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Acontecimentos e a Influência na Mudança Social



Texto por: Natalie Pereira Soares

O dia a dia está repleto de acontecimentos. Alguns maiores como um discurso presidencial que muda os rumos da vida de uma parcela populacional, ou menores como o cancelamento da prova de gramática. Cada um com o peso proporcional àquele a quem ele se refere. Para as jornalistas e pesquisadoras, Vera França e Suzana Lopes, o acontecimento é “uma ocorrência, um fato concreto do cotidiano com grande poder de afetação, que suscita inquietações, demanda escolhas e provoca ações”. O acontecimento vai convocar e revelar sentidos que explicam muito sobre a sociedade em que ele ocorre. 

O impeachment da Presidente Dilma Rousseff, por exemplo, tem muito a dizer sobre o machismo no Brasil, assim como sobre o temor da população em relação à corrupção, que prontamente aceitou seu vice-presidente, Michel Temer, sem muitas ressalvas. A tese de doutorado “De louca a incompetente : construções discursivas em relação à ex-presidenta Dilma Rousseff”, de Perla Haydee da Silva na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), mostra essa interligação entre a violência de genero através da linguagem. Segundo a pesquisadora, o uso de termos ofensivos revelam uma sociedade machista, que visa a exclusão das mulheres dos espaços públicos e de poder.

Quando acontece na sociedade, acontece também no jornalismo. Diversas pesquisas apontam as coberturas midiáticas se pautando em valores machistas e misóginos: A face machista do impeachment: postura de revistas brasileiras perante o processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff; Imprensa no contra-ataque: discurso machista e o impeachment da presidenta Dilma; Bailarinas não fazem política? Análise da violência de gênero presente no processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Entendemos que os acontecimentos são coisas concretas e reais, antes de serem colocadas no discurso. Ele também é passageiro, e a dimensão da experiência no acontecimento é o que instiga as autoras: “pois nos possibilita identificar nele os elementos que constituem nossas interações com os outros seres humanos e também com todo o restante do mundo da vida cotidiana, entrecortada pelo inesperado, pelo episódico, pelo emergente que irrompe, desorganiza e (re)organiza o social” (Franca; Lopes, 2017, p. 75).

As interações citadas acima nos mostram que os acontecimentos sempre serão sentidos de forma coletiva, fazendo-nos sentir o impacto no nosso cotidiano e, provavelmente, no dia a dia de outras pessoas do nosso meio. Sendo um revelador dos sentidos sociais, o acontecimento abre as cortinas para o desafio de identificar tendências que apontam para a preservação e/ou renovação da vida social. Uma lotação em um ônibus que deixa de levar estudantes às provas na Universidade tem tanto a dizer sobre a forma que as populações de classe mais baixa são tratadas no país quanto o afastamento da primeira presidente mulher. A lotação do ônibus e o descontentamento da sociedade ali presente interliga temas históricos, políticos e sociais. A partir do sentimento coletivo, permissível pela interação entre os indivíduos, podemos averiguar o acontecimento como instaurador de novos horizontes, possuidor de um caráter fundador e inaugural, introduzindo algo de novo ou de inédito. Sendo assim, podemos visualizar a potencialidade do acontecimento. Ele traz à tona questões públicas veladas, aponta possibilidades de mobilização e instiga a provocar mudanças.

O sentimento coletivo emana na necessidade de informação por parte do público espectador do veículo. Este público comenta nas redes e discute, dentro e fora delas, o que está posto como notícia no momento. Nesse sentido, a função do jornalista de acordo com a profissional da área Eleonora de Lucena “é  relatar  e  organizar  o  seu  relato trazendo  uma  interpretação  dos  fatos,  mas  trazendo  também,  em contraposição  a  isso,  diferentes  visões  sobre  aquele  mesmo  fato, de forma a dar instrumentos para os leitores definirem a sua visão” (Abreu; Rocha, 2006 apud Reginato, 2018). 

Segundo Gisele Reginato (2018), os brasileiros acreditam nos meios de comunicação como difusores da verdade e entre as doze finalidades do jornalismo compostas por ela (após uma extensa pesquisa com discursos dos veículos Folha  de  São  Paulo,  O  Globo  e  O  Estado  de  São  Paulo,  de  85  jornalistas  brasileiros  e  de  250  leitores) estão movimentos de sentimento coletivo como “esclarecer  o  cidadão e apresentar a pluralidade da sociedade” e “integrar e mobilizar as pessoas”. Este sentimento coletivo e societário é o responsável por criar e modificar os sentidos entre os indivíduos. Nas redes sociais, presenciamos mobilizações e discussões que demonstram isto.  

