Este é o meu primeiro texto aqui para o Ejor, e é um prazer apresentar um pouco daquilo que tanto me inspira a embarcar nesta trajetória na pesquisa acadêmica. Nas últimas semanas, tive contato com reflexões acerca das finalidades do jornalismo, principalmente através do texto “As finalidades do jornalismo: o que dizem veículos, jornalistas e leitores” da pesquisadora Gisele Dotto Reginato. Lendo sua pesquisa me deparei com diversas finalidades que me fizeram refletir, uma delas em especial, a finalidade jornalística de interpretar e analisar a realidade.
Gisele define essa finalidade como uma avaliação dos fatos por parte do jornalista, com o objetivo de explicá-los e aprofundá-los para a sociedade. Essa concepção também se relaciona ao papel contextualizador do jornalismo, que contempla a análise das relações temporais, causais e até mesmo as possíveis consequências dos fatos. Foi nesse contexto que me deparei com a seguinte afirmação: “muitas vezes a atividade jornalística não cabe na notícia”.
A respeito disso, percebo que o papel do jornalismo vai além da complexa tarefa de apuração. Na verdade, reside nos bastidores e na capacidade de avaliação e análise do jornalismo. Isso porque há aspectos que não são englobados pela notícia. Trata-se de uma realidade diária vivenciada pelo jornalista, incluindo o contato com fontes, os rumores circulantes e muitos outros elementos. A pesquisadora antes mencionada sugere que isso constitui uma finalidade investigativa do jornalismo. Interpretar a realidade é fundamental, já que o público não tem acesso às mesmas informações que o jornalista possui. Além disso, o jornalista possui uma perspectiva aguçada, voltada para desvendar as entrelinhas de uma história.
Durante os dias em que me dediquei a explorar essa ideia, me deparei com diferentes coberturas jornalísticas sobre possíveis transições ministeriais no atual governo. Nesse contexto, alguns jornalistas lançavam mão de expressões como “o que ouvimos por aqui” ou mesmo arriscavam hipóteses baseadas nos bastidores vivenciados dentro do Palácio do Planalto. Isso, por si só, ilustra o papel interpretativo do jornalista. Essa interpretação também está intrinsecamente vinculada a outra das finalidades delineadas por Gisele: a mediação entre os fatos e os leitores. Ela descreve essa função como a transferência da informação original ao leitor, mediante uma transformação linguística que a torne mais acessível.
Essa mediação vai além da mera alteração de linguagem, envolvendo a adaptação da informação de forma que se torne compreensível. O dia a dia do jornalista é atravessado por esses fatos, e a interpretação analítica da realidade é essencial para a realização dessa mediação para os leitores. Com frequência, como demonstrado no exemplo que mencionei acima, um fato não se resume apenas à nomeação de um novo ministro no momento em que ocorre; ao contrário, engloba todo um processo que culmina na ocorrência desse fato. Da política a todos os aspectos da vida cívica, transições e evoluções são partes que antecedem a formação de um fato concreto. Para o jornalista, a interpretação da complexidade da realidade é uma parcela significativa do que se espera de um profissional competente. Todos os fatos constituem histórias que desenrolam-se até alcançarem sua plena conclusão, se é que alcançam.
Nesse contexto, mediante todas essas reflexões sobre finalidades, vejo no jornalismo um movimento de sensibilidade ao real. A ponto de permitir projeções futuras e entender também seu papel como articulador na memória coletiva, o que, para Gisele, constitui outra de suas finalidades: registrar a história e construir a memória, a fim de que a sociedade possa compreender seu tempo, tanto agora como no futuro.
Seguindo essa linha de pensamento, vale destacar o texto “Mantém o jornalismo uma missão na sociedade contemporânea?” escrito pelos teóricos portugueses Filipa Subtil e José Luís Garcia. Nesse texto, os autores abordam três perspectivas para enxergar o jornalismo: a esfera mercadológica neoliberal, a análise ideológica do jornalismo e, por último, uma perspectiva moderna pós-digitalização. Optei por explorar a segunda perspectiva, na qual o jornalismo teria a missão de promover um senso de comunidade por meio da construção e disseminação do conhecimento.
A reflexão sobre essas distintas finalidades do jornalismo e o incentivo ao seu papel na construção de um imaginário coletivo são debates que perduram ao longo do tempo. A tese de Gisele Reginato nos proporciona uma visão histórica sobre as reflexões acerca das finalidades do jornalismo. Hoje, mais do que nunca, acredito que essas finalidades devem permanecer em constante análise e discussão.
Para encerrar essa reflexão sobre as finalidade do jornalismo trago um pequeno trecho do texto de Filipa e José Luís:
“O seu compromisso é melhorar a vida pública através da produção e divulgação de informações e conhecimentos geradores de discussão que permitam aos cidadãos serem livres, participar nas decisões políticas e manter os elos comuns. A missão do jornalismo é fornecer à população tais recursos e a ecologia para viver em liberdade e se autogovernar”.
Referências:
REGINATO, G. D. As finalidades do jornalismo: o que dizem veículos, jornalistas e leitores. 2016.
SUBTIL, F.; GARCIA, J. L. (EDS.). Mantém o jornalismo uma missão na sociedade contemporânea? [s.l.] Setenta e quatro, 13 de Julho de 2022