por Dra. Bárbara Loureiro Andretta
O 143º Seminário de Estudos Avançados, “Entre o luto e o desejo: as mulheres
na Trilogia da Terra Espanhola, de Federico García Lorca”, tem como principal
objetivo fomentar a discussão sobre as obras dramáticas de Federico García Lorca no
âmbito da Literatura Comparada, em especial, acerca da relação entre o contexto
histórico vivenciado por Federico García Lorca e a produção de sua Trilogia Dramática
da Terra Espanhola. Objetiva-se, ainda, analisar contexto vivenciado pelas mulheres,
discutindo acerca da repressão e controle aos corpos e desejos femininos.
No que diz respeito às peças que compõe a Trilogia da Terra Espanhola, deve-se
destacar que esta trilogia é composta pelas obras Bodas de sangue (1932), Yerma (1934)
e A casa de Bernarda Alba (1936). Salienta-se que, de acordo com Mario González
(2013), A casa de Bernarda Alba não teria sido pensada por García Lorca para integrar
uma trilogia juntamente com Bodas de sangre e Yerma; os críticos a integraram àquelas
duas, nomeando o conjunto de Trilogia da Terra Espanhola, devido às afinidades das
três peças, visto que as três se referem a camponeses espanhóis e porque, nos três casos,
é possível identificar o meio geográfico-cultural como próprio da região da Andaluzia
(GONZÁLEZ, 2013). Além disso, as três peças são baseadas em fatos reais.
Em Bodas de Sangue, tem-se a história da fuga da Noiva com seu primo, o
jovem Leonardo, no dia de seu casamento com o Noivo e a consequente morte de
Leonardo e do Noivo, uma vez que este último persegue o casal até encontrá-los. A
Noiva, por sua vez, acaba sendo “condenada” à viuvez, pois foi uma mulher que ousou
transgredir as normas religiosas e sociais em sua relação com os homens pois, ao
abandonar o Noivo e fugir com seu primo Leonardo, também desobedeceu a seu pai e
todo o contrato social e religioso que sustentava o casamento arranjado ao qual foi
prometida.
Yerma, a segunda peça da trilogia, apresenta a história da jovem Yerma, uma
mulher que deseja ser mãe, porém, é casada com Juan, um homem incapaz de fecundá-
la, e que ao final da peça, acaba sendo assassinado por ela. Esta é uma peça que se apoia
na realidade social e cultural da Espanha de García Lorca e, tem como forte exemplo
disso, o quadro final da peça, que evoca a romaria então conhecida como “romaria do
Cristo do pano”: uma romaria que ainda hoje acontece, anualmente, no primeiro
domingo de outubro, em Moclín, perto de Granada. Em tal romaria, os romeiros
reverenciavam uma imagem de Jesus carregando a cruz, estampada em um pano. A essa
imagem era atribuído o poder de curar a esterilidade feminina. Entretanto, tudo indica
que os ‘milagres’ que ocorriam no que se refere à fertilização das mulheres que iam à
romaria estavam muito mais relacionadas às festas ao ar livre, nas quais, as mulheres
férteis de maridos estéreis acabavam sendo fecundadas por outros ‘romeiros’, que
compareciam à romaria sabidamente com essa intenção (GONZÁLEZ, 2013).
Em A casa de Bernarda Alba, García Lorca teria se inspirado em fatos reais,
assim como o fez para escrever Bodas de sangre e Yerma. De acordo com o próprio
García Lorca, na localidade de Valderrubio, onde os pais do dramaturgo tinham uma
casa, vivia uma senhora chamada Frasquita Alba, viúva e mãe de quatro filhas, as quais
eram tiranicamente controladas pela mãe. O tio de García Lorca vivia em uma casa de
fundos com a casa de Frasquita Alba e com ela dividia o poço de água, seco à época, do
qual García Lorca se aproveitou para ouvir o que se passava dentro da casa das Alba e,
assim, conhecer detalhes da vida dessas meninas, que viviam um drama muito
semelhante ao que García Lorca expôs em sua peça. Dessa realidade, García Lorca
tomou o sobrenome da família e os nomes de Adela e Pepe (GONZÁLEZ, 2013). O
controle tirânico exercido por Bernarda sobre sua família impede que suas filhas tenham
um mínimo de autonomia para gerenciar suas vidas e satisfazer seus desejos. Assim,
neste ambiente altamente repressivo e reprimido, desenvolve-se a tragédia que se abate
sobre estas mulheres e envolve, como pomo da discórdia, Pepe, o único homem que
consegue se aproximar da casa e se torna objeto de desejo de três filhas de Bernarda.
Por fim, impedida de se envolver com o homem que ama e, principalmente, ao ver
escapar suas tentativas de se libertar do controle materno, Adela, a filha mais jovem de
Bernarda, tira a própria vida em um momento de desespero.
As obras da Trilogia da Terra Espanhola nos trazem uma importante reflexão
acerca do destino das mulheres quando tentam assumir o controle de suas vidas em uma
sociedade patriarcal e fortemente calcada em sólidos valores religiosos e sociais, que
determinam o que pode e o que não pode ser feito pelas mulheres. Nas três peças em
questão, temos casos de mulheres que precisam lidar com os mais variados tipos de
dores humanas: o luto pelos entes queridos; ser condenada a um futuro solitário,
considerando a época em que as histórias se passam, por meio da viuvez, da
impossibilidade de realizar seus desejos e controlar minimamente suas vidas com certa
autonomia e, por fim, o suicídio e o enlouquecimento, como situações extremas de
tentar escapar do controle e da repressão.
GARCÍA LORCA, Federico. Bodas de sangre. In: GARCÍA LORCA, Federico. Obras
Completas. Madrid: Aguilar, 1955, p. 1081-1182.
GARCÍA LORCA, Federico. Yerma. In: GARCÍA LORCA, Federico. Obras
Completas. Madrid: Aguilar, 1955, p. 1183-1260.
GARCÍA LORCA, Federico. La casa de Bernarda Alba. In: GARCÍA LORCA,
Federico. Obras Completas. Madrid: Aguilar, 1955, p. 1349-1442.
GARCÍA LORCA, Federico. Trilogia da Terra Espanhola: ‘Bodas de sangue’, ‘Yerma’
e ‘A casa de Bernarda Alba’ – Tradução anotada e comentada. Tradução de Luciana
Ferrari Montemezzo. Porto Alegre: Bestiário/ Class, 2022.
GONZÁLEZ, Mário. Trilogia da Terra Espanhola de Federico García Lorca. EDUSP:
São Paulo, 2013