nos ESCOMBROS da vida
Uma reportagem investigativa sobre a violação de direitos à moradia durante as obras da Copa do Mundo de 2014, na Avenida Tronco (Porto Alegre, RS).
No dia doze (12) de maio uma mulher grávida morre vítima de atropelamento na Vila Cruzeiro do Sul. A poucos metros dali, encontra-se uma das obras mais polêmicas iniciadas para a Copa do Mundo: a duplicação da Avenida Tronco. Há vinte e três dias
dos jogos o cenário é de guerra. Quem são as “tropas” atingidas? Quem se beneficia? Onde se instaura o conflito da obra de mobilidade urbana com maior investimento
financeiro de Porto Alegre?
A Copa e o direito à moradia
A moradia deve ser entendida para além do sentido estrito de um lugar de habitação, porque há aspectos sociais e culturais da comunidade que ali habita que precisam ser levados em consideração. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o direito à moradia adequada passou a incorporar o rol dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente como universais. Depois da Declaração, tratados internacionais determinaram que os Estados têm a obrigação de respeitar, promover e proteger esse direito.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, por exemplo, dispõe em seu artigo 11 que toda pessoa tem direito a um padrão de vida adequado para si e sua família, inclusive à moradia adequada, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Atualmente, há mais de 12 textos diferentes da Organização das Nações Unidas – ONU que reconhecem explicitamente o direito à moradia.
Nos países subdesenvolvidos, os casos de remoções de inúmeras comunidades e, por conseguinte, de violação do direito à moradia, estão diretamente ligados a projetos de desenvolvimento econômico que se dão nos planejamentos de infraestrutura e urbanização. Esse projetos, em especial os mobilidade urbana, são potencializados com a vinda de megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo e Olimpíadas e, portanto os reassentamentos urbanos também.
O material informativo: Princípios Básicos e Orientações para Remoções e Despejos Causados por Projetos de Desenvolvimento, elaborado em 2007 também pela ONU, têm por objetivos fornecer orientações e assistência técnica aos Estados sobre como atuar nos casos de remoções e despejos involuntários, seguindo os padrões internacionais e respeitando os direitos da população atingida, uma vez que as remoções e despejos forçados possuem efeitos profundos e duradouros -como o afastamento da comunidade para zonas de menor acesso a hospitais, creches, e até mesmo do próprio emprego- ou resultam em indivíduos e famílias desabrigados. No entanto, essas orientações não são utilizadas e a violação de direitos à moradia acaba acontecendo.
Um exemplo disso é o Relatório Especial, divulgado pela ONU em 2009, que mostra o impacto dos megaeventos esportivos sobre a vida dos habitantes das cidades sede, o qual nem sempre é benéfico. Segundo Raquel Rolnik – relatora das Nações Unidas para o Direito à Moradia – as experiências passadas mostram que os projetos de reurbanização adotados resultaram em violações extensivas de direitos humanos, em especial o da moradia que atinge com mais violência às mulheres. O estudo afirma que expulsões, encarecimento de moradia e pressão sobre os moradores são consequências comuns nesse tipo de ação. No Brasil, país sede dos jogos no ano de 2014, isso não foi diferente.
Conforme a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop) cerca de 250 mil famílias brasileiras foram removidas, porque viviam em áreas nas quais foram realizadas obras para o evento. A capital gaúcha também passou por mudanças de infraestrutura que resultaram em remoções de comunidades. As obras em Porto Alegre, em especial na Avenida Tronco, aconteceram de forma desmedida e as políticas reparatórias oferecidas pela Prefeitura Municipal foram insuficientes e não respeitaram os direitos constitucionais. Os porquês desse projeto de mobilidade na Tronco, o contexto em que isso ocorreu, e as consequências, você acompanha nesta reportagem investigativa para web.
O Caso
Contexto Local e Origem do Projeto
Zona Sul de Porto Alegre. Até o ano de 2009, quase não se ouvia notícias sobre a Avenida Tronco. Isso se não fosse por intervenção do cenário político e econômico da vinda da Copa do Mundo, o que impulsionou modificações estruturais na área, previstas há quatro décadas no Plano Diretor da cidade.
Esta reportagem poderia iniciar com o choro do filho de Isabel, empregada doméstica, que trocou sua casa pelo bônus moradia, medida habitacional oferecida pela Prefeitura Municipal a fim de melhorar sua vida. Mas hoje ela sobrevive em condições desumanas, uma consequência dessas modificações. No entanto, para fins éticos e didáticos, a narrativa dos fatos inicia com a consolidação do Planejamento de Gestão Técnica, que coloca a Avenida Tronco não só como palco principal das obras de mobilidade urbana, mas também de violação do direito à moradia.
Entre os anos de 2009 e 2010, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, em parceria com Governo Federal, por meio do Ministério das Cidades, incorporou as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de mobilidade urbana à Matriz de Responsabilidade da Copa. A Matriz tratava das áreas prioritárias de infraestrutura das (12) cidades-sede que receberam os jogos da Copa do Mundo de 2014. Conceitualmente, a Matriz de Responsabilidades é um plano estratégico de investimento econômico em obras estruturais no país. São investimentos que já estavam previstos, mas que foram antecipados com a vinda dos jogos.
O documento original, assinado em 13 de janeiro de 2010 pelo então ministro do Esporte, Orlando Silva(PCdoB), e por 11 prefeitos e 12 governadores (Brasília, uma das cidades-sede, não tem prefeito), define as responsabilidades de cada entidade Federativa na preparação do evento. Ao longo do tempo, resoluções do Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 trouxeram revisões e atualizações nas ações constantes na Matriz de Responsabilidades.