No jornalismo, não é tudo que vai “ao ar”, pois não é todo acontecimento que será relevante a todas as pessoas. Critérios de noticiabilidade, valores-notícia e interesse público definem o que será publicado. Miquel Rodrigo Alsina (2022) destaca que os meios de comunicação tem um olhar a concorrência, portanto replicam os mesmos temas que outros veículos, gerando um “silêncio midiático” que deixa algumas discussões de lado. A partir de então podemos ver como o acontecimento não é aquilo que interessa à audiência, mas é aquilo que os meios consideram que interessa à audiência (Martí; Abib, 2022, p. 966). Para barrar isso, há meios de comunicação focados em noticiar apenas esses ecos midiáticos, não cobertos pelos canais tradicionais.

É claro que a audiência também pode buscar sua voz e pautar conteúdos de seu interesse. Em trends topics de redes sociais como o X (antigo Twitter), por exemplo, é possível ranquear interesses que postos em alta, os veículos verão a necessidade de apurar. Porém, são milhares de indivíduos falando sobre um mesmo assunto para que isso aconteça. Esse movimento acaba “forçando” os veículos de olhar para certos assuntos. A partir das redes sociais digitais, Alsina (2022) cita que se pode ver mais claramente as disputas entre o sistema social, político, e o sistema midiático. O pesquisador ainda diz que os políticos usam esses canais para criar sua própria agenda e disseminar fake news, o que podemos ver em suma através de episódios jornalísticos baseados em declarações de políticos em momentos de crise.

Finalmente, neste texto, usamos o conceito de acontecimento para compreender o jornalismo como um reflexo subjetivo e um meio de compreensão dos acontecimentos sociais cotidianos ou não, sobretudo, na visão que a mídia quer olhar. Através das notícias e da cobertura midiática, podemos entender melhor as dinâmicas sociais, políticas e culturais que moldam a nossa sociedade. Embora haja o desafio da seleção de quais acontecimentos são considerados relevantes e dignos de cobertura, destacamos a importância de uma imprensa livre e diversificada, capaz de expor conteúdos que o silêncio midiático não cobre. 

Dessa forma, o jornalismo colabora para  a construção de sentidos sociais desempenhando um papel crucial na formação do sentimento coletivo e na mobilização da sociedade. Através da disseminação de informações e da apresentação de diferentes perspectivas sobre os acontecimentos, o jornalismo permite que as pessoas formem suas próprias opiniões e participem ativamente do debate público.

Referências

AMORIM, André Felipe et al. A FACE MACHISTA DO IMPEACHMENT: postura de revistas brasileiras perante o processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff. In: XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste–Fortaleza-CE–29/06 a. 2017.

DEVULSKY, Suzana Brito. Imprensa no contra ataque: discurso machista e o impeachment da presidente Dilma. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação-Habilitação em Jornalismo)-Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

FRANÇA, V. R. V.; LOPES, S. C. Análise do acontecimento: possibilidades metodológicas. Matrizes, V.11, N.3. set./dez. 2017.

MARTÍ, Xavier Giró; ABIB, Tayane Aidar. Acontecimento jornalístico, comunicação intercultural e compreensão do outro: uma entrevista com Miquel Rodrigo Alsina. Comunicação & Informação, v. 25, p. 967-971, 2022.

REGINATO, Gisele Dotto. As finalidades do jornalismo: percepções de veículos, jornalistas e leitores. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 25, n. 3, p. 1-18, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018: ID29349. DOI: <http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2018.3.29349>.

SANTIAGO, Brunna Rabelo; SALIBA, Maurício Gonçalves. BAILARINAS NÃO FAZEM POLÍTICA? ANÁLISE DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO PRESENTE NO PROCESSO DE IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF. DON’T BALLERINAS MAKE POLITICS? ANALYSIS OF GENDER VIOLENCE IN DILMA ROUSSEFF’S IMPEACHMENT PROCESS. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 21, n. 21, p. 91-105, 2016.

SILVA, Perla Haydee da. De Louca a Incompetente: Construções Discursivas Em Relação à Ex-presidenta Dilma Rousseff. 2019. Disponível em: <https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFMT_a04b4d998371419fe256162df2b13be5>. Acesso em: 10 mai. 2024.

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