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A intimidade da saúde da gente e do SUS na tevê



Pela primeira vez, uma série médica brasileira baseada em casos reais revela os conflitos e vitórias de uma equipe de saúde da família da rede pública e seus pacientes

Mônica Tarantino (Saúde!Brasileiros) e Maria Luiza Carrilho Sardenberg (@Redehumanizasus)

Ana e helena

A atriz Ana Petta interpreta a médica Laura(à esq.), na série criada a partir de uma ideia original dela e da irmã, Helena Petta, que é médica na vida real. Foto: Divulgação

 

Os médicos séries House, Scrub s e Gray’s Anatomy agora têm companhia brasileira. Lançada em 11 de setembro, a minissérie Unidade Básica (domingo, 22 horas, no Universal Channel), coloca em cena dois médicos – a Dra. Laura (Ana Petta) e o Dr. Paulo (Caco Ciocler) — que disputam, no dia a dia do atendimento à população, qual é a escolha mais correta para tratar os doentes. Ele diz que é imprescindível conhecer a pessoa por trás dos sintomas, como e com quem vive, sua cultura e crenças. Ela é uma médica recém-formada e cuidadosa que privilegia os resultados dos exames para fechar o diagnóstico. Carregados de certezas, ambos serão desafiados pela realidade.     

Criada a partir de uma ideia original da médica infectologista Helena Petta e de sua irmã, a atriz Ana Petta, a  minissérie inova em muitos aspectos. É a primeira vez que a ação transcorre dentro de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), a porta de entrada da rede pública de saúde, e mostra o cotidiano das equipes de médicos, enfermeiros, atendentes, auxiliares, agentes comunitários e estagiários que atuam nessas estruturas. Além disso, trata de casos reais e muito frequentes, escolhidos após uma imersão dos roteiristas em uma UBS paulistana no bairro do Brás. Também se preocupa em abordar os méritos e as carências da rede de medicina de família e comunidade que se espalhou pelo País.

Nesta entrevista, feita por Saúde!Brasileiros em parceria com a psicóloga Maria Luiza Sardenberg, curadora da Rede Humaniza SUS (que trouxe perguntas da rede), a médica e a atriz falaram do modelo de médico que cada um idealiza para si, dos acertos e carências do atendimento oferecido à população pela rede pública de medicina de família e comunidade e de suas intenções ao criar a série. O encontro aconteceu dois dias antes da partida de Helena para um doutorado sanduíche de seis meses na Universidade de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, em que ela discutirá como foi a adaptação de conceitos de saúde para a dramaturgia televisiva.

Como surgiu a idéia de uma série passada na intimidade do SUS?

Helena Petta – Em uma conversa com minha irmã, Ana, que é atriz. Ela atuou em uma minissérie policial brasileira, “9mm: São Paulo”, que mostrou o cotidiano da Divisão de Homicídios de São Paulo, produzida pela Fox. A partir dessa série, que foi roteirizada pelo Newton Canitto, acabamos pensando em uma série médica também brasileira. E não tinha como não ser em uma Unidade Básica de Saúde. Eu sou médica, infectologista. Estudei na Santa Casa, fiz mestrado em Saúde Coletiva e trabalhei cinco anos em unidade básica, onde vi que, em muitas situações, o que eu havia aprendido não bastava. Depois fui ensinar Atenção Básica na Universidade Federal do Paraná, e levava os alunos para visitar a UBS. 
Ana Petta – Quando falamos de fazer isso, Helena e eu, temos um irmão que estava conosco e ele riu muito dessa possibilidade. O passo seguinte foi apresentar a idéia ao Cannito. Da ideia original à
estreia, foram seis anos. Em 2014, terminamos o roteiro; em 2015 filmamos os 8 episódios e em 2016, estreamos.

Por que ninguém pensou em abordar a saúde básica antes?

Ana – Não sei…Mas não é fácil fazer uma série médica que não aconteça na emergência e nem no diagnóstico de doenças raras, perto da morte. O público está mais acostumado com séries que começam com as pessoas entrando na emergência, lutando pela vida. Isso é muito forte e pega o espectador. Criar uma dramaturgia nesse ambiente que a gente está propondo é mais difícil para o roteirista.

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A médica Laura têm uma visão da medicina que conflita com as ideias do Dr. Paulo (Caco Ciocler), seu colega de UBS. Foto: Divulgação

 

Como foi a pesquisa para selecionar os temas a serem abordados?

