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Aviso de Conectividade Saber Mais

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O preço do tempo, economia da atenção e outras reflexões sobre a Sociedade de Plataformas.

por Ana Luiza Dutra L. M. Ribeiro 



O surgimento de uma ideia pode ocorrer quando confrontamos nossas rotinas diárias e reavaliamos nosso modo de vida. Semanalmente, recebo relatórios de uso em meu celular, que indicam a quantidade de horas diárias que passei conectada. Esses relatórios geralmente apontam entre 6 e 8 horas por dia, e trazem consigo preocupações sobre o aumento no consumo em relação à semana anterior.

Quando analiso esses relatórios, examino minha atividade em cada plataforma digital e acabo encontrando justificativas para o tempo que gasto nelas. Afinal de contas, como estudante de jornalismo, o Twitter se torna uma ferramenta indispensável para mim. As horas dedicadas ao TikTok, YouTube e Netflix também encontram justificação, pois costumo assisti-los enquanto realizo outras tarefas. E assim, seguimos, cada um de nós, com nosso conjunto de desculpas quando se trata do tempo que dedicamos às plataformas digitais.

É inegável que estamos cada vez mais conectados, uma vez que uma vida completamente desconectada se tornou uma realidade cada vez menos viável. No entanto, é crucial reconhecer que frequentemente nos engajamos nessa conectividade de maneira passiva, especialmente quando se trata das redes de mídia social. Neste segundo texto para o site do Ejor, proponho-me a explorar quem nos tornamos quando estamos online, e convido à reflexão sobre o fenômeno do Capitalismo de Vigilância, também conhecido como a Era da Economia da Atenção, pensando sempre em como o jornalismo se coloca nesse meio. Isso nos leva a questionar se somos verdadeiramente viciados em tecnologia ou se estamos simplesmente condicionados por ela.

O livro “Stand Out of Our Light: Freedom and Resistance in the Attention Economy “, do filósofo e programador James Williams, apresenta que as plataformas são desenvolvidas para controlar nosso foco, elas buscam vender a ideia de desenvolvimento tecnológico como desenvolvimento humano. Mas essas duas formas de desenvolvimento não necessariamente, na prática, são faces da mesma moeda. A Economia da Atenção vende-se como um mundo de possibilidade de interação mas muitas vezes seus resultados são divergentes. Nosso tempo se torna a principal moeda de troca. 

As Big Five, grandes plataformas infra-estruturais, controlam os dados que circulam e moldam boa parte das relações humanas. Seus produtos são projetados para se tornarem viciantes, o algoritmo e design moldam de forma proposital as experiências e estímulos de usuários. A grande constelação das Big Five (DIJCK , 2018)  moldam os seus algoritmos a favor da personalização para criar um mundo único onde nossas preferências são exaltadas e modeláveis, elas agem de forma ativa na nossa psique fazendo estímulos de dopamina constantes, transformando nossa própria identidade. A vida desconectada é quase impossível para grande parte da sociedade, tornando as plataformas sociais indispensáveis e predominantes. E o perigo está no fato de que nós já não nos enxergamos sem elas, e elas sabem o poder que tem sobre nós. 

Hoje, ainda estamos longe da compreensão sobre os efeitos do consumo de plataformas na vida humana. Conseguimos notar as primeiras consequências nos mais variados âmbitos da vida social. Desde a proliferação de desinformação, desaparecimento de profissões, teorias da conspiração, ascensão de grupos extremistas, consumo desenfreado, tendências de curto prazo e inúmeras consequências psicológicas. Como mencionado no livro “A Máquina do Caos”, do jornalista Max Fisher.:

“A tecnologia das redes sociais exerce uma força de atração tão poderosa na nossa psicologia e na nossa identidade, e é tão predominante na nossa vida, que transforma o jeito como pensamos, como nos comportamos e como nos relacionamos uns com os outros. O efeito, multiplicado por bilhões de usuários, tem sido a transformação da própria sociedade.”