O número de projetos de infraestrutura destinados a Porto Alegre e contabilizados na Matriz eram dezesseis (16), dos quais doze (12) são de mobilidade urbana e apenas um trazia um caso vinculado diretamente a problemas sociais: o despejo de 1.525 famílias moradoras da Avenida Tronco para dar lugar a um projeto viário de 156 milhões*, composto por pistas de rolamento de 7 metros nos dois sentidos; corredores para ônibus com 3,5 metros nos dois sentidos, canteiro central, ciclovia e calçada, que podem ser resumidos pela principal alteração: o alargamento de 5,6 quilômetros da Avenida, totalizando 40 metros de largura.
No documento de Resolução do Grupo Executiva da Copa (Gecopa) com a tabela da Matriz de Responsabilidade, por exemplo, o valor total investido nas obras da Avenida Tronco corresponde a R$ 156 milhões.
A divulgação no portal www.transparêncianacopa.com.br também divulga o valor de R$ 156 milhões no Relatório Obras de Mobilidade Urbana. Porém, no link “obras”, do mesmo portal, os valores investidos não conferem, assim como no link “Licitações das Obras”.
O Planejamento Municipal de Gestão Técnica intitulado “AVENIDA TRONCO” – apresenta a alteração na Avenida como uma “obra prioritária da administração municipal dentre as obras da matriz de responsabilidade para a Copa de 2014”. Tal projeto destaca no quesito “importância da obra” dois eixos centrais: a mobilidade urbana, a fim de criar uma rota alternativa na ligação da Zona Sul com Área Central e Zona Norte, durante os jogos da Copa e o eixo social, voltado para a construção de um plano habitacional de reassentamento das famílias removidas. Em relação aos objetivos das obras, lista-se no planejamento, dispor o município de Porto Alegre, uma rota viária Centro – Zona Sul; revitalização da região da Tronco – Grande Cruzeiro com implantação de um plano urbanístico que contemple programas habitacionais e equipamentos urbanos com melhorias de circulação (transporte coletivo e ciclovia), O que também ampliaria a permeabilidade intra-bairros da região.
O projeto assinado pelo “Comitê Gestor” –representado pela Prefeitura Municipal, por lideranças comunitárias e pela Secretaria extraordinária para a Copa do Mundo- assinala melhorias sociais e estruturais, contudo sua gênese e execução deixam pistas para investigar o que está por trás das obras. Há um esquema político e econômico que faz da vinda da Copa do Mundo um pretexto para empreendimentos financeiros que privilegiam obras e que secundarizam a questão da moradia, condescendendo com uma série de violações.
Cronologia dos fatos
A discussão sobre os projetos de mobilidade urbana da capital gaúcha possui um histórico relacionado a um debate mais amplo, antecedendo a realização dos jogos da Copa no Brasil. Nesse sentido, é preciso ler os fatos em seu conjunto. A discussão, que se acirra com a vinda da Copa do Mundo, é fruto de um conflito travado há anos entre movimentos sociais, empresários e governantes: a disputa pela cidade.
2008
Em novembro deste ano, o Projeto de Lei 470 de 2002 conhecido como “Pontal do Estaleiro”, de autoria de Tarso Genro (PT) – na época prefeito de Porto Alegre – foi aprovado na Câmara de Vereadores. Esse projeto alterava o regime urbanístico da área do “Estaleiro Só”, localizado numa zona habitacional valorizada entorno da Orla do Guaíba, em Porto Alegre.
O projeto previa o uso do terreno para construção de quatro prédios residenciais com 12 metros de altura e de edifícios comerciais. Contudo, anos mais tarde, o prefeito José Fogaça (PMDB- 2005 a 2010) vetou o projeto com o pedido para que a população fosse consultada sobre a medida. A votação popular, realizada em 2009, confirmou a rejeição à construção de residências na área. Foram 18.212 (80,7%) votos contrários a 4.362 favoráveis (19,3%).
Em 2010, os galpões do Estaleiro foram demolidos, e o local passou a servir de canteiro para as obras do Projeto Integrado Socioambiental (Pisa), do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE).
2009
A governadora Yeda Crusius (PSDB) encaminha o Projeto de Lei 388 de 2009 que autorizava a Fundação de Atendimento Sócio – Educativo do Estado do Rio Grande do Sul (Fase) – a alienar ou permutar imóvel.
A área correspondia a setenta e quatro (74) hectares, localizada na região sul no Morro Santa Tereza, próximo ao estádio Beira Rio, tratando-se de uma área em que moram hoje cerca de quatro (4) mil famílias.
Esses projetos urbanísticos (PL 470 e 388) que envolviam diretamente a especulação imobiliária inauguraram uma série de discussões a respeito da disputa do território na cidade.
O caso do Morro Santa Tereza e do Pontal do Estaleiro uniram sindicatos, comunidades, setores da luta pela moradia e do movimento ambiental, e também, Movimento Sem Terra. A proposta era discutir questões relacionadas à cidade, à moradia e ao meio ambiente.
Neste mesmo ano, são anunciadas as cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, e a partir desse comunicado, Porto Alegre é incluída no rol de capitais responsáveis pela organização do evento. A Prefeitura Municipal e o Ministério das Cidades iniciam um diálogo sobre os projetos urbanísticos.
Abaixo, texto publicado no portal da SECOPA detalha como a Prefeitura de Porto Alegre avalia a realização da Copa e como serão desenvolvidas as ações para que o projeto se efetive:
Porto Alegre encara a Copa do Mundo não apenas como o maior evento esportivo do planeta, mas como a grande oportunidade de gerar o desenvolvimento e as transformações que a cidade tanto quer e precisa. A Capital do Rio Grande do Sul prepara-se para um novo período de crescimento. Com essa compreensão, foi iniciada uma grande união entre Prefeitura, Governo Estadual, Federação Gaúcha de Futebol, clubes e sociedade civil. Dessa união e do desejo dos gaúchos de fazerem parte da Copa do Mundo surgiu a candidatura de Porto Alegre. Tratada com a seriedade e responsabilidade que marca a história gaúcha, a preparação da cidade contou com o envolvimento de todos, gerando ações, projetos e, principalmente, o sentimento de que um legado de desenvolvimento, consciência ambiental e integração é possível.
