Francieli Iung Izolani – franizolani@hotmail.com
Nesta sociedade intitulada avançada em que a liberdade de escolha deveria predominar, bem como o pensamento complexo, as melhores técnicas de manipulação da ciência são utilizadas para a obtenção de lucro, acabando por submeter a natureza ao ritmo desenfreado de industrialização, extraindo seus recursos com o fim exclusivo de desenvolvimento econômico, constituído de um único caminho a ser trilhado, assumindo e criando ameaças e riscos com efeitos incomensuráveis a todo o ecossistema, como ocorre com a produção agrícola no Sul Social, baseada em commodities, provocando riscos alimentares e à segurança alimentar, que são ocultados, desqualificados e negados.
Ao contrário da liberdade de escolha e do amplo acesso à informação, o modelo desenvolvimentista para a produção agrícola em países como o Brasil, localizado no Sul Social, foi e é colonizado para fornecer as matérias-primas interessantes ao mercado internacional, supostamente modernizando a forma de produção, calcado na relação entre tecnologia e sustentabilidade, passando a comprometer gerações futuras, através de inúmeras consequências dos venenos usados nas monoculturas agrícolas, como o esgotamento dos recursos naturais, o excesso de poluição, a incerteza em termos de saúde coletiva pelo uso de transgênicos, agrotóxicos, insumos e demais fertilizantes criados pela desinteligência laboratorial.
Ademais, este sistema agrícola imposto pela globalização e, aceito pela sociedade atual, que é do risco, calca-se na produção tecnológica e artificial, com alimentos cada vez menos diversificados, mas produzidos em larga escala, voltando-se à quantidade ao invés da qualidade, subjugando o alimento à condição de mercadoria, afetando também a sociobiodiversidade, causando a agrointoxicação aos consumidores, comprometendo vários sistemas interligados ao direito à segurança alimentar e impedindo a sua realização.
Nesse contexto, quais são os limites e possibilidades para a concretização do direito à segurança alimentar baseado no acesso à informação ambiental como condição para a reversão de um cenário de agrointoxicação no consumo de produtos hortifrutigranjeiros não orgânicos?
Para se chegar a uma resposta, deve-se partir de uma abordagem sistêmico-complexa, tendo como autores de base Edgar Morin e Fritjof Capra. É necessária uma abordagem interdisciplinar e em sinergia com diferentes áreas, quais sejam Direito, economia, política, cultura e ecologia porque a ciência jurídica isolada não é mais capaz de responder às demandas da problemática socioambiental, especialmente sobre o direito à segurança alimentar em um panorama de agrointoxicação no consumo de produtos hortifrutigranjeiros.
Outrossim, além de a pesquisa dialogar com autores, também devem ser considerados dados, especialmente, os contidos no Dossiê Abrasco e relatórios da Anvisa, como o Programa de Análise de Resíduos em Alimentos (PARA), e no LARP, para solucionar a problematização do presente estudo, identificando efeitos pela utilização de agrotóxicos na produção de hortifrutigranjeiros, percentual de resíduos e efeitos sofridos em decorrência do consumo.
Primeiramente, deve-se refletir sobre a sociedade de risco na era contemporânea pela escolha da produção de hortifrutigranjeiros com agrotóxicos enquanto reflexo do processo de globalização da natureza e da crise da segurança alimentar, contextualizando-a no modelo atual brasileiro. Necessário um diálogo com autores como Anthony Giddens, Ulrich Beck e Marie Angèle Hermitte para tratar da sociedade de risco, agregando para o enfoque da globalização e da crise da sustentabilidade, Carlos Walter Porto-Gonçalves, Paolo Bifani, Enrique Leff e, Renato Sérgio Jamil Maluf e Laíse Graff, no que tange à segurança alimentar.
Cabe destacar que o processo de globalização é um fenômeno complexo da atualidade, espraiado em diversas searas, não se encontrando restrito a uma mundialização apenas da economia, sua área de origem, mas também da cultura, da política e da sociedade, o que reflete na continuidade da dominação hegemônica do Norte sobre o Sul Social, a partir da dinamicidade do próprio fenômeno globalizatório.
Houve a mercadorização desses alimentos, que estão cada vez menos diversificados, com menos qualidade, repletos de resíduos de agrotóxicos, refletindo inúmeras negatividades sobre a sociobiodiversidade, a saúde coletiva, ocasionando a agrointoxicação, não menos, comprometendo os sistemas interligados ao direito à segurança alimentar, impedindo que ocorra a sua realização.
Entretanto, isso somente foi possível pela falta de pensamento complexo desta sociedade do Sul Social que se intitula avançada, ao mesmo tempo que prega um desenvolvimento econômico como forma de progredir, como se estivesse abaixo do Norte Social e, dessa forma, a liberdade de escolha que deveria predominar e compreensão interdisciplinar, dão espaço à colonialidade, fazendo com que as melhores técnicas de manipulação da ciência sejam utilizadas para a obtenção de lucro, acabando por submeter a natureza ao ritmo desenfreado de industrialização.
