AUTORA: Maria Célia Albino da Rocha
ORIENTADOR: Luiz Ernani Bonesso de Araújo
O presente trabalho foi desenvolvido com o intuito de demonstrar a importância dos recursos biológicos existentes no território amazônico brasileiro, bem como a relevância dos povos e comunidades tradicionais naquela região. Dessa forma, a Amazônia brasileira é detentora da maior biodiversidade do planeta, também é um dos recursos estratégicos do século XXI, além de possuir uma rica diversidade cultural. Nesse contexto, a contribuição dos povos e comunidades tradicionais se dá pela conservação da natureza e pela sua utilização de maneira sustentável, ainda desenvolvem conhecimentos locais por meio do manejo de plantas medicinais, resultante de diversos medicamentos, com isso, despertam interesses econômicos e dissemina a prática da biopirataria.
Diante dessa realidade, nota-se que essas riquezas estimulam inúmero interesse nacional e internacional pela busca de vantagem econômica no mercado global seja por parte de instituições, de pesquisadores e de multinacionais. Ademais, nessa seara, envolve o domínio genético na órbita da geopolítica, que ocasiona disputa econômica, política e normativa, numa relação entre os países do Sul social e os países do Norte social.
Por esse ângulo, o sistema globalizado induz o mercado mundial pela busca de novo produto, no qual a grande empresa supera o desafio econômico, adquire poder e dominação utilizando os mecanismos de informação, da técnica e da ciência. Para tanto, as empresas com o objetivo de obter lucro e alcançar um resultado positivo no mercado global não medem esforços. Nesse sentido, nos países do Sul social concentram-se a maior parte da matériaprima que é primordial para produção de novas mercadorias, porém, o acesso aos recursos naturais não é obstáculo para os países do Norte social. No entanto, os países desenvolvidos têm suas vantagens por terem altas tecnologias, bem como esses países são beneficiados por legislações que atendem seus interesses.
Na perspectiva de dominação do núcleo econômico mundial, os países desenvolvidos utilizam o conhecimento científico como forma de manipulação para seu progresso, que se torna um instrumento poderoso na desvalorização dos conhecimentos tradicionais.
Dentro desta circunstância, o trabalho buscou dá explicação ao seguinte questionamento: em que medida a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, bem como a Lei da Biodiversidade podem contribuir para a valorização dos conhecimentos tradicionais através do uso das plantas medicinais?
Para responder esta indagação, a dissertação foi estruturada em três capítulos, que se relacionam com a temática da diversidade biológica. Desse modo, o primeiro capítulo discorreu sobre a biodiversidade e os conhecimentos tradicionais concernentes à Amazônia brasileira. De uma forma geral destacou a relevância das plantas medicinais, como patrimônio genético associado aos conhecimentos dos povos e sociedades tradicionais, tal qual no cenário geopolítico aponta a biodiversidade como recurso estratégico do século XXI.
Quanto a isso, percebe-se que existe uma relação desigual e desprivilegiada entre os países do Sul social, o qual são os maiores detentores da biodiversidade do planeta em face dos países do Norte social, que prevalecem com as altas tecnologias, consequentemente, se destacam com as diversas descobertas de produtos por meio das pesquisas científicas, bem como se prevalecem dos regimes jurídicos para satisfação de seus interesses. Dessa maneira, a Amazônia brasileira se sobressai na seara nacional e internacional, pois detém uma maior concentração de diversidade biológica e cultural.
Vale salientar, que na relação de compra de matéria-prima fornecida aos países desenvolvidos, os países em desenvolvimento têm grandes desvantagens, porque os elementos naturais são vendidos por preços mínimos. Logo, os países desenvolvidos inserem tecnologias nos componentes naturais, estes são transformados em novas mercadorias, depois desse processo, quando retornadas aos países de origem são vendidas por alto custo.
Além disso, os conhecimentos tradicionais são apropriados e transformados em conhecimentos científicos sem a devida preocupação com os prejuízos auferidos aos povos e comunidades tradicionais, como também ao país. Portanto, o desprestígio cultural e social desses povos é resultado da consequência e do resquício histórico do período colonial, que permanece até os dias atuais.