No vídeo, imagens aéreas do morro Santa Teresa, região indicada na PL 388 para remoções.
2010
Neste ano, os movimentos sociais, que já haviam se organizado na luta pelo Morro Santa Tereza, barram a PL 388 de 2009 que autorizava a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) do Estado do Rio Grande do Sul a alienar o imóvel. Esse episódio foi considerado uma vitória para o grupo de moradores e integrantes de movimentos sociais que estavam mobilizados.
No mesmo ano, foi lançada a matriz de responsabilidade da Copa do Mundo que abrange as obras do PAC de mobilidade urbana. Diante disso, as comunidades que seriam atingidas pelas obras contratadas promovem uma reunião de articulação no dia 1º de setembro no Quilombo do Sopapo – ponto de cultura referência no Bairro Cristal- para discutir anseios e preocupações referentes aos projetos da Prefeitura. Assim como, foram pautadas as reivindicações e às dúvidas sobre a duplicação da Avenida Tronco, obra que envolvia diretamente a remoção de boa parte da comunidade da zona sul.
Nesse contexto de articulação dos movimentos e comunidades, acontecem dois seminários nacionais sobre moradia em contexto de megaeventos esportivos. Em São Paulo, ocorre o seminário “Impactos Urbanos e Violações de Direitos Humanos em Megaeventos Esportivos” organizado pela urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Raquel Rolnik. E no Rio de Janeiro também acontece um encontro convocado pelos movimentos populares que já tinham acompanhado os jogos Pan – Americanos em 2007 e encabeçaram um processo de resistência e monitoramento em relação aos projetos que trouxeram impactos urbanos. Esse último evento, colocou em contato os movimentos sociais das doze (12) cidades-sede e também aproximou jornalistas, professores e ativistas de outros países, como Grécia e África do Sul, que foram sede desse tipo de evento.
Os coletivos e grupos presentes no seminário decidiram construir na sua cidade-sede um Comitê Popular da Copa, nome dado aos grupos de atuação referenciados na organização do Comitê Popular da Copa de Fortaleza – CE criado por advogados da Rede Nacional de Advogados Populares- RENAP. Esse mesmo grupo articulou-se na defesa de comunidades ameaçadas de remoção. A partir daí, iniciou- se um processo de organização e consolidação do Comitê Popular da Copa Porto Alegre.
No final de 2010, o então Prefeito do Porto Alegre José Fortunati (PDT) enviou para Câmara de Vereadores um projeto que tratava da demarcação do registro de áreas especiais para assentamento. Mais de trinta e quatro (34) áreas da cidade foram apresentadas como “áreas de interesse social”. Contudo apenas três áreas eram especificas para construção de unidades habitacionais. Esses terrenos foram adquiridos por incorporadoras e estavam aprovados para financiamento junto à Caixa Econômica Federal. Contudo, ao verificarem a localização dos territórios, os membros do Comitê Popular perceberam que as áreas mapeadas eram distantes da cidade. O que os levava a crer que a política adotada pela Prefeitura se tratava de uma periferização da comunidade atingida.
Neste mesmo ano há uma alteração nas leis que regulamentam o programa Minha Casa, Minha Vida. A Lei Complementar Nº 636, de 13 de janeiro de 2010 que institui o Programa Minha Casa, Minha Vida – Porto Alegre; altera o parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar Nº 548 de 2006 e revoga a Lei Complementar Nº 619, de 2009.
O parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar nº 548/2006 estabelece que:
O parágrafo 3º explica que:
§ 3º
“Na execução de programas habitacionais, o Município atenderá como Demanda Habitacional Prioritária (DHP) a parcela da demanda por Habitação de Interesse Social destinada à população com renda familiar igual ou inferior a 5 (cinco) salários mínimos”.
Já a primeira alteração sugerida pela Lei Complementar Nº 619 acrescenta um parágrafo único ao art. 1º da Lei Complementar nº 548 a dispensa da aplicação da Quota Ideal mínima* de terreno por economia nesses empreendimentos.
Acrescentado a seguinte redação:
“Nos empreendimentos destinados a atender à DHP fica dispensada a aplicação da Quota Ideal mínima de terreno por economia, estabelecida no Anexo 8.4 da Lei Complementar nº 434, de 1999, e alterações posteriores”.
Ou seja, o último artigo dessa lei alterava uma legislação anterior que regulamentava uma cota ideal mínima de permanência de famílias em determinados terrenos, o que era previsto pelo programa Minha Casa, Minha Vida. A nova versão estabelece que para os empreendimentos destinados à Demanda Habitação Prioritária, essa aplicação de porcentagem deixa de valer em função de outros projetos.
Essa alteração provocou descontentamento nas comunidades que seriam removidas, pois muitas famílias buscavam ser reassentadas na região. A partir desse momento, o discurso da Prefeitura é que não havia áreas para reassentar famílias na região.
2011
No dia 27 de abril de 2011 acontece uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Porto Alegre para discutir a desapropriação de áreas do Jockey Club para moradia de interesse social.
A discussão veio à tona quando a governadora do estado Yeda Crusius (PSDB) aprovou por unanimidade na Assembleia Legislativa, um projeto de lei que permitia ao Jockey Club dar outra função às suas áreas cedidas pelo estado, sem precisar estar atrelada às suas atividades de hipódromo. Com essa lei, o Jockey pôde negociar cerca de (17) hectares, repassando-os à Multiplan*.
A Multiplan é uma empresa da indústria de shopping centers do país. Ela atua também na área de incorporação imobiliária, com investimentos em empreendimentos residenciais e comerciais.
