Texto por: Ana Luiza Dutra
Ninguém te devolverá aquele tempo, ninguém te fará voltar a ti próprio. Uma vez lançada, a vida segue o seu curso e não o reverterá nem o interromperá, não o elevará, não te avisará de sua velocidade, transcorrerá silenciosamente (Sêneca, 49 d.C)
29 de abril de 2024, uma segunda-feira como todas as outras. Logo pela manhã a região central do Rio Grande do Sul já testemunhava um dia chuvoso, os fortes raios eram vistos cortando o céu e os trovões produziam pausas incessantes nas conversas. Uma catástrofe climática obrigava que nossa experiência começasse a mudar. Aquilo que tinha sentido, perdeu. E centenas de outras questões, maiores, tomaram conta da rotina gaúcha. No mundo globalizado e hiperconectado, não demorou para que as chuvas do Rio Grande do Sul se tornassem o principal assunto. No dia 2 de maio, a pequena cidade de Encantado, com pouco mais de 22 mil habitantes, já era matéria no maior jornal do mundo, o The New York Times. Nas televisões brasileiras, aos poucos o noticiário foi tomando conta da programação. A cobertura da catástrofe se tornou o foco principal, os principais âncoras nacionais foram direcionados ao Rio Grande do Sul e não havia como negar o cenário de destruição que se assistia. Nas redes sociais, o cenário gaúcho repercutia das formas mais variadas possíveis. No cenário ainda mais imediatista das plataformas, circulavam as mais diversas informações. Na “era das plataformas” (Van Dijck, Poell, de Waal, 2018), a catástrofe assumiu protagonismo nas redes sociais, de uma forma que até então parecia difícil de ser concebida. Instagram, Twitter, Facebook e outras tornaram-se espaços de organização popular para mobilização em torno das necessidades locais.
Atenção e assistência fatores proporcionais
A grande quantidade de informações, e a agilidade com que elas são atualizadas gera uma competição no que diz respeito à atenção (Zago, 2011). Como diz Goldhaber, na economia da atenção, as leis são bem diferentes, a economia da atenção traz seu próprio tipo de riqueza, suas próprias divisões de classe e suas próprias formas de propriedade. Baseadas em transações de atenção. Essa sociedade tem como seu principal capital o tempo oferecido pelos usuários, dedicados ao consumo insistente de conteúdos.
Uma economia deve ser baseada naquilo que nos é escasso (Goldhaber, 1996) e em nossa sociedade convivemos com um grande volume de informações competindo pela nossa escassa atenção. Sendo esta a principal forma de propriedade, neste modelo de economia só se consegue sobreviver quando se conquista a atenção de um grupo (ou muitos). Neste cenário econômico, é fácil pensarmos no cotidiano de interações permeadas nas redes sociais, como a atenção de usuários sendo a principal moeda de troca entre as plataformas e os influenciadores. No entanto, com a catástrofe climática somos deslocados a repensar outras formas de atenção como meio de sobrevivência nessa sociedade.
Ao passo que a tragédia começa a tornar-se mais relevante do ponto de vista midiático, mais recursos ela passa a receber. O nível de atenção é diretamente proporcional ao nível de assistência que ela recebe.
Quando refletimos sobre o cenário da economia da atenção na catástrofe que assolou o Rio Grande do Sul, as redes sociais mostram uma faceta diversa, além de um lugar de abundância de informações, apresentaram-se como parte fundamental da mobilização popular. As redes sociais são um produto das configurações tecnológicas do nosso tempo (Caliman, 2008). A sociedade contemporânea é aquela que está em rede (Castells, 2010) e que as tecnologias da informação e comunicação ocupam um papel determinante nas relações sociais, culturais, econômicas e políticas (Zago, 2011). Nesse contexto de redes sociais e um mercado de atenção tão vasto, como uma catástrofe se situa?
A atenção é um fator da nossa era, ela é uma moeda de troca. Quando pensamos em uma catástrofe, a narrativa é um fator essencial. E a sua captura de atenção, dimensiona a valorização que ela irá receber (Goldhaber, 1996). Quando as inundações tomaram o Rio Grande do Sul, existiam debates nas redes sociais “e se fosse em outro estado receberia essa valorização?”. Ou até mesmo, do debate acerca da transmissão do show da cantora Madonna, no Rio de Janeiro. Existiu uma verdadeira comoção social em torno do nível de atenção midiática que a catástrofe tomou.
O que tem atenção garante recursos (Goldhaber, 1996). Estamos mais ocupados do que nunca, o nosso nível de foco em determinado acontecimento faz com que ele se torne visível. E capte recursos humanos, financeiros e políticos. Além disso, pensando especificamente no âmbito das mudanças climáticas, essa atenção em uma catástrofe climática pode vir a ser catalisadora para uma mudança cultural a respeito do clima. Em uma sociedade com a economia da atenção em vigência é essencial que se olhe para o universo da captura da atenção humana como catalisadora da mudança social.
A cognição está relacionada aos fatores internos e externos ao ser humano (Zago, 2011), de modo que o contexto e as características dos artefatos tecnológicos com os quais interagimos também atuam sobre a percepção, pensamento, e principalmente da ação (Regis, 2010). Pensar em uma sociedade em que a economia da atenção é vigente, significa olhar para a informação e pela forma como ela é disseminada em uma perspectiva social, cultural e política. Garantindo assim, que se mantenha no debate social, e que não caia sob o esquecimento da economia da atenção, essa que seria sua morte simbólica (Goldberg, 2011).
Por isso, torna-se fundamental que se analise o nível de atenção de determinada demanda. Existiu uma catástrofe antes e uma catástrofe depois do nível de atenção adotado pela mídia e no universo das plataformas ao Rio Grande do Sul. Seja pela proporção dos donativos e comoção global que assentava-se, seja pelo nível de comprometimento do poder público em melhorar as formas de atuação em meio a catástrofe. Ao pensarmos na atenção como esse fator econômico capaz de gerar transformações, devemos também analisar como ocorre a disseminação desta. Passo que, os dias passam, a água começa a baixar e o comprometimento midiático também. Entende-se que existe um fator central na diminuição da atenção midiática: o cansaço informacional do público.
REFERÊNCIAS
DIJCK , José Van; POELL, Thomas; MARTJIN, Waal . The Plataform Society: Puclic Values in a connective world. 1. ed. Nova York: Oxford University Press, 2018.
GOLDHABER, Michael H. The Attention Economy and the Net, 1997. Disponível em: <https://firstmonday.org/ojs/index.php/fm/article/view/519/440>. Acesso em: 28/03/2024.
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