Texto por: Laura Coelho de Almeida
Em 2024, entrei no doutorado com o objetivo de seguir estudando a presença de produtores de conteúdo online, com o foco na narrativa transmídia e podcasts. Mas, logo nas primeiras semanas do curso, perdi a vontade de realizar uma pesquisa sobre esse tema. Eu tinha duas preocupações: a primeira era que já conseguia ver uma conclusão para o tema; a segunda era que não sentia que teria fôlego para passar quatro anos estudando esse tópico. Além disso, eu já estava desenvolvendo um pensamento de que não via a produção de conteúdo com os mesmo olhos deslumbrados da graduação e do mestrado.
Então, iniciei o processo de tentar encontrar algo que me interessasse o suficiente para transformar em uma tese, através de leituras de textos para o meu estado da arte. O primeiro livro que me colocou na direção que estou hoje foi o “Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna”, do filósofo alemão, Hartmut Rosa, juntamente com “A Crise da Narração”, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.
Harmut Rosa entende que a aceleração da vida social corresponde a sensação de que o mundo ao nosso redor está ficando cada vez mais rápido. Tal fato transforma o modo como os seres humanos são definidos, situados ou como se movem no mundo. Por sua vez, a narração produz uma história e a informatização da sociedade acelera a desnarrativação. Juntando os dois entendimentos podemos refletir sobre a necessidade de consumir cada vez mais conteúdos curtos e a dificuldade de focar em atividades por um longo período de tempo. A partir dessas duas obras, direcionei meu pensamento para entender como a aceleração afetou a narrativa digital e, principalmente, investigar como vivemos a nossa vida nessa era digital atual.
Plataformas, algoritmos e a vida nas redes sociais
Tendo esse direcionamento do que me interessava busquei algumas obras para inspiração de pensamento, fugindo um pouco das teorias, e acabei encontrando o livro “A Máquina do Caos: Como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo” do jornalista investigativo Max Fisher (2023). A obra se concentra em entender o funcionamento das grandes empresas de tecnologia, com o foco naquelas que desenvolvem plataformas de redes sociais. O livro tem como base entrevistas com estudiosos da área, além de falas de funcionários e executivos do Vale do Silício. De modo geral, o livro escancara o modo como, desde o princípio, as redes sociais foram criadas com o objetivo de manter as pessoas dentro delas pelo maior período de tempo possível. Criando incentivos de validação sociais e estímulos de dopamina, que mantém a necessidade de estar sempre online
Assim, após pegar as inspirações de pensamento na obra de Fisher (2023), segui para a teoria. Primeiramente, me detive em dois autores clássicos que pensam a pós-modernidade e a narrativa. Lyotard (2008), em “A Condição Pós-Moderna”, entende que na pós-modernidade ocorre o abandono das metanarrativas, ou seja, das ideias que levariam o “homem” ao sucesso. O autor destaca que, hoje, a verdade serve para um resultado performático e não para um propósito de iluminação. Por sua vez, Virilio (1998), em “A Bomba Informática”, analisa a sociedade atual, ciência e tecnologia. Para ele, “alguns entusiastas da Internet ficam até felizes em viver suas vidas “na tela”. Internados nos círculos fechados da Web, eles oferecem suas vidas privadas para que todos possam assistir.” (Virilio, 1998, p. 24). A partir dessas leituras pude observar e refletir um pouco sobre a transição da modernidade para a pós-modernidade, e, principalmente, as transformações que a tecnologia trouxe para a sociedade. Tendo essas ideias em mente, parti para conceitos e teorias que pudessem ampliar o entendimento da evolução tecnológica: a plataformização e os algoritmos.
A vida digital é controlada por algoritmos, sistemas que “distribuem os discursos criados pelos seus usuários, sejam corporações ou pessoas.” (Silveira, 2019, p. 21). De acordo com Silveira (2019), as plataformas desenvolvem uma arquitetura de informação centralizada que define como ocorrerá a distribuição dos conteúdos. Desse modo, “as plataformas conseguem estruturar processos de modulação, desenvolvidos para delimitar, influenciar e reconfigurar o comportamento dos interagentes na direção que os mantenha disponíveis e ativos na plataforma ou que os faça clicar e adquirir os serviços, produtos e ideias negociados pelos donos do empreendimento”. (Silveira, 2019, p. 23)
Por sua vez, a plataformização é “definida como a penetração de infraestruturas, processos econômicos e estruturas governamentais das plataformas digitais em diferentes setores econômicos e esferas da vida.” (Poell; Nieborg; Van Dijck, 2020, p. 2). Os autores destacam que existem 3 dimensões da plataformização: a primeira é o desenvolvimento de infraestruturas de dados, ou seja, como as plataformas colhem e transformam os dados dos usuários; a segunda corresponde ao mercado e como as plataformas reorganizaram as relações econômicas; e a terceira dimensão trata da orientação e mudança nas interações entre os usuários. (Poell; Nieborg; Van Dijck, 2020, p. 6). Assim, entendemos a importância do estudo sobre plataformas, uma vez que o princípio de cada uma molda o funcionamento das redes sociais e do comportamento social dentro delas.