O projeto da empresa visava construir 18 prédios para moradia de alta classe e outros 2 para escritórios. A negociação envolvia uma contrapartida para o Jockey de 2 edifícios comerciais e parte do dinheiro do aluguel a ser pago. Esse empreendimento era proposto em um local com visão privilegiada do Rio Guaíba.
Uma das principais reivindicações dos moradores era destinar a área das cocheiras do Jockey Club à parte das famílias que teriam de deixar suas casas para a duplicação da Avenida Tronco.
Ao final da audiência, a presidente da Câmara, Sofia Cavedon (PT), comprometeu a Comissão Especial de Acompanhamento da Copa do Mundo a cumprir as seguintes orientações: desgravar a área prevista para a Praça na Av. Tronco; revogar o artigo da lei das Áreas Especiais de Interesse Social que desobrigava o empreendedor, no caso de uma obra da Copa do Mundo, a reassentar as famílias na mesma microrregião em que já moram e, por fim, aceitar a indicação da área do Jockey para desapropriação da moradia de interesse social. Além de acompanhar o movimento, junto ao governo estadual, para recuperar a área do Jockey, mantendo o diálogo com a população.
De modo geral, a audiência foi avaliada de forma positiva por parte do movimento dos moradores, revelando a inconsistência do discurso do Governo Municipal. Ora não havia áreas na região, porém existiam áreas para conceder à especulação imobiliária para construção de empreendimentos comerciais.
Nesse período, o Comitê Popular da Copa do Mundo estava mais consolidado e se dispôs a mapear terrenos ociosos na região sul. Foi dessa maneira, que o Comitê indicou à Prefeitura dezessete terrenos para desapropriação por interesse social.
Em meio à pressão dos moradores, a Prefeitura iniciou o cadastramento das famílias que seriam removidas. Para isso, aconteceu uma reunião na comunidade para apresentar a empresa Engeplus Engenharia e Consultoria Ltda, responsável pelo cadastro e regularização fundiária. Contudo, parte da comunidade não aceitou o procedimento até que o Prefeito fosse pessoalmente até a comunidade.
De modo geral, a audiência foi avaliada de forma positiva por parte do movimento dos moradores, revelando a inconsistência do discurso do Governo Municipal. Ora não havia áreas na região, porém existiam áreas para conceder à especulação imobiliária para construção de empreendimentos comerciais.
A partir disso, iniciam-se intensos protestos e reivindicações.
Abaixo folheto do comitê popular da Copa com retomada de ações e protestosorganizados pelos movimentos sociais de luta pela moradia e moradores atingidos pelas obras.
Logo após, foi realizada uma assembleia na comunidade em que o prefeito José Fortunatti (PDT) compareceu e, segundo Cláudia Favaro, integrante do Comitê Popular da Copa, “[ele, o prefeito] firmou o compromisso de que ninguém sairia dali”. Dessa forma, o processo de desapropriação foi encaminhado e a liberação dos terrenos indicados também. – Foram essas s atitudes que fizeram com que muitas famílias aderissem e colaborassem com o cadastramento. Como relata Cláudia:
Uma das coisas que precisa ficar claro é que as famílias nunca foram contra a duplicação da avenida, nem contra a Copa, mas sim a necessidade material das famílias ali e o que as organizaria para contrapor e construir uma alternativa real para situação delas. E contribuir também, óbvio para o ponto de vista da disputa da cidade.
O cadastramento foi realizado e a Prefeitura lançou as políticas de habitação para acelerar o processo de remoção das famílias de suas casas. Foram apresentadas duas opções: o aluguel social e o bônus moradia. Para facilitar o procedimento, a Prefeitura instalou o escritório “Nova Tronco” na Avenida para negociar com as famílias cadastradas e sanar dúvidas.
O Bônus moradia é uma medida para aqueles que optaram por sair da região, tendo o valor equivalente a R$ 52.340 para a compra de uma casa. A política do bônus permite que mais de uma família junte o valor e compre uma nova moradia. Já o Aluguel Social destina R$ 500 mensais para a locação de uma casa ou apartamento. Ele é pago até a entrega das chaves das unidades habitacionais que serão construídas na região via o programa Minha Casa, Minha Vida do Governo Federal.
A Indenização é aplicável para moradias que valem mais que 52 mil reais, valor do bônus moradia oferecido pela Prefeitura. Em caso de indenização, em que a família exige um valor maior para cobrir o equivalente a sua casa, uma empresa é licitada pela Prefeitura Municipal a fim de avaliar do imóvel. Se o valor for acima dos 52 mil reais, a prefeitura deve cobrir o preço da casa.
2012
De acordo com os moradores este ano é marcado por intensa pressão por parte da Prefeitura, pois a Copa do Mundo já era uma realidade e “quem não pegasse o bônus até o final de 2012 ficaria sem casa”. Conforme o relato de Cláudia, “A Prefeitura licitou uma quantidade significativa de casas de passagem, o que se tornou uma medida ameaçadora à comunidade”. A permanência nas casas tornou- se um impasse para a conclusão das obras, que segundo o contrato a matriz de responsabilidades da Copa do Mundo deveria ficar pronta até 2014.
No vídeo, trechos da audiência pública ocorrida no dia 23 de novembro para tratar sobre os métodos utilizados pela Prefeitura no processo de remoção das famílias moradoras da Avenida Tronco e esclarecer as políticas adotadas pela mesma:
No final de 2012 acontece uma assembleia organizada pelo Comitê Popular da Copa. Nesse período de pressão, frente às opções de moradia apresentadas pela Prefeitura, os moradores e apoiadores do Comitê Popular- iniciam a campanha “chave por chave”, que mais tarde viria a ser um slogan nacional para as famílias removidas, fazendo com que o próprio Prefeito assumisse em reunião que também era “chave por chave”.
No vídeo abaixo Prefeito José Fortunatti adere a campanha chave por chave:
“Eu acho que naquele momento até ele mesmo, enquanto Fortunatti, se deu conta que o castelo dele havia caído. Ele não ia conseguir fazer a obra a tempo”. Concluiu Claudia Favaro.
