O professor doutor Celestino Joanguete chegou a Santa Maria há cerca de um mês. Aos 53 anos, ele veio de Maputo, capital de Moçambique, para desenvolver pesquisas sobre mídias digitais com foco em rádio e televisão. O interesse no tema vem de sua vasta trajetória acadêmica em universidades internacionais e por sua vivência e contribuição direta na implementação do padrão digital de telecomunicações em Moçambique. Em entrevista, o professor falou sobre a imagem da pesquisa brasileira no exterior e das expectativas com relação aos projetos que deve desenvolver por aqui. Ele atuará enquanto visitante estrangeiro internacional (Edital N. 141/PRPGP UFSM), credenciado ao Programa de Pós-graduação em Comunicação, em atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Texto: Alice Pavanello
Esta é a terceira vez que Celestino vem ao Brasil, a primeira a Santa Maria e assim acrescenta mais um capítulo a sua longa trajetória internacional. Ele se licenciou em Ciências da Comunicação na Universidade Fernando Pessoa, em Portugal, na cidade do Porto, mesma onde fez especialização em Jornalismo Político e Doutorado em Ciências da Comunicação, na Faculdade de Letras do Porto. Mas foi nos Estado Unidos, quando realizou uma especialização em Media e Jornalismo na Universidade de Ohio, que ele encontrou o seu principal interesse de pesquisa: as mídias digitais ligadas ao rádio e à televisão.
Após concluir as pesquisas nos Estados Unidos, Joanguete voltou a Maputo onde atua como docente na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane e segue colaborando com instituições europeias. Ele conta que viu a possibilidade de estágio no Brasil como uma oportunidade de buscar experiências de ensino e pesquisa que possam ser aplicadas no desenvolvimento e na ampliação do sistema moçambicano e do instituto em que trabalha.
O avançado nível de pesquisas em Comunicação é uma das razões que motivaram o professor a vir para o Brasil. “Venho muito mais para aproveitar o conhecimento que os brasileiros têm na área da Comunicação o que poderá, de certa forma, no período em que terminar o meu contrato aqui, poderei transmitir os conhecimentos a Moçambique, quer em nível institucional, ajudar no desenho de cursos ajudar um desenho de linhas de pesquisas para os moçambicanos, quer em nível nacional”.
Porém, além de aprender com a experiência brasileira, o professor vai contribuir com o desenvolvimento de pesquisas no POSCOM. Neste semestre, ele já está ministrando a disciplina de Mídia e Pluralismo e tem duas vagas abertas para orientar projeto de pesquisa de futuros mestrandos que vão participar do processo seletivo, com ingresso previsto em 2023. O professor destaca que os temas de interesse residem na intersecção entre as mídias digitais e identidades.
Joanguete deve ficar no POSCOM por dois anos, tempo em que pretende também desenvolver outras atividades. Ele conta que planeja organizar seminários que serão realizados em parceria com universidades internacionais para debater temas ligados às mídias digitais. Uma outra ideia, segundo ele em fase de elaboração, é a criação de um projeto com foco na literacia midiática. “Gostaríamos de envolver, além da Universidade Federal de Santa Maria, com os professores da Graduação e Pós-graduação em Comunicação, para fora do Brasil envolvendo outras entidades sejam elas universidades africanas, europeias, por onde eu passei, de modo que iremos construir uma rede global de comunicação relacionada com a literacia da informação, com mídias e identidades.”, pontua o pesquisador.
Ampliar as redes de pesquisa para além das fronteiras é o caminho apontado pelo professor, que tem mais de 20 anos de trajetória acadêmica, para que países, muitas vezes localizados às margens dos centros de referência, possam alcançar o patamar de grandes institutos de pesquisa em termos de produção científica. Embora haja um esforço “titânico” dos pesquisadores, afirma Joanguete, é preciso investimento de recursos na operacionalização das pesquisas. “Em Moçambique ainda estamos muito atrasados, eu diria que estamos na idade da pedra lascada [em produção científica], o Brasil está bastante avançado e o que faz avançar o Brasil é o financiamento, o governo tem as duas instituições que financiam as pesquisas em todas as áreas [Capes e CNPq]. Agora em termos de produção, na minha visão, o Brasil tem muita produção, mas ainda endógena, produzida internamente, tem uma rede interna de pesquisa, tem o pessoal super qualificado, estamos a falar de pesquisadores com nível doutorado. O que falta é abertura, estou a falar a abertura para o exterior. O Brasil tem pouca conexão com os centros de pesquisas internacionais.” O intercâmbio de docentes, pesquisadores e estudantes, tanto de estrangeiros que venham para o país, quanto de brasileiros que vão estudar em outras instituições é o caminho para que o Brasil possa ser “catapultado para um nível de reconhecimento internacional”, afirma Joanguete.
O professor aponta ainda que, embora o Brasil seja visto como referência de pesquisa em Comunicação, há a necessidade de progredir no âmbito de abrangência das problemáticas de pesquisa para que se possa atender às demandas sociais emergentes. Ele cita a necessidade de mais trabalhos que tenham como foco questões como o feminismo e as migrações que em outras universidades do mundo já estão mais avançadas em termos de inovação tanto conceitual como metodológica. “É necessário reparar o desenvolvimento da própria sociedade para trazer as necessidades de pesquisa, porque todas as pesquisas estão em função da sociedade e se a sociedade demanda soluções de alguns problemas então a universidade deve imediatamente responder a esses problemas, portanto percebo que parou um bocado no tempo, mas é possível que se encontre soluções de incorporar novas linhas de pesquisas mesmo que seja isso de forma gradual ou mesmo de ano em ano, que se introduzam novos termos de pesquisa dentro da universidade.”
A experiência do professor Joanguete junto ao POSCOM recém iniciou, mas ele espera que seja muito produtiva e que ele possa levar junto ao seu país conhecimento não só acadêmicos, mas também culturais e sociais do Brasil.
Livros e projetos de extensão
Professor Celestino Joanguete tem dezenas de artigos científicos e dois livros publicados. Um dos livros, lançado em 2007, Imprensa Moçambicana: do papel ao digital, é fruto da sua tese de doutorado e aborda as mudanças dos meios de comunicação moçambicanos dentro de um contexto de uma sociedade marcada por altos índices de analfabetismo e com grande diversidade linguística e cultural.
Outro livro de autoria do professor, foi publicado em 2021. A migração para a televisão digital em Moçambique: processo, modelo de negócio e conflitos é resultado de uma consultoria prestada ao governo de Moçambique para o processo de implantação da televisão digital no país. O professor explica que o texto aborda não só aspectos técnicos e padrões digitais que a nação estudou adotar, mas também os conflitos políticos que se originaram do processo de implantação do sistema digital.
Ambas as publicações estão disponíveis para consulta na biblioteca setorial do CCSH, na UFSM.
Em Moçambique, o professor também atua com atividades de consultoria, desenvolvendo trabalhos com foco na comunicação para a mudança social para contribuir com a busca de soluções de problemas que ele chama de “típicos de Moçambique”. Um dos projetos foi para conscientização da população a adotar medidas para combater a propagação da malária, doença transmitida por mosquitos e responsável por um grande número de mortes, em especial de crianças, em seu país. Seu último trabalho foi na organização de uma estratégia de comunicação de combate à AIDS/HIV que está, atualmente, em fase de implementação em Moçambique.