Texto por: Camilly Barros, Milene Eichelberger e Nicole Pasch
No país, 26,7 milhões de pessoas vivem em municípios considerados ‘desertos de notícias’, ao todo são 2.712 cidades. Essa denominação se refere às localidades que não têm veículos de notícia em sua região geográfica, ou seja, não têm acesso à informações locais. Dados levantados pelo Atlas da Notícia em 2023, apesar de mostrarem uma diminuição dos desertos de notícia no país, alertam que 48,7% das cidades ainda enfrentam carência de informação.
Os últimos dados do portal mostram que o país conta com um maior número de iniciativas digitais, são 5.245 veículos, seguido por 4.836 rádios. Juntos, portais digitais e rádios representam 70% do total de veículos mapeados. No artigo “O contexto midiático na região de Carajás-PA e os desertos de notícias: contribuições a partir da análise do desenvolvimento local dos municípios”, Bargas e Javorski (2022) se referem às cidades sem acesso à informações locais: “Para o resto do mundo, tudo que esses lugares representam são silêncio e indiferença” (Bargas; Javorski, 2022, p. 176).
Colocada essa situação, este texto estimula um olhar para os desertos de notícia e o questionamento sobre as infraestruturas comunicacionais que temos hoje. Também, queremos estimular um olhar crítico acerca da carência de informações em situações extremas, como no contexto de chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em maio deste ano.
A comunicação como direito
A carência de acesso à informações locais impacta diretamente a vida cotidiana dos cidadãos. Em um artigo de 2019, Larissa Cristina Sampaio Barros pontua como os desertos de notícia impactam o acesso à “transparência na tomada de decisões governamentais, falta de controle e participação social” (Barros, 2019, p. 1). A autora ainda destaca o acesso à informação como direito humano, instituído na chamada “Terceira Geração” de direitos humanos, após os anos 1960.
Na legislação brasileira, a Constituição de 1888 institui o princípio do direito à informação em incisos do artigo 5º. Abaixo estão listados os incisos:
fonte: Barros, 2019.
A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) exige que órgãos públicos e entidades privadas sem fins lucrativos mas que recebem recursos públicos assegurem a transparência passiva, respondendo às solicitações dos cidadãos, e a transparência ativa, disponibilizando informações de interesse público proativamente (Lamberty; Oliveira, 2019, p.7). Nesse sentido, é importante esclarecer a diferença conceitual entre publicidade e transparência da administração pública. De acordo com Limberger (apud Lamberty; Oliveira, 2019, p. 8), a primeira refere-se ao movimento que a administração realiza para tornar conhecido os seus atos. Enquanto a segunda possibilita que o cidadão tenha acesso à informação pública.
O cenário de concentração dos meios de comunicação
No Brasil, a informação se encontra na mão de poucos. Estamos diante de um cenário oligopolista no que concerne à concentração dos meios de comunicação, no qual um número pequeno de empresas detém parcela significativa da mídia (Marinoni, 2015, p. 04). Isso significa que a concentração da mídia é regulada através de concessões e permissões, que funcionam como troca de favores entre grandes empresas e o Estado. Estas oferecem segurança jurídica para quem se beneficia, mas pouca regulamentação e fiscalização estatal, ou seja, a falta de regulação eficaz resulta na dominância de poucos grupos.
Um levantamento realizado no ano de 2018, pelo Monitor de Propriedade de Mídia, uma iniciativa internacional organizada pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, apontou que o Brasil apresenta os piores indicadores para a pluralidade na mídia entre 12 países em desenvolvimento analisados. Lima (2011) compara o sistema de concessões com o velho coronelismo, em que a moeda de troca segue sendo o voto, só que ao invés da posse de terras, é o controle da informação que se tornou disputado. Com a concentração de poder e influência dominante das grandes redes, a diversidade e a pluralidade de ideias são limitadas neste cenário de oligopólio, favorecendo os interesses privados sobre o interesse público (Traquina, 2005).
As políticas públicas tornaram-se escassas e os controles na mídia foram favorecidos por legislações omissas, então os governos deixaram em mãos privadas os instrumentos para informar. Nem mesmo com a Internet, que proporcionaria acesso para os cidadãos e menos interferência do monopólio midiático, não se pode afirmar que é garantido o acesso e participação da população. Isso pode ser observado em um dos resultados do levantamento feito pelo Monitor de Propriedade de Mídia, que mostra que, na mídia online, os quatro principais grupos (G1, UOL, R7 e IG), dominam 58,75% da audiência.