Já Diane Barros, integrante do Comitê Popular da Copa explica a campanha:
É eu sair da minha casa somente quando eu tiver a chave da casa nova. Foi uma campanha muito boa assim, porque com isso a gente conseguiu indicar vários terrenos. Esses terrenos foram desapropriados para construírem as casas.
2013
Mesmo com o trabalho do Comitê Popular mais consolidado junto às comunidades, neste ano fica nítida a cisão com outros setores envolvidos no projeto das obras. Na Avenida Tronco, o debate, por vezes, é tenso. As situações de violações estavam, cada vez mais, eminentes. Neste período, acontece outra assembleia geral, que foi determinante para entender a relação de pessoas que influenciaram diretamente nos conflitos a respeito da luta pela moradia. Abaixo, o relato anônimo sobre a situação:
A assembleia convocada pelo Comitê Popular da Copa foi
comunicada com uma panfletagem na vila, chamando os
moradores para a reunião, porém, no mesmo dia, o Sr.
Michael Santos, conhecido como liderança comunitária da
Tronco, passou com carro de som convocando os moradores
para outra atividade: a assembleia geral com o Departamento
municipal de habitação – Demhab.
A assembleia iniciou com Michael fazendo uma apresentação
sobre as melhorias do bairro e as alterações positivas que
viriam com as obras. Porém, as pessoas que estavam ali não
eram as que iriam usufruir das melhorias. Por isso, o público
presente começou a se revoltar e questionar. Foi então que o
Marcos Botelho, secretário responsável pelo Demhab, pegou o
microfone e tentou responder as dúvidas da comunidade[…]
Ai levantou um senhor no meio dos demais e começa a
achincalhar o representante da Prefeitura. Nesse momento,
Michael dos Santos, a fim de defender a Prefeitura, iniciou
ações violentas contra o homem que havia interrompido a
fala. Aconteceu uma série de agressões, empurrões e socos.
Michael perdeu a legitimidade e o representante da
prefeitura ficou sem saber o que fazer e dessa forma foi
encerrada a assembleia.
Posteriormente, aconteceu a reunião convocada pelo Comitê em que foi realizada uma avaliação da assembleia. O dia sete de março, foi marcado pelo assassinato do irmão de uma das moradoras da Avenida Tronco. A vítima foi morta a tiros em local próximo à reunião. A comunidade ficou assustada, pois havia indícios de que o crime poderia ter sido planejado frente às divergências entre líderes comunitários e moradores.
No dia seguinte, oito de março, Dia Internacional da Mulher, aconteceu uma marcha organizada pelos movimentos da Via Campesina, Levante Popular da Juventude, Movimento dos Trabalhadores Desempregados e Comitê Popular da Copa para denunciar a relação entre a luta pela moradia e a questão de gênero. A marcha iniciou na Avenida Tronco, mobilizando para o ato, cerca de 600 mulheres.
O ano de 2013 contou como ponto conjuntural no processo de luta por direitos: as mobilizações de junho e julho que inauguraram uma série de protestos contra o aumento da passagem em Porto Alegre. O Comitê da Copa deslocou-se para acompanhar a pauta das ruas e também para colocar na agenda dos movimentos a luta das comunidades atingidas pelas obras da Copa. É nesse contexto que o preço da passagem é reduzido em Porto Alegre e as mobilizações “estouram” em outros locais. Frente a esses acontecimentos, a Prefeitura anuncia a retirada das obras da matriz de responsabilidade da Copa.
Em geral, a decisão da retirada das obras da Matriz de Responsabilidade da Copa do Mundo foi positiva.
Como evidencia Cláudia Favaro:
Foi uma vitória para a comunidade, mesmo não solucionando os problemas das famílias. Pois, com essa retirada pelo menos acabou o padrão FIFA.
Já os representantes da Prefeitura Municipal Rogério Baú, engenheiro responsável pelas obras de mobilidade da Copa em Porto Alegre, e Marcos Botelho, diretor – geral adjunto e coordenador do projeto habitacional Nova Tronco, esclarecem porque essa alteração contratual foi vantajosa:
A retirada da matriz foi vantajosa pelo seguinte sentido: A conclusão até a Copa se não vocês perdem os recursos. Se nós já tínhamos em nosso planejamento o PAC da mobilidade urbana, e a Copa só foi um momento oportuno, então significa que nós não podemos penalizar as cidades-sede em casos de não conclusão com cancelamentos de contratos. Até porque essas obras não têm ligação direta com a Copa. É para qualificar a cidade mesmo.
Rogério Baú
A retirada da matriz foi vantajosa porque aquele discurso pros elitista* de que as pessoas estavam sendo despejadas em função da Copa acabou, porque não era verdade. Tanto é que hoje não ouço ninguém falando isso, de questão de Copa, no escritório da Tronco. Nunca mais ouvi esse discurso.
Marcos Botelho
2014
Os medos e os problemas apontados desde o início pela comunidade e difundidos pelos movimentos sociais se concretizaram: as obras não terminaram e o cenário de destruição permanece o mesmo na Avenida Tronco. A construção das unidades habitacionais, por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, requerem a atuação de três atores: Prefeitura Municipal, Caixa Econômica Federal e Construtoras privadas.
Ainda no mês de agosto de 2014, as obras estavam “congeladas”: de um total de 5,6 quilômetros a serem asfaltados, apenas 2 quilômetros foram executados.
Até o momento apurado pela investigação, a Prefeitura havia adquirido dezesseis (16) áreas localizadas no entorno da Avenida Tronco e assumido o pagamento das prestações dos apartamentos. Foram publicados três (03) editais para a manifestação de interesse das construtoras. Porém, somente na terceira publicação surgiram interessados.
