A estudante de Relações Internacionais da UFSM Rayane Xipaya foi uma das quatro representantes do Brasil selecionadas para o Programa Operação COP 2023 – Jovens Embaixadores pelo Clima. O programa tem por objetivo desenvolver habilidades de representação do governo, ética e dignidade, além de aprofundar o conhecimento em questões ambientais e diplomáticas.
O resultado final saiu no dia 16 de agosto. Os jovens já estão participando de uma formação intensiva sobre mudanças climáticas e negociações internacionais, ofertada pela Universidade de Harvard, e irão complementar seu desenvolvimento com um estágio profissional virtual no Ministério das Relações Exteriores. Além disso, a expectativa é de que os jovens embarquem rumo aos Emirados Árabes Unidos, em novembro, para participar da COP 28 – Conferência das Partes -, organizada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU).
O processo, aberto pelo The Climate Reality Project América Latina e The Climate Reality Project Brasil, buscava jovens de 18 a 25 anos e foi dividido em três partes. Na primeira, o candidato realizou sua inscrição, enviou uma carta de motivação e um vídeo, em inglês. Ao todo, 10 inscritos foram selecionados a partir desta etapa. Na segunda parte do processo, ocorreu uma entrevista, também em inglês, em que os candidatos foram questionados sobre mudanças climáticas, políticas públicas e por que deveriam ser aceitos no programa. A última parte do processo foi a divulgação dos selecionados.
A 28ª edição da Conferência das Partes (COP) ocorrerá de 30 de novembro a 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A COP é um evento anual que reúne representantes do mundo inteiro, como diplomatas, governos e membros da sociedade civil. O objetivo da conferência é debater a respeito das mudanças climáticas e buscar soluções para os problemas ambientais que afetam o planeta.
Relação entre natureza e educação
No vídeo de apresentação, Rayane comentou sobre os motivos que inspiraram-na a se inscrever e quais seriam seus temas de interesse durante o estágio. Também falou sobre a construção da Hidrelétrica Belo Monte, o Rio Xingu e sua família. Desde que nasceu, o rio sempre fez parte da vida da jovem. Por isso, todas as transformações que ocorreram na região com a construção da hidrelétrica afetaram a vida dela e de toda a comunidade. Esse movimento foi um dos motivos que fez com que ela decidisse cursar Relações Internacionais.
Para Rayane, a forma como uma região tão calma como a do Médio Xingu foi atingida, repentinamente, pela vinda de milhares de pessoas de todos os lugares do mundo, sem que a comunidade tivesse informações suficientes sobre o que estava acontecendo, e, ainda assim, tivesse seus lares, sua mata e sua vida alterados para sempre, trouxe um sentimento de revolta muito grande para o povo e para ela. Assim, o objetivo dela tornou-se se formar para poder instruir e ajudar sua comunidade frente à violência. “Por que eles fizeram isso? Eu não entendia muito bem esse contexto. Foram essas dúvidas que me envolveram muito para essa área de ensino, de geografia, geopolítica e história”, comenta Rayane.
As formações intensivas sobre mudanças climáticas e negociações internacionais iniciaram no dia 18 de agosto. Os mais de 50 jovens, espalhados por toda América Latina, aprendem sobre negociações e resolução de conflitos. As aulas ocorrem na modalidade EaD. Além disso, o estágio profissional virtual, previsto para começar no início de setembro, irá proporcionar aos estudantes contato com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, e também com o setor de relações exteriores do Ministério do Meio Ambiente. Apesar de ainda não ter sido confirmado, a expectativa é de que os selecionados também estejam na COP 28, no mês de novembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
O programa, além de proporcionar que Rayane conheça e dialogue com pessoas de toda a América Latina, também servirá como um complemento valioso para a graduação em Relações Internacionais, pois ela terá contato com áreas importantes da política brasileira e se aprofundará em debates e análises de negociações vigentes.
Do Médio Xingu ao Coração do Rio Grande
Rayane é natural do município de Altamira, localizado na região do Médio Xingu, no Pará. A escolha dela pelo curso de Relações Internacionais da UFSM, em 2020, se deu pelas ações afirmativas da Universidade, como a Casa do Estudante Indígena. Para ela, a educação sempre foi uma ferramenta de afirmação e mudança social. Em sua terra natal, presenciou muita desigualdade de violência e, por isso, sua vinda a Santa Maria é mais do que uma vitória pessoal, é uma conquista de toda sua família e de toda a comunidade.
Um de seus objetivos é voltar para o município de Altamira e dar aulas de inglês a povos indígenas, por exemplo, e levar todo seu conhecimento na bagagem para ensinar e inspirar mais pessoas. Rayane sempre foi muito estudiosa e recorda de um episódio onde o estudo se tornou um local seguro para ela, enquanto criança e indígena. “Eu não entendia porque ninguém queria ser meu amigo. Eu não entendia e acho que isso foi o que mais me magoou. Eu não sabia qual era o meu problema, sabe? (…) Então eu me apeguei muito à educação, aos estudos, porque eu sentia que era um lugar reconfortante pra mim”, encerra a jovem.
Na UFSM, a estudante integra diferentes grupos de ensino, pesquisa e extensão. A participação mais antiga é na Liga Acadêmica de Assuntos Indígenas, Yandê, vinculada ao Centro de Ciências da Saúde (CCS). Desde o início do ano, integra o Núcleo de Pesquisa e Práticas em Direito Internacional (NPPDI), com o objetivo de, futuramente, talvez realizar um mestrado na Instituição, e o programa de extensão Gênero, Interseccionalidade e Direitos Humanos (GIDH).
Além disso, Rayane destaca que o embasamento apresentado durante todo o curso a ajudou a entender como o sistema internacional funciona e como ter esse conhecimento facilitou seu ingresso no programa: “Ter essa percepção geral de como funciona essa dinâmica internacional me deu um embasamento muito bom para compreender como se dão essas negociações e as motivações da defesa de cada ponto ou de muitos pontos apresentados por cada negociador”.
Rayane integrou a direção do Instituto Juma até julho deste ano e, durante o tempo que esteve dirigindo o instituto, lutou pela proteção da floresta, do patrimônio, da propriedade intelectual e dos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia brasileira. Além disso, também palestrou no Festival Internacional Literário de Gramado (Filigram) em 2022 e representou o Brasil no Enlace Continental de Mulheres Indígenas das Américas (ECMIA) de 2021, onde participou de uma conversa com o comissariado da ONU.
Texto: Andreina Possan, estudante de Jornalismo e estagiária da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques e Ricardo Bonfanti, jornalistas
Foto de capa: Pangaia CBD