Gestão de informação pública em meio à crise
Aqui não nos referimos à insuficiência de dados, inexistência de novas leis ou no fortalecimento das instituições, precisamos do engajamento da sociedade. Tanto para o desenvolvimento da capacidade gerencial quanto para o compromisso ético dos gestores, nós enquanto corpo social devemos participar e exigir maior transparência e responsabilidade daqueles que possuem e distribuem as informações de interesse público. Devemos estar atentos ao desempenho da gestão e dispostos a exigir transparência e responsabilidade de sua parte, quanto maior a participação social, mais altas as chances de garantir que as demandas sobre informação sejam atendidas – ou ao menos, ouvidas. Em sua tese de doutorado, defendida em 2008 e intitulada como “O Estado (in)transparente: limites do direito à informação socioambiental no Brasil”, Lucivaldo Vasconcelos Barros afirma que o indivíduo será mais livre quanto melhor informado for.
Em um momento de crise, precisa haver gestão para a comunicação. Como a informação de que um cidadão precisa deixar sua casa vai encontrá-lo com o mínimo de aviso prévio? Se as antenas são arrastadas pela força da chuva e os cabos ficam sem utilidade já que não há energia elétrica na maior parte do estado, quais são os planos de contenção de danos para que a população não fique em uma zona de silêncio completa, em meio a uma catástrofe?
Os gestores que trabalham com informação de utilidade pública devem aprimorar suas habilidades, além de atuar com integridade e ética em suas práticas, seja na rotina que perpetua os nossos dias ou em momentos de crise como as chuvas que assolaram o nosso Estado no último mês. Estamos em junho, mas para a maior parte da população gaúcha ainda é maio e seguirá sendo por tempo indeterminado, até que possamos considerar uma certa “normalidade” – um conceito complexo e difícil de ser definido no momento, como relatado em notícia da Agência Brasil que relata a dificuldade dos gaúchos retomarem a rotina. Com a participação cidadã e a ética dos gestores, a gestão da informação pública será mais eficiente, transparente e também acessível para a sociedade.
Controle privado do setor de radiodifusão x Função social da comunicação
Em contraponto à função social que as mídias como rádio e televisão exercem na sociedade, as políticas públicas tornaram-se escassas e os controles oligopólios foram favorecidos por legislações omissas (Marinoni, 2015, p. 21). Os grupos já estabelecidos na mídia são privilegiados e seguem no espaço de poder, o qual deveria ser temporário para garantir a diversidade dos meios. Não se tem força suficiente para barrar as concessões e promover essa diversidade midiática. Muitas delas tiveram origem em decisões políticas, o que provoca um condicionamento do debate público, já que são embasadas em relações desiguais de informação.
As emissoras locais, principalmente de rádio, especialmente em áreas rurais e remotas, atribuem um significado de comunidade e de mobilização social em torno de questões que afetam a vida diária daquela população, muitas vezes respondem perguntas de utilidade pública que não são prioridade por parte das autoridades. Os ouvintes passam a adquirir um sentimento de identificação e pertencimento a partir daquele meio de se informar.
Acesso à informação em desastres
As chuvas que se abateram sobre o Rio Grande do Sul no fim de abril e início de maio deixaram milhares de pessoas sem acesso à meios de comunicação no estado. No início do mês, estimativas relatavam que mais de 530 mil imóveis tiveram corte de energia elétrica. Ainda durante a escrita deste texto, 161 mil pessoas seguem sem luz no estado. Em meio a situação de calamidade pública, cidades ficaram sem sinal de rede móvel e internet.
Nesse ambiente, o acesso à informação ficou totalmente comprometido. Por um lado, havia a angústia de familiares que não conseguiam estabelecer comunicação uns com os outros e, por outro, a limitação ao acesso à informações sobre o que acontecia no estado.
Um acontecimento como as chuvas no estado altera o padrão de normalidade, incide sobre a vida das pessoas e é considerado um acontecimento de interesse público (Traquina, 2005). Assim, passa a pautar os noticiários do país. Mas e quando as pessoas afetadas pela tragédia não têm acesso a informação que é veiculada?