Helena – Houve um esforço de pesquisa grande para construir histórias a partir de casos reais, de relatos verdadeiros. Eu fiz uma parte desse levantamento mais voltada para o roteiro. Falei com alguns amigos e contatos da rede do tempo que trabalhei em UBS em Curitiba (PR), onde moro. Esses meus conhecidos nos acompanharam em visitas domiciliares, nos ajudaram a estar no dia a dia da UBS.

Ana – Nós, os atores, fizemos laboratório em uma Unidade Básica do bairro do Brás, em São Paulo. Por cerca de duas semanas, acompanhamos o dia a dia, a rotina dos médicos, fizemos visitas domiciliares. O Caco ficou muito encantado com o que viu e se tornou um defensor da atenção básica à saúde e da medicina de família. Antes, achava que era tudo horrível e o atendimento no SUS, muito ruim.  Foi uma experiência que causou um impacto muito forte em todos nós.

Vocês mostraram os episódios a pessoas que não conhecem o atendimento público de saúde?

Helena – A pergunta da pessoa que não conhece o SUS, quando termina de ver o episódio é: Existe um médico de família e um agente comunitário que batem na porta da casa das pessoas? Quem não conhece acha que é ficção demais. Teve gente da equipe de filmagem da minissérie que chorou. Porque as pessoas não conhecem o que acontece dentro da unidade básica, mas tiveram um caso de câncer na família ou de idoso deprimido, de alcoolismo. Estamos falando disso tudo.
Ana – Todo mundo que conhece uma unidade básica se identifica. Acabamos de receber um relato de um agente de saúde que viu capítulos. Ele contou que chorou, riu; achou o cenário perfeito, as falas, o cenário. Até agora, pelo menos, o que chega para a gente é uma desconfiança maior de quem não conhece o SUS do que de quem conhece.

Vocês receiam que os médicos entendam que a série fala de um SUS idealizado?

Helena – Não é uma unidade em que tudo funciona perfeitamente e, em vários momentos, a gente aborda aspectos que não estão bem. Em um dos episódios, o desfibrilador está quebrado e, na hora de uma parada cardíaca, o médico e outras pessoas têm que reanimar o paciente sem a ajuda do equipamento. Mas, ao mesmo tempo – e não inventamos isso –  você vai à UBS e vê pessoas comprometidas, querendo ajudar. Mostramos um SUS que tem, acima de tudo, um esforço humano muito grande de equipe para enfrentar o dia a dia da unidade e realizar um trabalho muito importante para a sociedade brasileira. E que tem sim dificuldades e debilidades. A gente espera que as pessoas que assistam a minissérie possam perceber e conhecer esse universo.

Os médicos que protagonizam a série têm visões diferentes sobre como tratar a mesma pessoa?

Ana – Sim. O Dr. Paulo tem uma abordagem mais ampla do paciente, quer saber o que acontece com a pessoa, vai no boteco do bairro para beber e conhecer os moradores, é amigo do agente comunitário. Em um episódio, ele diz à médica que ela precisa conhecer melhor uma paciente e o arranjo familiar para se aproximar do diagnóstico. A Dra. Laura responde: “Eu não sou psicóloga. Eu pego um paciente, faço uma análise científica, examino, faço um diagnóstico e encaminho o tratamento ou mando para um especialista.” A médica também o critica, dizendo que está há tanto tempo na UBS que esqueceu o que é ser médico.

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Em episódio sobre diabetes e adesão ao tratamento, o médico Paulo visita a paciente em casa e provoca mãe e filha a conversarem sobre as atitudes que impedem a ajuda mútua. Foto: Divulgação

 

Ao longo dos capítulos, o comportamento dos médicos passará por mudanças?  

Helena – A médica Laura chega de um jeito na UBS e, no final da temporada, vê-se que algo mudou. Ela quer fazer radiologia e só está na UBS para ganhar algum dinheiro enquanto se prepara para as provas. Com formação tradicional, quer resolver os casos, mas percebe o conhecimento obtido na faculdade não dá conta de uma realidade tão complexa. Vou dar um exemplo – no primeiro episódio, tem uma paciente com diabetes descontrolado. Laura se questiona por que a paciente não melhora se ela passou remédios e exames. Apesar do caso ser da médica, o Dr. Paulo vai visitar a casa da paciente. Descobre que o marido dela acabou de morrer e que a senhora finge que toma o remédio, mas esconde, porque quer morrer também.  O médico mostrará que existe um outro caminho para exercer a medicina, que é olhar menos para a doença propriamente dita e mais para as pessoas.

A série retrata também o médico burocrático que a gente encontra de vez em quando, que nem levanta a cabeça para olhar o paciente e já faz uma receita?  