A partir dessa relação colonial, ocorrem a extração de recursos com o fim exclusivo de desenvolvimento econômico e a aceitação e implementação das monoculturas agrícolas, com o uso de agrotóxicos e de transgênicos, causando o esgotamento dos recursos naturais, o excesso de poluição, a incerteza em termos de saúde coletiva pelas consequências a que esse modo de produção, chamado agronegócio, com o fornecimento de commodities, viabilizado pela globalização que vai gerar a crise da sociobiodiversidade e propiciar o surgimento da sociedade de risco, que se encontram interligadas.
Nesse contexto, a segurança alimentar passou a estar seriamente comprometida e impossibilitada ante o avanço da ciência, posto que o novo mecanismo da colonialidade passava a ser a falácia da Revolução Verde, com seu pacote tecnológico de mecanização, com êxito no Brasil.
Os alimentos passaram a ser produzidos em larga escala, priorizando a quantidade em detrimento da qualidade, comprometendo direitos da sociobiodiversidade, espraiando-se pelas várias dimensões da sustentabilidade, chegando à agrointoxicação dos consumidores.
Referido termo trazido através desta pesquisa, em construção, remete à intoxicação pelo consumo de alimentos produzidos com agrotóxicos, comprometendo direitos sociais e fundamentais, em especial o direito à segurança alimentar, um direito emergente da sociedade global que tem estado inviabilizado, tanto no critério quantitativo como no qualitativo. Os reflexos da introdução dos agrotóxicos e do seu uso na produção de hortifrutigranjeiros não orgânicos também chegam à região de Santa Maria.
A partir da compreensão de como se chegou à problemática da insegurança alimentar, é plausível compreender o panorama histórico dos agrotóxicos e o seu implemento no Brasil, em especial, a partir da Revolução Verde, seu uso na produção de hortifrutigranjeiros não orgânicos na região de Santa Maria e os impactos da agrointoxicação. Autores como Luiz Ernani Bonesso de Araujo, Vandana Shiva e Juliana Santilli entendem que não há sustentabilidade devido à utilização das monoculturas com alta utilização de agrotóxicos, instituídos com a chamada Revolução Verde, trazendo inúmeros impactos, como os apontados por Vandana Shiva e por Rachel Carson.
Diante dos malefícios a que a sociedade brasileira se encontra submetida, em um terceiro momento precisa ser verificado se o acesso à informação ambiental ao consumidor pode contribuir a uma prática de consumo mais cidadã, auxiliando a dirimir o problema da agrointoxicação e, assim, contribuindo para a promoção do direito à segurança alimentar. Para explicar o direito de informação ao consumidor de produtos com agrotóxicos, os autores de suporte são Jerônimo Siqueira Tybusch e Néstor García Canclini. Já, Miguel Altieri e Francisco Roberto Caporal dão sustentáculo para o estudo sobre a agroecologia, e mais especificamente, para a produção orgânica, Elaine de Azevedo e Silvio Roberto Penteado.
A promoção do direito à informação ambiental adequada, em suas diversas vertentes, está dentre as estratégias de promoção da segurança alimentar, fazendo com que o consumidor tenha acesso à informação adequada aos riscos que está correndo, partindo-se da esfera horizontal.
Ademais, a informação ambiental adequada é também capaz de prover que há meios de produção alternativos, como o movimento agroecológico, e um de seus vieses, a produção orgânica, demonstrando que, sim, é possível superar o paradigma da agrointoxicação com experiências reais e próximas, a partir de estratégias de emancipação e de valorização do local e da aproximação entre produtores e consumidores.
Assim, o acesso à informação ambiental adequada dá-se através da sociedade em rede e de suas articulações, como exemplos, há a Mesa de Feiras Orgânicas e Grupos de Consumo Responsável. Há ainda, a ajuda através das ferramentas das mídias sociais, com páginas que alertam sobre os malefícios e sobre outras alternativas, como o Contra os Agrotóxicos e Pratos Limpos.
Por fim, pode-se ainda contar com estudantes, professores e pesquisadores empenhados na construção teórica e prática de novas referências de ensino, pesquisa e extensão, em diálogo com as populações que trabalham e vivem no campo. Há inúmeras possibilidades e exemplos viáveis, como a Polifeira da UFSM e a Rede Ecovida.
Cada vez mais, deve-se buscar a disseminação das feiras de produtos agroecológicos com venda direta ao consumidor, o estabelecimento de redes próximas entre produtor e consumidor, incentivando aquele a redesenhar seu sistema produtivo. Estas são apenas algumas formas de se efetivar a informação ambiental no sentido de prover sustentáculo ao direito à segurança alimentar.
A partir desse conhecimento, as relações entre consumo e produção podem ser estreitadas e o consumidor pode passar a exercer a possibilidade da escolha pela não-agrointoxicação, enquanto reflexo de um consumo consciente, o consumo-cidadão, fazendo do ato de se alimentar um ato político, incentivando a mudança desse panorama capitalista hegemônico, sendo ator de suas escolhas e exercendo papel principal na concretização da segurança alimentar.