No Rio Grande do Sul, o rádio se tornou um dos pedidos de doação para as cidades afetadas. Sem a necessidade de utilização de energia elétrica, o rádio a pilha foi a fonte de informação de muitos gaúchos e gaúchas, o que estimulou campanhas pelo estado, como a Rádio Apoio RS, uma parceria da Unisc com a UFSM.
Em situações de desastre, percebemos a vulnerabilidade das estruturas físicas que envolvem a comunicação. Quando danificadas, deixam a população à mercê do silêncio e da falta de informação. Essa afirmação fica evidente quando visualizamos notícias como esta publicada pela CNN Brasil, em que nove municípios estavam totalmente sem comunicação após o início da crise no Rio Grande do Sul. Assim como em muitos outros municípios, milhares de pessoas ficaram dias sem energia, sinal de telefone ou de internet, consequentemente sem comunicação, devido às chuvas que destruíram cabos, antenas e postes.
Situações como essas, nos levam a reflexão de que a internet, muitas vezes vista como algo abstrato, onipresente no espaço-tempo, é na verdade material e depende de uma estrutura física robusta. Sem esses serviços, elas ficaram impossibilitadas de obter informações cruciais para sua segurança. Esses meios dependem de uma infraestrutura física estável, incluindo energia elétrica e cabos de internet e de telefonia. Portanto, manter essas infraestruturas de comunicação é imprescindível para garantir a cidadania e a segurança, principalmente em um cenário de sobrevivência e incerteza.
No decorrer de um desastre, a falta dessa estrutura pode significar a diferença entre viver ou morrer, já que um aviso é capaz de impedir uma tragédia. Em uma reportagem da Agência Pública que relata falha nos sistemas de alerta durante os desastres, são exibidos dados da Defesa Civil de que apenas 11,2% da população do estado está cadastrada no sistema de alertas – isso representaria 1,2 milhão de pessoas dos 10,8 milhões que vivem no Rio Grande do Sul. Dessa forma, a informação alcança uma baixa parcela da população e não se torna efetiva em um momento crucial de obtê-la.
A concentração de mídia em poucas mãos limita a diversidade de vozes e perspectivas, enquanto a infraestrutura e os recursos – na lógica dos interesses comerciais – podem ser direcionados de forma desigual, deixando localidades inteiras sem a cobertura adequada, o que é indispensável para a população neste momento de crise e preocupação extrema. Quanto mais noticiada for a situação, melhor a população consegue se organizar, seja para fazer uma doação, localizar um parente próximo ou deixar suas casa se estiverem correndo qualquer tipo de risco.
Informação é cidadania
Ao longo do texto, discorremos sobre as dificuldades de acesso à informação no Brasil e, em específico, no Rio Grande do Sul durante uma situação de calamidade pública. Esse é um direito fundamental da democracia, que permite à população exercer os seus deveres de cidadania de fiscalizar as decisões tomadas pelo poder público e participar ativamente dos processos decisivos. Portanto, é dever do Estado produzir, organizar e disponibilizar informações que são imprescindíveis ao conhecimento da sociedade.
Para Lamberty e Oliveira (2019, p. 6-7), a informação exerce um papel crucial no processo de gestão de riscos tanto no que diz respeito à sua coleta, importante na prevenção destes eventos, como na sua publicização, fornecendo às partes diretamente envolvidas e também aos possíveis afetados o impulso necessário à sua mobilização, bem como a participação na tomada de decisões potencialmente geradoras de riscos. (Lamberty; Oliveira, 2019, p. 6-7))
Nesse sentido, os autores entendem que a administração pública deve ser orientada pelo princípio da transparência, de modo a divulgar os estudos sobre o impacto ambiental, os relatórios relacionados à gestão de riscos e o monitoramento das condições ambientais (Lamberty; Oliveira, 2019, p. 2). Nessa direção, é possível refletir acerca da relevância social que há na produção, organização e fornecimento de informações de interesse público por parte das iniciativas privadas que prestam algum serviço público, assim como as empresas de distribuição de energia elétrica. Visto que diante do estado de calamidade pública, a infraestrutura que condiciona o desempenho destes serviços pode ser afetada, tornando-os indisponíveis para parcelas da população, o que coloca em cheque a sua segurança e bem-estar.
