Atualmente são 6 milhões de refugiados palestinos no mundo, vítimas dos deslocamentos forçados iniciados há 75 anos, em 1948, com a Al-Nakba (Catástrofe), a expulsão de 750 mil palestinos de seus territórios. É um dos quadros de refúgio mais dramáticos gerenciados pela atuação da ONU, que possui uma Agência Especializada para Refugiados Palestinos, a UNRWA, criada em 1949, cujo mandato tem sido renovado desde então. Atualmente, existem 58 campos de refugiados espalhados na Jordânia, Líbano, Síria, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Pessoas a quem, desde 1948, têm sido negado pelo Estado de Israel o Direito ao Retorno.
O Direito ao Retorno, uma das soluções duradouras, foi reconhecido pela ONU ainda em 1948 na Resolução AG/194, reiterado em muitas outras de suas resoluções. A Resolução AG/3236 de 1974, que também reconhece o direito à autodeterminação do povo palestino, estabelece “o direito inalienável dos palestinos retornarem a suas casas e propriedades de onde foram desenraizados e deslocados”. A permanente violação por parte do Estado de Israel ao direito ao retorno do povo palestino, associada ao que concluiu a Relatora Especial da ONU, Francesca Albanese, sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados em março de 2023, como um “sistema político de domínio arraigado”, que “satisfaz o padrão probatório predominante para a existência de apartheid”, está na origem de conflitos sucessivos nesses territórios. Uma realidade que submete os palestinos a um sistema colonial e racial, que tem impedido a solução de dois Estados e a manutenção da paz na região.
Em fevereiro de 2023, a Anistia Internacional divulgou um minucioso relatório que analisa como Israel “impõe um regime institucionalizado de opressão e dominação contra o povo palestino, onde quer que exerça controle sobre seus direitos, fragmentando e segregando cidadãos palestinos de Israel, moradores dos TPO e refugiados palestinos, que tinham seu direito de retorno negado”. O regime de apartheid se estabelece, ainda conforme o relatório: “por meio do confisco maciço de terras e propriedades, de homicídios, de lesões corporais graves, de transferências forçadas, de restrições arbitrárias à liberdade de circulação e da negação de nacionalidade, entre outros atos desumanos ou cruéis”.
Estas e outras situações infringem o Direito Internacional dos Direitos Humanos, configurando crimes à luz do Tribunal Penal Internacional. Neste momento, o mundo assiste uma tragédia humanitária de altas proporções, com potencial genocídio do povo palestino habitante da Faixa de Gaza. Dos 2,2 milhões de habitantes, 1,4 milhão já foram deslocados forçadamente dentro deste território, em uma condição de confinamento e sob ataques indiscriminados sucessivos, massivos e diários. A brutal desproporcionalidade das ações israelenses nesta guerra já foi reconhecida pelas últimas reuniões do Conselho de Segurança da ONU, lamentavelmente sem a adoção de medidas efetivas em decorrência do veto dos EUA, parceiro incondicional de Israel. O mesmo foi reconhecido pela última reunião extraordinária da Assembleia Geral da ONU. São cerca de 13 mil vidas palestinas perdidas, dentre as quais mais de 5 mil crianças, mais de 100 funcionários da ONU e 198 profissionais de saúde, além de 6 mil pessoas desaparecidas, das quais 4 mil mulheres e crianças. Uma tragédia humanitária imposta por deslocamentos forçados em massa, ataques a campos de refugiados palestinos, indistinção de alvos civis e militares, não precaução nas hostilidades, bloqueio da ajuda humanitária, bloqueio do abastecimento à população, destruição generalizada de edificações e infraestrutura essencial da população, bombardeios à hospitais, escolas e campos de refugiados. Uma “punição coletiva” perpetrada pelo Estado de Israel, com flagrantes violações das Convenções de Genebra, do Direito Humanitário Internacional.
Considerando o papel da academia na produção do conhecimento, alertamos para a necessidade da difusão do acesso à informação histórica e científica sobre o direito internacional, as violações por parte do Estado de Israel em relação aos direitos do povo palestino, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, do Direito Humanitário Internacional e do Direito Internacional dos Refugiados, já reconhecidas por diversos órgãos da ONU nesta questão. No contexto deste conflito, temos verificado fluírem discursos de ódio contra o povo palestino, associação ao terrorismo e a desumanização de suas vidas, ataque à essência da sua existência e a relativização da catástrofe humanitária, tão brutal que sinaliza o genocídio segundo o direito internacional em pleno Século XXI. Repudiamos os ataques e ameaças do governo israelense em relação aos órgãos das Nações Unidas, como a UNRWA, como aqueles que têm sido dirigidos aos defensores e defensoras dos direitos humanos, dos direitos do povo palestino, associados ao antissemitismo ou como de apoio ao terrorismo. A desinformação, os ataques a pessoas e instituições que denunciam violações de direitos humanos, a disseminação do ódio emergente de uma ideologia supremacista, a desumanização do povo palestino precisam ser contidos.
Nós, professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras, membros das Cátedras Sérgio Vieira de Mello, convênio firmado entre Instituições de Ensino e Pesquisa e a Agência da ONU para refugiados, manifestamos nossa incondicional solidariedade ao povo palestino pelo seu direito de existência, dignidade, justiça e paz nos seus territórios e, diante da catástrofe que acomete o povo palestino neste momento, de um genocídio em curso, instamos o governo federal à tomada de medidas firmes e consistentes, incluindo as práticas sancionatórias previstas pelo direito internacional dirigidas a um imediato cessar fogo e cessação das múltiplas violações por parte do Estado de Israel ao Direito Humanitário Internacional, Direito Internacional dos Direitos Humanos e Direito Internacional dos Refugiados.
Clamamos, por fim, para que os meios de comunicação hegemônicos atuem com ética de informação, denunciem o massacre da população palestina e não difundam informações selecionadas com o intuito de invisibilizar a dor do povo palestino, colaborando para o genocídio em curso.
Novembro de 2023.
Aline Passuelo de Oliveira – UCS
Ana Carolina de Moura Delfim Maciel – UNICAMP
Ana Maria Paim Camardelo – UCS
Andrea Maria Calazans Pacheco Pacífico – UEPB
Andréa Vettorassi – UFG
Ângela Vasconcelos – UFF
Brunela Vieira de Vicenzi – UFES
Daniel Granada – UFSC
Elaine Cristina Schmitt Ragnini – UFPR
Giuliana Redin – UFSM
Janaina Santos – UFSC
Júlio Rocha – UFBA
Karen dos Santos Honório – UNILA
Rodrigo Lages e Silva – UFRGS
Viviane Inês Weschenfelder – UNISINOS
Maria Helena Lenzi – UFSC
Laura Janaína Dias Amato – UNILA
Érica Sarmiento da Silva -UERJ