Ana – Tem uma estagiária, estudante do sexto ano de medicina, Samara, que chega à UBS para um estágio obrigatório. Ela não entra em contato de jeito nenhum com os pacientes, com a situação e tem medo de andar na região. Quando suspeita de assédio sexual por um familiar no caso de uma menina com sangue na urina, justifica dizendo, de forma extremamente preconceituosa, que “isso é comum entre essa gente.”

Dra. Helena, quanto de você está na personagem?  

Helena – Desde a faculdade, eu tive contato com a discussão sobre o SUS, mas acho que nunca fui uma Laura. Ela traduz muito o tipo de formação que a gente tem.  Todo mundo que sai de uma faculdade tradicional acha que está super preparado, mas cai numa unidade básica e vê que não sabe lidar com isso. Com certeza, muitas dessas situações que retratamos foram vivenciadas pelos médicos.   

O Dr. Paulo, de Unidade Básica, é o oposto do Dr. House?

Helena – O House é um grande personagem e a série muito bem feita. Ele é um cara super perspicaz, que sabe tudo de clínica e avanços. Os episódios são sobre doenças raríssimas que esse médico diagnostica sem falar com o paciente. As pessoas, em geral, querem um Dr. House para tratá-las. O Caco Ciocler comentava que queria um médico desses pra ele. Mas existe um questionamento em relação ao que esse tipo de personagem simboliza na medicina. Do aspecto simbólico dessa visão que passa pelo jornalismo, pela mídia, pela dramaturgia e pela medicina. O Dr. House traz o modelo do hospital de alta tecnologia, onde se pede uma angiorressonância cerebral para descobrir um vasinho entupido que causa todas as alterações. Claro, em determinados contextos esses são exames importantes e há diagnósticos raros, mas a esmagadora maioria dos casos não segue esse padrão.Quanto ao paciente, o Dr. House age como se pudesse se desvencilhar do paciente e deixar só a doença.  O problema é que, atualmente, os estudantes já partem do raciocínio mais raro, de algo que só o exame vai conseguir detectar.
Ana – A série faz esse debate. Em um episódio, a Dra. Laura não consegue encontrar o que causa sangramento na urina de uma menina e acaba pedindo uma biópsia renal, um exame dolorido e caro. Para fazê-lo mais rapidamente, o pai da criança pede adiantamento. O médico Paulo estranha o pedido da biópsia, mas como os resultados dos outros exames estavam normais, a Dra. Laura quer avançar. Porém o exame não dá nada. E, no final, o médico descobre que a mãe estava simulando a doença. Uma outra preocupação que tivemos é que o Dr. Paulo não fosse apenas um médico que sabe perceber, no ambiente, o que está envolvido na doença, mas não fazer um diagnóstico e prescrever… Ele sabe sim.

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Memória e reverência: Comentário da médica Helena Petta em seu Instagram sobre o nome escolhido para a unidade básica ficcional retratada na série, batizada de Cecília Donnangelo (professora, pesquisadora e intelectual de importância central para a Saúde Coletiva): “Homenagem a uma mulher à frente do seu tempo, que dedicou sua vida a saúde coletiva. Referência para todos.”

 

Muita gente reclama que a medicina considera tudo risco e pode virar doença. Vivemos sob o “risco”. Como vocês veem essa idéia?

Helena – Há uma visão mais biomédica que trabalha com os fatores de risco o tempo todo. É o discurso do risco. Em muitos programas de tevê você verá os médicos ensinando a fazer isso ou aquilo a partir dos fatores de risco. Mas existe outra discussão que considera o conceito de vulnerabilidade, cujo debate começou a ser introduzido no Brasil a partir da epidemia de Aids por José Ricardo Ayres, professor da Universidade de São Paulo. Resumidamente, o conceito de vulnerabilidade vê o adoecimento como um processo que tem a ver com fatores individuais, mas também envolve fatores sociais e programáticos. O que é isso? Se há políticas públicas para questões da mulher, gênero ou aspectos raciais, por exemplo, a probabilidade de adoecer de um determinado indivíduo diminui.

Vocês esperam muitas críticas dos médicos?

Helena – Na parte médica, muitos podem se incomodar. Por que pediu tal exame e não outro? Mas temos limites, tem a dramaturgia que corta muita coisa, que faz edição. Há muitas situações para debate.
Ana – Em 26 minutos de cada episódio, você não dá conta de tudo. E qualquer filme, peça, série, é sempre um recorte. Então você nunca dá conta de tudo que poderia ser. Estamos esperando também a série terminar para que surjam questionamentos. Eu acho muito legal essa coisa da Rede Humaniza SUS. [A atriz se refere à interatividade dos usuários dessa rede na proposição de temas para as próximas temporadas]. Pode surgir muito tema para uma próxima temporada, coisas que a gente não sacou, não pensou.