Segundo a assessora do Departamento de Habitação da Prefeitura Municipal, Maria Inês Mello “As áreas foram agrupadas em setores no edital, para que mais empresas pudessem participar do chamamento”.
O número dos respectivos editais e as construtoras contempladas:
Editais:
Chamamento 01/2012
Setor I – Cristal = 25/07/2012
Empresa selecionada Goetze Lobato Engª Ltda.
Chamamento 02/2012
Setor II – Silveiro = 25/07/2012
Empresa selecionada Kaefe Engª e Empreendimentos
Imobiliários Ltda.
Chamamento 03/2012
Setor III – Mutualidade = 25/07/2012
Empresa selecionada – Consfor Construtora Marques da Costa Ltda.
Chamamento 04/2012
Setor IV – Glória = 25/07/2012
Empresa selecionada – Consfor Construtora Marques da Costa Ltda.
Os chamamentos também são publicados no site
portoalegre.rs.gov.br
A Caixa Econômica Federal está responsável por garantir os recursos para a construção dos edifícios, pagando diretamente às construtoras. Segundo Rogério Baú, o projeto habitacional, previsto para o reassentamento dos moradores, ainda não foi concretizado, pois está em análise na Caixa, que foi procurada para responder questões relativas à situação das obras de mobilidade da Avenida Tronco e não retornou o contato.
Até o dia dezesseis (16) de Maio de 2014, 126 famílias aderiram ao aluguel social; 460 ao bônus moradia e 117 reivindicam indenização. Os demais moradores, seguem temerosos por sua moradia e vivem cotidianamente as incertezas e promessas de uma vida em meio a escombros.
Os Envolvidos
Os fatos apresentados nesta reportagem foram construídos, a partir de diversos relatos concedidos em entrevistas e documentos pesquisados que traçaram os caminhos e utilizados para realizar tal investigação.
Entre os meses de maio a agosto de 2014, foram ouvidos representantes de entidades públicas, como a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, os moradores da Avenida Tronco e, também, os integrantes do Projeto Integrado Socioambiental (Pisa) que passam pelo processo de despejo semelhante aos vivenciados na Avenida Tronco. Foram entrevistadas, ainda, lideranças comunitárias e integrantes de movimentos sociais de luta pela moradia, que a partir dos relatos, indicaram outros entrevistados e apresentaram documentos que mostram histórias do cotidiano dos envolvidos.
As linhas narrativas da reportagem são resultado de conversas e diálogos com mais de dezoito (18) sujeitos que estão envolvidos direta, e/ou indiretamente, no caso da duplicação da Avenida Tronco. No que diz respeito à “comunidade”, nem todos tiveram seus relatos socializados de forma explicita. Isso deu – se pela impossibilidade de registrar algumas falas, o que seria prova crucial para publicar determinadas versões.
Decidimos publicar alguns trechos que não revelam a identidade de alguns entrevistados, e dessa forma optamos pelo uso de pseudônimos. Alguns rostos e falas aqui não registrados, e por isso, não veiculados, se justificam por um único motivo: o medo de expor pessoas que estão suscetíveis a ameaças e têm medo de perderem seus direitos aos explicitarem suas opiniões.
Em “Os envolvidos” estão presentes alguns personagens e suas posturas, essenciais para compreensão do caso retratado.
Legenda:
Ao longo da Avenida Tronco é possível encontrar comércio de diferentes tipos: Armazéns, borracharias, oficinas, bares, salões de beleza que traduzem de onde vêm o “ganha pão” de parte dos moradores da zona sul. Muitos dos estabelecimentos também são moradias, como é o caso de Dona Vera, 47 anos, que mora e trabalha há 19 anos em sua funilaria.
Há um ano, ela não imaginava que o local em que mora viria abaixo para dar lugar ao asfalto.
Situação: Vera recorreu à indenização por acreditar que o valor do bônus (R$ 52.340,00) é inferior ao valor de sua casa.
Também serei removida. Só que eu pedi para fazerem avaliação da minha casa e até agora não fizeram nada. Algum tempo atrás eles passaram em toda a rua fazendo um cadastramento. Eu tenho um número ali na frente da minha.
Fizeram uma entrevista e pegaram meus dados, eles perguntam “se eu queria um bônus ou se queria outra casa…”. Nesse momento eles não haviam falado em valores, mas como eu já imaginava que os valores do bônus eram muito baixos, eu já pedi para fazerem a avaliação da minha casa.
Um tempo depois a pessoa que me atendeu falou que tinha extraviado o meu processo e não sabia que valor era e pediu pra mim abrir outro processo. Eu fui e abri outro no ano passado (2013) e até agora ninguém veio mais.
Não tem ninguém me acompanhando. Eu só converso com o Botelho, não converso com mais ninguém, mas ele nunca veio aqui na minha casa. A Prefeitura não transmite confiança”.
Ah, quando tu olha assim, tu vê casas, aliás, tu nem vê casas mais, tu vê só aqueles terreno ali que está cheio de entulho tu sente uma tristeza, angústia. Porque tu vê as pessoas já que resolveram seu problemas, daí tu vi lá vê como que está teu processo e eles não sabem onde que está. Dai dizem assim: Ah perdi, abre outro. E ninguém aparece para conversar com você. Então fica isso ai.
A questão da moradia é fundamental para a garantia de outros direitos. Geralmente, as mulheres são as que mais sofrem com o processo de remoção, devido ao acompanhamento de crianças e idosos. No caso de Isabel, 20 anos, dois meses de mudança foram o bastante para perceber que seus direitos e os dos seus filhos haviam sido subtraídos.
Situação: Isabel, mãe de dois filhos e trabalhadora doméstica foi removida da região que morava há 10 anos, por causa do Programa Integrado Socioambiental (PISA) que veio antes das obras de mobilidade urbana da Avenida Tronco. Isabel sobrevive em condições precárias para si e para seus filhos após ter aceitado o bônus moradia.
