Orientadora: Profa. Dra. Giuliana Redin
A educação é um tema de todos e todas. De uma forma ou outra, todos e todas se importam sobre os rumos da educação no país, seja pela preocupação com os filhos, com a juventude, com os valores e saberes que estão sendo ensinados ou também pela ideia de que “a educação pode mudar o mundo”. No entanto, os dados mostram que a maioria dos jovens de escolas públicas que terminam o ensino médio no Brasil não conseguem acessar o ensino superior, mostrando outra face do debate sobre educação no país: das desigualdades, injustiças e necessidade urgente de democratização. Além disso, quando falamos na população negra, são ainda maiores as barreiras para que esses jovens possam ingressar na faculdade, reflexo de anos de escravidão, exclusão social e discriminação. Em razão desse cenário, governos, sociedade civil, professores e estudantes de todo país discutem e lutam para promoção de políticas públicas de inclusão, como as leis de cotas e ações afirmativas, com o objetivo de diminuir as profundas desigualdades no acesso ao ensino público superior.
Atualmente, com a chegada das populações de imigrantes e refugiados no Brasil, principalmente de países da África, Oriente Médio e América Latina, o tema da educação e do acesso ao ensino superior ganha novos contornos: como garantir o direito à educação e como acolher respeitando e promovendo a diversidade dos povos migrantes? Segundo a legislação, refugiados(as) são pessoas que saem do seu país de maneira forçada, por questões de guerra, perseguição ou graves violações de direitos e, por isso, buscam acolhida para reconstruir suas vidas em outros locais. No caso dos(as) imigrantes, muitos enfrentam dificuldades de acesso a direitos básicos em seus países e, por isso, migram para outros lugares em busca de oportunidades de trabalho, estudo, melhores condições de vida para si e sua família.
Retornando ao tema da educação, em atenção aos dados quantitativos, a Agência da ONU para Refugiados afirmou que somente 3% da população refugiada têm acesso ao ensino superior hoje. Na realidade brasileira, somente 225 pessoas nessa condição estão matriculadas em instituições de ensino superior. As principais dificuldades e barreiras que imigrantes e refugiados enfrentam para ingressar na universidade são: as dificuldades com o idioma, o desconhecimento da cultura e práticas locais, as questões burocráticas e documentais, a vulnerabilidade econômica e social, o preconceito e a xenofobia.
Diante desse contexto, muitas universidades brasileiras estão adotando procedimentos diferenciados para facilitar o ingresso de refugiados(as) ou imigrantes em situação de vulnerabilidade, conforme a legislação nacional e internacional, como forma de garantir a integração e inclusão econômica e produtiva dessas populações na sociedade local. Esse é o caso da Universidade Federal de Santa Maria que, em 2016, aprovou uma política para ingresso de refugiados(as) e imigrantes em situação de vulnerabilidade na instituição, com possibilidade de criação de até 5% de vagas suplementares nos cursos de graduação, técnicos e tecnólogos. Por meio dessa nova ação afirmativa, nos anos de 2017 e 2018, a UFSM recebeu 56 estudantes na condição de refugiados(as) e imigrantes em situação de vulnerabilidade, sendo de 15 diferentes nacionalidades e matriculados em 23 cursos de graduação.
Assim, na pesquisa de dissertação “Fronteiras da igualdade” buscamos dialogar com alguns desses estudantes de modo a entender melhor suas principais dificuldades, desafios e contribuições no contexto dos cursos de graduação da UFSM. Por meio de entrevistas e narrativas, os(as) estudantes relataram sobre as dificuldades em chegar no Brasil e como a condição de estrangeiro refletiu nas suas oportunidades de trabalho e estudo no país. Mesmo com tantas barreiras, por meio da política de ingresso da UFSM, idealizada e construída em atenção às condições específicas de quem vivencia a migração, esses(as) estudantes puderam continuar ou iniciar os estudos no ensino superior.
Sobre as suas experiências na instituição, os relatos dos(as) estudantes revelaram também que ainda são muitos os desafios para acolhida, principalmente em razão das situações de preconceito, racismo e xenofobia vivenciadas em sala de aula. Todos(as) os imigrantes e refugiados(as) com quem conversamos relataram situações de exclusão e isolamento nas atividades de grupo em sala de aula e o estranhamento por parte de alguns colegas e professores. Na fala de um dos imigrantes entrevistados: “Na turma a acolhida não foi tão boa, a começar a falar com as pessoas levou um tempo, a turma era fechada no início. Tive só um pequeno problema nos trabalhos em grupo, tipo ninguém me conhecia, alguns tem um certo preconceito, então não queriam muito fazer comigo os primeiros trabalhos.” Outras narrativas foram similares, revelando como o encontro com o diferente pode causar medo, estranhamento e impedir novas possibilidades de trocas culturais, saberes e conhecimentos.
Apesar dessa realidade, a pesquisa e as entrevistam também apresentaram novas perspectivas a partir da experiência dos imigrantes e refugiados, principalmente com relação ao caráter social, público e coletivo do acesso à educação, da produção do conhecimento e da ciência. Desde que ingressaram na instituição, dois grupos de estudantes nacionais do Haiti criaram projetos de pesquisa, ensino e extensão nas áreas de saúde e engenharia elétrica, com o objetivo de proporcionar novos olhares sobre os temas, trocas de experiências entre professores, estudantes e alunos(as), bem como de impactar positivamente a realidade local no Brasil e no seu país, Haiti. Esses novos estudantes, cujas fronteiras não são só para chegar ao país, mas também para acessar direitos importantes como a educação, representam também uma oportunidade para as universidades brasileiras na atualidade, em especial diante de tantos ataques e dificuldades, para novos caminhos, mais democráticos, diversos e plurais.