Logo, é necessário que as empresas responsáveis tenham uma estrutura comunicacional bem consolidada, que seja capaz de fornecer os dados sobre quantas regiões foram impactadas, bem como quais são elas, e qual a previsão de restauração das suas atividades. O esclarecimento dessas incertezas é fundamental para que se procure respostas à ausência desses serviços essenciais, como pontos de distribuição de água potável e a habilitação do roaming – que diante da indisponibilidade da sua operadora, possibilita que se conecte temporariamente à outra empresa para realizar chamadas, enviar mensagens e acessar à internet.
Além disso, essas informações também são importantes para o mapeamento dos prejuízos que a carência desses serviços básicos, em meio a crise socioambiental, causam em outros serviços, como por exemplo na comunicação e no jornalismo. Assim, é possível possibilitar o desenvolvimento de ações como a arrecadação e distribuição de rádios a pilhas, de modo a garantir que a informação chegue até as pessoas afetadas.
Quanto ao conceito de informação pública, Barros (2008) diferencia a stricto sensu (em seu sentido estrito) e a lato sensu (em seu sentido amplo). A primeira refere-se “a informação necessária para o exercício de um direito (cidadania), para aplicação de uma política pública ou para a execução de um serviço administrativo” (Barros, 2008, p. 163). Assim, tal informação deve ter utilidade para suprir uma demanda social. Enquanto a informação pública lato sensu, isto é, em seu sentido mais amplo, é aquela
produzida, em qualquer tempo e lugar, por órgãos integrantes da estrutura do Estado, como instrumento indispensável ao bom funcionamento do aparelho administrativo no cumprimento de sua missão. Inclui desde documentos importantes sobre fatos essenciais para o conhecimento da história recente, até detalhes corriqueiros sobre projetos e obras de infra-estrutura, e em geral, nada pode ser omitido sob pretexto da ignorância das pessoas. (Barros, 2008, p. 163)
Os desastres ambientais, como o que assola o estado gaúcho, evidenciam a importância do acesso à informação pública de qualidade e da consolidação de uma estrutura de comunicação eficiente, para além da publicidade, em órgãos públicos e nas iniciativas privadas que prestam serviço público. Diante da emergência ambiental, decorrente sobretudo da imprudência humana, essas se tornam essenciais para a prevenção, precaução bem como a minimização dos riscos aos quais a sociedade está exposta.
Referências:
AGÊNCIA BRASIL. Brasil tem pior cenário de pluralidade da mídia em 12 países analisados pelo RSF. Agência Brasil, 26 fev. 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-02/brasil-tem-pior-cenario-de-pluralidade-da-midia-em-12-paises.
AGÊNCIA PÚBLICA. Sistema de alertas sobre tragédia no Rio Grande do Sul falhou, dizem especialistas. Disponível em: https://apublica.org/2024/05/sistema-de-alertas-sobre-tragedia-no-rio-grande-do-sul-falhou-dizem-especialistas/.
BARROS, Lucivaldo Vasconcelos. Estado (in)transparente: limites do direito à informação socioambiental no Brasil. 2008. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) ー Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
CNN BRASIL. RS tem 9 municípios sem comunicação uma semana após início das tempestades. CNN Brasil, 25 maio 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/rs-tem-9-municipios-sem-comunicacao-uma-semana-apos-inicio-das-tempestades/.
Javorski, E., & Bargas, J. (2022). O contexto midiático na região de Carajás-PA e os desertos de notícias: contribuições a partir da análise do desenvolvimento local dos municípios. Revista Eptic, 24(2), 151-174.
LAMBERTY, Andrey Oliveira; OLIVEIRA, Ariani Avozani. Desastres ambientais e direito de acesso à informação pública na sociedade de risco: um olhar sobre o caso Brumadinho. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E CONTEMPORANEIDADE, 5, 2019, Santa Maria. Anais. Santa Maria: Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, 2019, p. 1 – 17. Disponível em: https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/563/2019/09/3.3.pdf
LIMA, Venício Artur de. Regulação das comunicações. História, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011.
MARINONI, Bruno. Concentração dos meios de comunicação de massa e o desafio da democratização da mídia no Brasil. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. No 13/2015. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil, novembro de 2015.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS (MDIC). Enimpacto: Relatório de Proposição. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/inovacao/enimpacto/produto_2___relatorio_de_proposicao_enimpacto_pnud-docx__2_-1.pdf.