento se transformou em pelo menos dois aspectos, os quais são objetos das pesquisas no âmbito do NPPDI. Em primeiro lugar o modelo de desenvolvimento por ele tutelado passa a ser multidimensional (humano, social, ambiental, econômico) e intergeracional (levando em conta os interesses e necessidades das futuras gerações). Em segundo lugar, o novo direito internacional do desenvolvimento não se preocupa apenas com os Estados, mas também com os indivíduos e a sociedade civil organizada, razão pela qual desafia as próprias bases do direito internacional clássico, interestatal, ao impor aos Estados um modelo específico de desenvolvimento que se baseia nos direitos fundamentais do ser humano.
As pesquisas do NPPDI buscam refletir sobre a evolução do direito internacional do desenvolvimento, bem como buscar soluções jurídicas para a injustiça socioeconômica internacional. Este enfoque privilegia abordagens teóricas e práticas nos seguintes temas:
1) Direito internacional econômico;
2) Direito da integração regional;
3) Impacto do direito internacional da construção de políticas públicas locais;
4) Cooperação internacional para o desenvolvimento;
A segunda forma de injustiça propagada na sociedade internacional – opressão da diversidade cultural e de identidade –, faz com que populações nativas, grupos étnicos, minorias e mulheres não tenham reconhecimento legal da sua igual dignidade, assim como não disfrutam da proteção judicial da sua identidade e diferença. Para enfrentar este problema, o Direito Internacional do Reconhecimento trata de (1) promover o reconhecimento jurídico dos interesses destas populações, (2) controlar, através do órgãos estatais, internacionais e não governamentais, a atuação de atores públicos e privados no que concerne a observância deste reconhecimento e (3) garantir – através da atuação dos tribunais jurídicos domésticos e internacionais – a reparação (moral e financeira) e o resgate da memória e da verdade no que se refere às sucessivas violações das suas identidades e confiscos das suas propriedades e terras.
O conceito de Direito Internacional do Reconhecimento foi criado em 2012 por Emmanuelle Jouannet para se referir a uma nova demanda por justiça internacional que engloba todas as práticas, discursos e normas jurídicas baseadas no respeito do direito do outro. Este respeito é traçado de duas formas. Primeiramente, consiste no reconhecimento de igual dignidade de pessoas e grupos sociais historicamente vulnerabilizados. Este reconhecimento de status jurídico e direitos de similar importância a todos os sujeitos do direito internacional busca reconhecer e respeitar as identidades e as diferenças culturais. Em segundo lugar está o reconhecimento do status jurídico daqueles que historicamente foram privados do direito a ter direitos, como animais não humanos e o meio ambiente. Portanto, o Direito Internacional do Reconhecimento pode contribuir para pôr fim a situações de humilhação, de falta de autoestima (sociedade indecente) e de discriminação em geral (sociedade injusta).
As pesquisas do NPPDI buscam refletir sobre o Direito Internacional do Reconhecimento tanto de forma teórica quanto prática, nos seguintes temas:
1) Impacto dos tratados internacionais protetivos de direitos humanos na construção de políticas públicas locais;
2) Papel do direito internacional na promoção, controle e garantia de direitos humanos;
3) Cooperação internacional para a tutela de direitos humanos na América Latina;
4) Entrecruzamento entre o direito internacional e o direito interno no reconhecimento da identidade e diferença daquele(a)s que historicamente foram negligenciado(a)s pelos esquemas jurídicos ocidentais.
A academia e a prática do direito internacional na América Latina reproduzem de forma acrítica as teorias e técnicas que provêm das estruturas de poder projetadas a partir da matriz cultural de poder colonial. Contra isso, o Direito Internacional da Decolonialidade quer questionar as fundações coloniais do direito internacional para investigar (1) de que forma ela acontece até hoje – ou sobretudo hoje? – e (2) quais os caminhos para a sua descolonização, tanto da disciplina quanto da técnica. A partir de diferentes teorias e técnicas, o NPPDI quer repensar os pressupostos históricos, político-culturais e teórico-conceituais acerca das origens e fundações do direito internacional, para investigar o seu impacto no direito internacional latino-americano e questionar o euro centrismo que marca a construção normativa-institucional deste regime. As pesquisas sobre o colonialismo do direito internacional desenvolvidas pelo NPPDI se dão em três perspectivas. Primeiramente investiga-se de que forma o direito internacional ainda hoje é utilizado para perpetrar os interesses dos países do Norte sobre os interesses dos países do Sul. Em segundo lugar investiga-se de que forma a perpetração da lógica colonial também acontece através da atuação das empresas transnacionais na América Latina. Em terceiro lugar, deve-se investigar a colonialidade epistêmica a que está subjugada a academia jus internacionalista latino-americana, mais consumidora do que produtora de conhecimento na área do direito internacional.
Por ser um conjunto vasto de discursos e práticas, o Direito Internacional da Decolonialidade critica as estruturas normativas postas a partir de diferentes matrizes teóricas e aportes metodológicos, como feminismo, teoria queer, teoria crítica, a abordagem terceiro-mundista do direito internacional (TWAIL).
As pesquisas conduzidas no âmbito do NPPDI querem refletir sobre o Direito Internacional da Decolonialidade tanto de forma teórica quanto prática, nos seguintes temas:
1) Impacto do Direito Internacional na manutenção da lógica da colonialidade na América Latina;
2) Possibilidades do Direito Internacional da Decolonialidade na reconstrução do discurso jurídico-político internacional “da” e “para a” América Latina;
3) Atuação de atores públicos (domésticos e internacionais) privados (empresas transnacionais) na manutenção da exploração na América Latina;
4) Desenvolvimento de novos aportes teóricos-cognitivos para promover uma ruptura epistêmica do Direito Internacional;