Para completar essa ideia e ter uma melhor compreensão desse tema, ainda foi desenvolvido um estudo dos principais regimes jurídicos nacionais e internacionais relacionados ao acesso dos saberes tradicionais vinculados à biodiversidade. Dessa maneira, compreende-se que a CDB e o acordo TRIPS tratam de conteúdos, de métodos e de interesses distintos, tanto quanto designam efeitos normativos desiguais e atendem valores antagônicos.
Nessa celeuma, apura-se que a CDB atende aos interesses dos países do Sul social, que são os grandes possuidores da matéria-prima, porém, no caso de descumprimento de seus preceitos normativos, não são previstos mecanismos sancionatórios. No entanto, já o acordo TRIPS é um instrumento que favorece os países do Norte social mediante seus interesses econômicos, tanto quanto ocasiona uma vulnerabilidade da biodiversidade e dos saberes tradicionais, assim como a desobediência a esse regulamento enseja em sanção.
Na órbita nacional, o governo federal com o intuito de aproveitar a biodiversidade brasileira e estimular o uso das ervas medicinais criou em 2006 a Política Nacional das Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Todavia, essa meta em breve foi sucumbida por interferência política, pela falta de políticas públicas, pelos desestímulos à capacitação dos médicos acerca do tema, pelo desinteresse da indústria farmacêutica e devido o incentivo ao consumo dos medicamentos sintéticos. Dessa forma, estes motivos serviram de empecilhos para o desempenho positivo dessa Política.
Em atenção a essa realidade foi elaborada a Lei n.º 13.123/2015, esta Lei deveria estar em conformidade com a CDB, contudo, se percebe que atende mais os interesses das indústrias e das instituições de pesquisas do que dos detentores do conhecimento tradicional. Enquanto isso, essa Lei também gera violações, injustiças e menosprezos aos direitos, aos valores, à cultura e aos conhecimentos locais dos povos e sociedades tradicionais, tornando-se estímulo à prática da biopirataria. Do mesmo modo, persiste a vulnerabilidade dos saberes tradicionais, por causa das chances de acesso sem retorno financeiro, o que ainda compromete a conservação do bioma brasileiro.
Outro ponto que aponta essa Lei é a vulnerabilidade apresentada aos direitos dos povos e populações nativas. Pois, para ter acesso ao conhecimento local e coletar o patrimônio biológico, inicialmente não precisa de autorização, basta apenas um prévio cadastro para a realização de desenvolvimento tecnológico ou iniciar uma pesquisa. Essa medida favorece a realização das pesquisas científicas. Por outro lado, essa Lei ignora os valores culturais e históricos dessas populações que adquiriram seus saberes ao longo de muitos anos. Nesse sentido, essas omissões legais facilitam a obtenção desses elementos, bem como essas ausências normativas estimulam a apropriação dos conhecimentos tradicionais e da biodiversidade, o que deveria ser o contrário.
Aliás, a Lei da Biodiversidade se baseia na visão de exploração econômica dos recursos genéticos, e dos conhecimentos tradicionais. Assim, os povos e comunidades tradicionais ficam reféns dos interesses de uma classe dominante, na ânsia de atender a ideologia capitalista. Além do mais, essa Lei é considerada um retrocesso por não assegurar esses os recursos preciosos do país. É importante desde já, salientar que a Lei da biodiversidade não demonstra ser suficiente para proteger a diversidade biológica brasileira e nem assegurar a cultura dos povos e sociedades tradicionais.
Em seguida verificou-se que a biopirataria é uma prática antiga, o qual acontece em todo território brasileiro, ainda não existe previsão para punir os biopiratas, nem mesmo para atenuar essa prática o mais breve. Nesse universo, o atual modelo de desenvolvimento econômico é regrado pelo aumento da produção de bens decorrente do consumo. Para atender os segmentos do sistema capitalista e da globalização, essa relação sujeita o meio ambiente às explorações insustentáveis, o qual, a natureza passa ser observada como matéria-prima, por conseguinte, resultante de capital.