Foram oito episódios na estreia. Estão planejando uma segunda temporada?

Ana – Esse é um projeto de vida para mim. Não tem nada oficial, mas há uma vontade do canal e a gente já tem muito material. (Nota das entrevistadoras – durante o fechamento desta edição, soubemos que em breve começam as gravações da segunda temporada)

A indústria farmacêutica tem alguma participação ou patrocínio?

Ana – Não, nada.

A abertura dos capítulos informa que é inspirada em casos reais. De que modo vocês selecionaram os temas de cada episódio?

Helena – Durante as conversas na UBS, o roteirista foi percebendo algumas situações muito recorrentes. Toda vez que a gente ia entrevistar, alguém contava que um paciente não aderia ao medicamento. O primeiro episódio mostrou uma paciente com diabetes que escondia o remédio em vez de tomar. O segundo falou de HIV, fé e igreja. Outro abordou o alcoolismo – os profissionais da saúde que entrevistamos viram que muitas das pessoas que procuram seguidamente a UBS com queixas vagas são da mesma família, em que há casos de alcoolismo. Em outro episódio, o filho do Dr. Paulo conta ao pai que é gay e o médico trata o filho muito mal. Justo ele, um cara todo coerente, não aceita de jeito nenhum na hora que é com o filho dele…E piora quando o menino começa a contar detalhes da sua vida sexual ao pai, que não quer saber. O filho contesta: mas não é você quem diz que tem que conhecer mais sobre a vida das pessoas?

Algum capítulo fala sobre o câncer?

Ana – Sim. Tem um caso de câncer avançado em que a Dra. Laura fala para o Dr. Paulo que não há mais o que fazer e que o trabalho deles termina ali. E ele diz que não, que o trabalho deles está apenas começando porque o médico nem sempre cura, mas ele sempre cuida. Essas coisas que a gente gosta de mostrar, cenas assim que gostamos fazer.

Por que o nome de cada episódio é o do personagem? Algum motivo especial para essa estratégia?

Ana – Tem uma frase emblemática na série que tem a ver com isso. É quando o Dr. Paulo diz que a gente aprendeu muito sobre as doenças, mas agora temos que aprender mais sobre as pessoas. Não é a diabetes, o HIV, o alcoolismo, o câncer, não é a doença a questão. É a pessoa.  

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Do Instagram de Helena Petta: “Esta foto foi tirada quando filmamos as cenas externas do sexto episódio q vai ao ar hj (domingo 25). As crianças q estavam ali ficaram fissuradas em ver as câmeras, atores, diretores e toda a magia q envolve a produção artistica. Hj (25/09) elas estarão na TV, compondo mais um dos episódios da nossa série, que, assim como elas, tem a cara do Brasil! “#unidadebasica

 

Haverá um episódio que tratará do papel dos conselhos de saúde da UBS?

Helena – Sim, um dos episódios terá um surto de leptospirose (doença bacteriana frequentemente transmitida por água ou alimentos infectados pela urina de animais, em especial de ratazanas). Existe na região um lixão que funciona ao lado de um córrego, numa área sem nenhum saneamento básico. Vem a chuva e um monte de gente precisa atravessar por esse córrego e pega leptospirose. A UBS reúne o conselho de saúde para discutir o  caso e decidir o que fazer. Foi engraçado, porque na hora de montar a cena para filmagem as cadeiras estavam colocadas uma na frente da outra, como se fosse um auditório. Eu pedi por favor para dispor em roda. Como estava no roteiro, a produção não queria, mas não abri mão.

Do Instagram de Helena Petta: “Esta foto foi tirada quando filmamos as cenas externas do sexto episódio q vai ao ar hj (25/09). As crianças q estavam ali ficaram fissuradas em ver as câmeras, atores, diretores e toda a magia q envolve a produção artistica. Hj elas estarão na TV, compondo mais um dos episódios da nossa série, que, assim como elas, tem a cara do Brasil! “#unidadebasica

A minissérie estréia num momento em que o SUS está ameaçado por um projeto de emenda constitucional do governo atual que acaba com a vinculação do orçamento com a saúde. Como vocês veem essa situação?