O futuro da minha pesquisa
Ao realizar as leituras para esse primeiro estado da arte da tese e analisar o comportamento online ao meu redor, consegui destacar alguns pontos que me chamaram atenção e gostaria de estudar mais a fundo. Tais pontos se unem e centralizam-se em dois tópicos: comunicação digital e narrativa.
Como diz Silveira (2019), “as principais plataformas de relacionamento online não produzem conteúdos. Não realizam discursos nem criam narrativas. Quem faz o conteúdo de plataformas como Facebook, YouTube, Twitter, Instagram, LinkedIn e Snapchat são seus próprios usuários.” (Silveira, 2019, p. 20). Ou seja, caímos no pensamento de “se você não tem que pagar para estar lá, então você é o produto.
Como as plataformas são regidas por algoritmos e para permanecer em uma boa posição de engajamento os usuários (produtos), desenvolvem os conteúdos com o objetivo de “agradar” o algoritmo. Logo, isso gera uma cadeia de conteúdos curtos, rasos, iguais uns aos outros e que visam apenas a visualização, ou a venda de algum produto. Conteúdos que antes serviriam como uma narrativa completa para contar uma história e criar uma comunidade, hoje servem apenas para a emissão de dopamina rápida com a rolagem do feed, sensação de validação social por meio de interações digitais (curtir, comentar e compartilhar). Em alguns casos, também ocorre a fomentação da prática consumista, pois ao observar um item no conteúdo alheio, as pessoas podem sentir a vontade de possuí-lo também.
Tal lógica está cada vez mais acelerada, já que os algoritmos mudam a sua lógica cada vez mais rápido e os usuários precisam correr para se adaptar. Pessoas que tinham um ótimo engajamento, podem perdê-lo da noite para o dia. Essa é uma prática cansativa e a necessidade de estar sempre online, postar com a maior frequência possível, causa um desencantamento por parte dos usuários. Nessa pequena observação de comportamento dos produtores de conteúdo que realizei no Instagram e Youtube, percebi vários comentários sobre a exaustão, que chamarei aqui de algorítmica.
Os influenciadores estão cansados de ter que estar “sempre online” e de se reinventar a todo momento. Ou seja, a lógica das grandes empresas de plataformas de redes sociais está começando a falhar. É preciso parar, olhar para as redes desde a sua criação e entender como o desenvolvimento foi feito para chegar nesse cenário atual. Para assim, pensar em formas de burlar a exaustão algorítmica.
A comunicação, hoje, está presa nesse lugar de “desnarrativação”. Sendo assim, se faz necessário entender quais são os limites e potenciais da comunicação em oferecer novas narrativas no cenário atual, onde as pessoas estão cada vez mais vivendo no digital e a lógica das narrativas se resume em vendas. Diferentemente das minhas pesquisas da graduação e do mestrado, agora sigo para um caminho mais afastado do deslumbramento com as redes sociais.
Referências
Amadeu da Silveira, S. (2019). A noção de modulação e os sistemas algorítmicos. PAULUS: Revista De Comunicação Da FAPCOM, 3(6). Disponível em: https://fapcom.edu.br/revista/index.php/revista-paulus/article/view/111. Acesso em 28 de Junho de 2024.
FISHER, M. A máquina do caos: Como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo. Todavia, 2023.
HAN, Byung-Chul. A Crise da Narração. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. [s.l.] Rio De Janeiro José Olympio, 2008.
POELL, Thomas; NIEBORG, David; VAN DIJCK, José. Plataformização. Fronteiras, São Leopoldo, v. 22, n. 1, p. 2-10, jan./abr. 2020. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/fem.2020.221.01. Acesso em 28 de Junho de 2024.
ROSA, H. Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna. Petrópolis: Vozes, 2022.
VIRILIO, Paul. The Information Bomb. Verso, 2001. 160 p. ISBN 9781859843697.