Fazia uns 10 anos que a gente morava lá. Olha foi por 2004, 2005, se não me engano que o despejo começou a virar verdade. Ai a “mulher” foi lá e disse que tinha 6 meses pra sair.
Eu acho uma palhaçada essas obras! Tipo tem muita coisa pra eles se preocuparem… com a saúde pública, em vários lugares não têm escolas, têm pessoas na rua, passando fome, frio, aí eles gastam dinheiro em que? Em obra que não vale a pena, que amanhã ou depois, vai ser tudo destruído de novo. Vem a Copa e a gente fica como? Vai fazer bem pra eles, que são ricos e vão frequentar. Então eles tinham que pensar em nós um pouco. Eles não pensam, eles só pensam neles.
Dá uma dor ver as casas destruídas, porque a gente cresceu, se criou lá dentro da vila. Tive que sair numa boa dali, mas por mim não saia. Porque eu vou dizer… Ali perto tinha uma creche em que a minha filha ficava, era mais perto pra poder deixar eles. Tinha um lugar pra eu poder trabalhar. Agora eu padeço, nem creche eu consigo. Eu tenho que madrugar. Se o prefeito diz que pensa nos moradores de porto alegre ele tem que pensar nisso.
Situação: Manoel optou pelo aluguel social. Ele não mora nos pontos que deverão ser removidos. Contudo, sua oficina encontra-se exatamente no espaço demarcado para alargamento da Avenida. O acordo feito por ele com a Prefeitura era de adesão ao aluguel social, correspondente ao espaço da oficina. No entanto, seu processo foi perdido inúmeras vezes.
Para mim eles não avisaram nada. Nunca ninguém veio aqui dizer que minha oficina ia ter que sair. Eu que corri atrás, fui lá duas, três, quatro, cinco vezes! até eles disserem: “Não, vai sair!”.
Comigo foi legitima sacanagem. Eu acertei com o “cara” um aluguel social, porque a oficina ia ter que sair, mas a casa não. Pra mim era até bom… Pensei. Eu passo a oficina pra minha casa e vou morar em outro lugar. Acertei com eles, tudo certinho, mas quando chegou na hora, o cara que era o engenheiro responsável, o “Ernani”, saltou fora. Ele disse assim pra mim: “ô Manoel eu não posso mais te ajudar. Eu vou embora. Fale com a mulher que agora está lá”. Ai eu fui lá falar com a outra mulher e ela disse “não, tá aqui tudo certinho, vamos dar continuação”.
Conforme o depoimento de Manoel, ele já havia acertado a sua situação com a nova responsável por seu processo no escritório da Prefeitura, na Tronco. Nesse sentido, outra reunião foi agendada para tratar do caso.
(…) Quando eu cheguei no dia marcado ela tinha saído. E ai eu fiquei, tá e agora? Pra onde que eu vou? O que eu faço? Fui atrás de um advogado e entrei com um pedido. Daí consegui o aluguel social. Eles tiveram que me pagar o aluguel. Só que o processo da oficina sumiu! Isso há dois anos (2012). Dai no ano passado (2013), a assistente social deles me ligou “-Ah, teu processo está aqui, vem aqui para nós acertar de novo”. Eu fui lá, mas eu queria falar com o Botelho. Eu fui umas seis vezes atrás do cara. Um dia eu fiquei estressado e disse “- Pô meo, são seis vezes que eu venho atrás de ti, cara… Que eu fecho minha oficina, eu preciso trabalhar”. Depois disso, no mês passado já (abril de 2014), abriram mais dois processos e disseram: “-não, semana que vem vou mandar um pessoal lá, eles vão te visitar, vamos ver se acertamos alguma coisa contigo, porque é prioridade”.
Há dois meses, Manoel aguarda contato de algum representante da Prefeitura, mas ninguém apareceu para dialogar. Ele mostra-se preocupado com a falta de documentação:
Não tem nada no papel assim “não está escrito nada”. A comunidade está apreensiva. As pessoas estão passando necessidade. Tem gente apavorada. Sofrendo pra trabalhar, para se locomover. A coisa está ruim, o tráfico está tomando conta. A Prefeitura não toma jeito, não dá assistência para as pessoas.
Diane mora no Bairro Camaquã, comunidade vizinha da Tronco. Ela integra a parcela dos moradores da zona sul que está organizada em luta pela defesa do direito à moradia.
Militante do movimento social Levante Popular da Juventude, Diane é uma das mulheres negras que integram também o Comitê Popular da Copa e atua como educadora popular e social no Quilombo do Sopapo. Este que é um ponto de cultura referência para o Bairro Cristal, local que, por vezes, torna-se o espaço de articulação de protestos e assembleias das comunidades atingidas por obras de mobilidade urbana e demais problemas que ferem os direitos das famílias da região.
Segundo Diane, a violação dos direitos humanos acontece concomitantemente com o início das obras. Foi durante esse processo, que as pessoas começaram a receber a notificação de despejo e não sabiam como proceder. Acometida, por tal circunstância, ela também questiona o valor do bônus moradia que é de 52 mil reais, pois algumas residências, em sua opinião, valem mais:
Na minha opinião, não precisava ser dessa maneira, porque a gente já sabe que a Copa no Brasil foi aprovada há muitos anos e eles tiveram muito tempo pra fazer esse diálogo, pra ir às comunidades, conversar com as pessoas e fazer da melhor maneira possível, e isso não foi feito. Então, não teve diálogo em nenhum momento. E quando tu ouve a Prefeitura falando “não, que a gente tá discutindo com as comunidades” é, na verdade, mentira.
O bônus moradia é no valor de 52 mil sem previsão de alta e têm casas boas e outras mais humildes e aí tu coloca essas duas opções, só! Só essas duas opções. Casa na região eles dizem que vai ter, mas sabe se lá quando… O valor do bônus não contempla, porque o valor do mercado é muito alto e aqui na região tu não encontra moradia nesse valor.