Ana – Começamos a fazer em um outro momento, em que a  atenção primária teve uma grande expansão. Eu acho que existe uma classe média que não entende a importância da rede de medicina de família e de comunidade que existe hoje. Essa rede foi construída com muito esforço e trabalho ao longo dos anos pelos profissionais das equipes de saúde da família. Isso ajuda muitas pessoas e não pode acabar. A série têm o papel mostrar essa realidade que é ainda desconhecida e que faz toda a diferença na saúde de um indivíduo.  Acho que ela vai cumprir essa tarefa.

De onde vem esse desconhecimento tão grande sobre o SUS?

Helena – Muita gente viu nos planos de saúde uma saída para não enfrentar as condições do SUS. Vende-se uma imagem de que você tem que fugir do SUS, que esse negócio é de pobre e só tem médico ruim, que precisa ter plano de saúde. As pessoas têm um imaginário de que o profissional está na UBS é  porque não deu certo. Os próprios estudantes da residência de medicina de família contam que as suas famílias acham um absurdo: Como assim, fez medicina para acabar num postinho? No entanto, no momento em que essas pessoas se deparam com serviços do SUS que superam o atendimento prestado pelos seus planos, elas veem que os planos podem ser piores do que a rede pública. Porque você pode ter um ótimo plano de saúde, mas vão te mandar a um especialista, para outro e para outro. Ninguém vai, de fato, pensar em você, saber quem você é, cuidar de você.Eu acho que essa é uma das reações que a minissérie poderá gerar em algumas pessoas.

Qual é a opinião de vocês sobre a cobertura do SUS feita pela imprensa?

Helena – Do ponto de vista jornalístico, o que sempre me incomoda é um pouco denunciar as mazelas, as filas e os pronto-socorros sem uma discussão mais aprofundada sobre o porquê. Estamos falando de um sistema muito sub-financiado e ao qual falta apoio à gestão. Outro aspecto que sempre me incomodou é a busca da saúde por meio dessa discussão que já mencionei sobre os fatores de risco. O tempo inteiro tem que comer isso, tem que fazer ginástica, tem que fazer não sei mais o que. É a medicina do tem que, prescritiva, na cartilha, sem discutir também os motivos…Qual é a vida dessas pessoas, o que está acontecendo com elas? Como uma pessoa que trabalha não sei quantas horas por dia, agora talvez 12 horas, volta para casa e vai fazer atividade física? Acho que são os dois pontos que me sempre incomodaram. Na dramaturgia, essa coisa está muito centrada na alta tecnologia, nas doenças raras.
Ana  – Eu penso como a Helena. Pelo menos como telespectadora, me incomoda a pegada muito sensacionalista. Sem trazer uma complexidade para as questões, e também com interesses políticos, econômicos. Aí você tem pouco espaço para mostrar o que há de positivo também. Você fica na crítica da crítica e não mostra que tem todo um esforço, pessoas pensando sobre aquilo. A gente espera que a série cumpra esse papel de reforçar uma experiência que tem sido interessante, uma tentativa de transformação de uma realidade.

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Ação em equipe: A enfermeira Beth (Carlota Joaquina) é a diretora da UBS; Malaquias, interpretado por Vinicius de Oliveira (o Josué, do filme Central do Brasil) é o agente que liga a comunidade e a UBS e Samara (Bianca Muller), uma estagiária que está cursando medicina e se choca com a realidade local.  Foto: Divulgação

 

Vocês esperam que essa abordagem mais íntima do cotidiano do SUS feita por Unidade Básica poderá interferir no ideal de médico dos alunos de medicina? O Caco Ciocler disse, em entrevista, que os estudantes assistem as séries americanas e saem da faculdade achando que serão como o personagem, e que a cada dia terão uma doença rara para descobrir.

Helena –  Muitas vezes, os alunos carregam consigo, em seu universo simbólico, a imagem de que o médico não pode se envolver com as histórias das pessoas e deve se manter focado na busca do diagnóstico, da doença. A série mostra que existe um outro modo, que você deve se envolver sim, que você deve olhar paras as pessoas e entender o contexto delas, inclusive para fazer um melhor diagnóstico, para ter um melhor tratamento.Essas são questões relevantes, inclusive porque as faculdades de medicina hoje são obrigadas a levar os alunos para a atenção primária, aumentando a inserção dos estudantes na rede. Unidade Básica também diz que você sozinho, como médico, muitas vezes não dará conta daqueles problemas e que a equipe é muito importante. É o que acontece no universo da atenção primária em saúde. A gente fala de tudo isso em aulas, debates e artigos, mas sempre achei que a melhor maneira de contar outra história é pela arte, porque chega à emoção.

 

FONTE: http://brasileiros.com.br/tjKeC

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