Dentro dessa lógica, o território brasileiro mediante a abundância da diversidade biológica e dos conhecimentos tradicionais não se prevalece de uma proteção proporcional referente a essas riquezas, pois, nota-se que as legislações existentes estimulam à prática da biopirataria e, principalmente, tal ausência normativa a respeito do assunto, tornando-se acessível o componente aos países do Norte social. Com base nisso, apura-se que não adianta ter os recursos biológicos sem investir em tecnologias, assim como é preciso o amparo por meio do ordenamento jurídico que realmente proteja os bens do país, como também o Estado deve empoderar na tomada de decisões internacionais para a conservação dos seus recursos naturais.
Importa frisar que, a biopirataria cresce por conta dos interesses das multinacionais, e com o avanço da biotecnologia, mediante as facilidades proporcionadas pela legislação, pela falta e redução de fiscalização, assim como pelas oportunidades facilitadoras em registrar uma patente de invenção no exterior.
De acordo com todo estudo apresentado, verifica-se que, a biopirataria deve ser constituída como um crime penalizado com prisão para intimidar os biopiratas, bem como a coletividade deve conscientizar do prejuízo que causa essa atividade. Nesse sentido, por mais que não haja tipificação no ordenamento jurídico brasileiro, sua conceituação é clara para um enquadramento do delito por ser uma prática realizada contra o patrimônio genético do país, e sua realização enseja em um dano imensurável para sociedade.
Nessa acepção, as comunidades tradicionais tornam-se suscetíveis por viver isoladas, isso propicia visitas de pesquisadores mal intencionados e enseja a facilidade de conquistas, tornando-os indefesos pelo fato das fiscalizações dessas áreas serem difíceis. Conforme se observa, as populações tradicionais da Amazônia brasileira são carentes de recursos básicos como moradia, saúde, educação, alimentação, e essas necessidades apresentam como convites para o ingresso local e a enganação à apropriação dos saberes milenares, consequentemente, para exploração dos recursos naturais. Desse jeito, afere que a biopirataria trata-se do resultado das explorações ocorrida desde o Brasil colonial, o qual permanece através da tomada do patrimônio genético nativo, e hoje sendo uma prática patrocinada pelas grandes empresas.
Ante o exposto, é fundamental que a sociedade brasileira se conscientize da grandeza e dos benefícios da biodiversidade da Amazônia, como também da importância e dos valores, que têm os saberes tradicionais para a humanidade, com isso pode atenuar a vulnerabilidade existente a respeito dessas riquezas. Além disso, a coletividade deve cobrar do Poder Público uma legislação que proteja e conserve os conhecimentos nativos diante da biopirataria, da globalização e dos ímpetos hegemônicos. Para isso, requer investimentos em pesquisas, em políticas públicas, e que os instrumentos normativos estejam à altura da complexidade do desenvolvimento do país.
Outrossim, a emancipação dos povos e sociedades tradicionais deve ser compreendida como instrumento de proteção dos saberes nativos. Assim sendo, é preciso que seja reconhecida a autonomia jurídica e política desses povos para que se sintam representados e assistidos conforme os aspectos de suas origens, valores e costumes, para que as decisões alusivas aos interesses dessas populações sejam mais plausíveis.
Diante dessa realidade, tendo em vista os elementos observados neste trabalho, verifica que as plantas medicinais são importantes na prevenção e no tratamento de doenças, porém, nota-se que não é prioridade do Estado substituir os remédios sintéticos pelos medicamentos naturais caseiros, e nem tornar essencial o consumo desses fármacos na sociedade, porque não tem um retorno econômico significativo para o país, e também não faz parte dos interesses dos grandes laboratórios farmacêuticos. Assim, percebe-se o quanto é paradoxal o Brasil ser um dos maiores possuidores da biodiversidade do mundo e, não se destacar na seara internacional como o maior produtor dos derivados biológicos, especialmente, no campo farmacêutico.
Conclui-se que para haver mudança nesse cenário, se faz necessário que haja emancipação do Brasil frente ao processo de colonização para que não seja influenciado na tomada de decisões, assim colocará em prática o verdadeiro significado de independência do Brasil que, por enquanto, encontra-se apenas registrada no papel.