O regime de vícios que a sociedade vivencia por meio das plataformas de mídia social está atribuído às suas interfaces criadas para gerar dependência instantânea.  De forma que se crie um eterno ciclo vicioso, onde nós somos condicionados pelo ciclo de dopamina que nos adestra a consumirmos novamente. E assim, encontramos uma sociedade de consumidores de plataforma, passivos e adestrados. 

A nós consumidores, não é permitida a reflexão. Devemos aceitar todas as diretrizes das plataformas para podermos pertencer e assim tudo volta a se repetir. A validação social está vinculada ao pertencimento, e as plataformas de mídia social o permitem de forma rápida e eficaz. Dentro delas entramos no ciclo de retroalimentação da validação social, e com seus algoritmos de personalização somos cada vez mais validados no mundo virtual. Nossa conformidade com as plataformas e nossa confiança a elas da nossa identidade, prejudica nossa emancipação e autonomia.

As tecnologias persuasivas operam para monitorar e oferecer aos usuários meios para permanecerem em constante engajamento dentro das plataformas. Assim configura-se a base para o Capitalismo de Vigilância, que se molda juntamente a ideia da “economia da atenção”. Segundo James Willians a economia da atenção é o marco do século XXI, onde “a persuasão sofisticada aliada à tecnologia sofisticada de modo a tornar prioridade em nossas vidas os mais mesquinhos objetivos”. 

A produção de notícias de maneira relevante dentro dessas estruturas representa, sem dúvida, um dos maiores desafios do jornalismo na atualidade. Portanto, é importante refletir sobre como o jornalismo opera no contexto dessas múltiplas influências. Não só devemos considerar a gestão dos estímulos relacionados à compreensão da psicologia humana, mas também dentro desse universo influenciado e dirigido por algoritmos. 

É fundamental abordar o jornalismo que é, de certa forma, orientado pelas plataformas com um olhar crítico. Não podemos permitir que o nível de engajamento prevaleça sobre a qualidade da informação veiculada. Conforme discutido no texto “At Work in the Digital Newsroom” do pesquisador canadense Nicoles Cohen: 

“Quando pedi que descrevessem seu trabalho, os jornalistas digitais falaram sobre a produção de conteúdo que será compartilhado, lido e amplamente divulgado. Embora não tenham sido questionados especificamente sobre valores jornalísticos, ao longo das entrevistas poucos jornalistas falaram de qualquer conjunto particular de valores jornalísticos, ou de produzir jornalismo como serviço público.”

O jornalismo enfrenta desafios significativos em sua busca por sobrevivência, especialmente durante a complexa reestruturação necessária para alcançar e manter a atenção da audiência. Contudo, quando a própria essência do jornalismo, ou seja, a informação, é subjugada para garantir sua sobrevivência, é crucial questionar o que exatamente estamos preservando.

Estamos preservando jornalismo ou apenas um simulacro? À medida que jornalistas se vêem sobrecarregados produzindo notícias voltadas exclusivamente para um público sedento por estímulos imediatos e algoritmos, surge a preocupação sobre se isso ainda pode ser chamado de jornalismo. Em meio a essa transformação, está sendo gerado um ambiente onde, ironicamente, o próprio jornalismo começa a criar um mundo sem jornalismo.

Encerro essa reflexão voltando para o início desse texto, falando com a esfera de audiência presente em cada um de nós. Pensando que num mundo onde nosso tempo é tão cobiçado deveríamos buscar compreender de forma mais enfática como essas tecnologias o utilizam como moeda de troca, e principalmente se essa troca está sendo de fato vantajosa. Afinal, de certa forma, o poder de escolha está bem nas nossas mãos. 

REFERÊNCIAS:

FISHER, Max. A Máquina do Caos: Como as redes sociais reprogramaram nossa mente. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2023. ISBN 9786556924007. 

DIJCK , José Van; POELL, Thomas; MARTJIN, Waal . The Plataform Society: Puclic Values in a connective world. 1. ed. Nova York: Oxford University Press, 2018. ISBN 9780190889791. 

WILLIAMS, James. Stand Out of Our Light: Freedom and Resistance in the Attention Economy. 1. ed. New York: Cambridge University Press, 2018. ISBN 978-1-108-42909-2. 

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