Dói, é de doer o coração(…) Porque as pessoas não sabem para onde vão, não querem arrumar seu telhado quando chove, não querem arrumar uma parede, porque eles sabem que algum dia aquela casa vai ser derrubada. Então isso não é dignidade, tu não poder arrumar o teu telhado e deixar que chova dentro da tua casa, por causa de um projeto que está posto aí e que tu nem sabe como é que vai ser o desfecho. Isso não é dignidade de moradia e muito menos de sobrevivência porque muitas vezes pra tu sobreviver tu precisa de um teto.
O processo de remoção envolve diversos projetos que estão em disputa. Existe, nesse sentido, um projeto da Prefeitura Municipal e, também, outro elaborado por pessoas denominadas referências comunitárias da Tronco. Há outro ainda proposto pelos moradores organizados no Comitê Popular da Copa e fora dele. As propostas fazem-se visíveis pela forma de atuação de cada envolvido e pela leitura política de grupo para solucionar os problemas. Assim, ora coincidem em algumas políticas, ora tomam rumos diferentes. Essas ações são frenteadas por pessoas que acabam se revelando nesse processo por conta de suas práticas e posturas. Nesse sentido, existem relatos pessoais que evidenciam as irregularidades relacionadas à Prefeitura e às remoções. Sumiços de processos e documentos, assassinatos e ameaças são crimes mencionados nos relatos anônimos.
Essas obras não são um legado social, não têm legado social nenhum, porque não têm discussão com o beneficiário e com a pessoa que está sendo atingida… Não tem casa construída até agora! Até agora a gente só vê obra e mais obra, pessoas sendo assaltadas em função disso, pessoas sendo mortas porque tu vai tirando de pouquinho e pouquinho e tu vai deixando outras pessoas e ai o que acontece? (…) Quando tu remove uma família, nem sempre a Prefeitura destrói a casa, deixa as casas ali pra que as pessoas que utilizam drogas usem aquela casa e ali montem o negócio. Se é uma região que antes não tinha um tráfico tão exposto, já começa a ser… Fulano lá descobriu que o tráfico do ciclano de tal está morando ali, vai lá, já contei de como aconteceu ali na Tronco de terem matado um menino que não tinha nada a ver? O menino nem traficava, nem fumava maconha. Era um estudante, era um trabalhador morto pela polícia. (…) Pra mim a responsabilidade social deles, que está sendo posta é que pobre, preto e fodido não tem direito a porra nenhuma!
Além disso, existe uma denúncia relacionada ao sumiço de processos cadastrais por parte da Prefeitura em seu escritório na comunidade. Segundo a personagem entrevistada os cadastros também são utilizados como ferramenta para ameaçar e dificultar o andamento dos processos de indenização:
Não vamos muito longe… um amigo meu que, a casa dele foi avaliada pela Prefeitura em tantos mil. Ele pagou uma outra pessoa para fazer a avaliação que deu um valor acima do valor que a Prefeitura daria para ele. Foi colocado na justiça e ganhou o processo. Na hora dele receber o dinheiro, o que aconteceu? Sumiram com processo dele.
De acordo com o entrevisitado anônimo, o homem que havia solicitado a indenização foi ameaçado: “vamos colocar fogo na casa dele”. Esse era o plano daqueles que compõem “a máfia da tronco” como define o entrevistado sem rodeios.
Eu acredito que exista essa máfia pelo relato de muitas pessoas é bem complicado sobre o seu Michael e o seu Paulo Jorge, por exemplo. Um dia aconteceu uma reunião na Alberto Bins e começamos a ouvir tiros. Aí veio uma pessoa correndo e gritando; chamando uma senhora que estava na reunião… A reunião teve de terminar, porque descobriram que tinham matado um familiar dessa senhora. Alguns dias depois, ficamos sabendo que essa pessoa havia sido morta porque que tinha brigado com Michael por conta da duplicação da Avenida Tronco, por não concordar com coisas.
Dentre os envolvidos assinalados nesta investigação, é possível encontrar diferentes tipos de enredamento. Alguns sujeitos são peça chave para o desdobramento de alguns fatos e para apresentação de indícios de outros. É o caso de Cláudia Favaro, 31 anos, arquiteta e urbanista, representante estadual e nacional do Comitê Popular da Copa.
Para Claudia, existem “furos” muito grandes nas políticas habitacionais oferecidas pela Prefeitura. Além disso, mesmo que o Minha Casa, Minha Vida seja a saída concreta para os reassentamentos, ela acredita que o programa precisa ser melhor debatido e ampliado.
Eu não considero o bônus moradia uma política habitacional. O valor do bônus moradia é equivalente ao valor da unidade habitacional do programa Minha casa Minha vida. Ele não diz que o valor do bônus é 52 mil reais. Então quando a lei foi aprovada era 52 mil e foi sendo pago para as famílias… Logo depois, houve um aumento do valor do Minha Casa, Minha Vida e essa diferença nunca foi paga. Não existia essa hipótese, muito pelo contrário. Algumas pessoas conseguiam casas de mais baixo valor e a Prefeitura desembolsava ainda menos que isso. Outra coisa que aconteceu foi de pegarem mais de um bônus e acentuarem os casos de coabitação. O que para uma política pública é inadmissível, tu injetar recurso público, para criar uma política pública que ao invés de sanar o déficit quantitativo piora o déficit qualitativo, então tu não está trabalhando numa política habitacional claramente.
Na Tronco, o Minha Casa Minha Vida é uma conquista para uma população que tem uma família pequena, que consegue se adaptar em um apartamento. Muitas aceitaram o bônus moradia, porque não conseguiriam morar em um apartamento, mas em nenhum momento foi cogitado sequer o formato da casa, e isso prejudicou muito o processo. Outra dificuldade que o Demhab teve foi licitar empresas construtoras, porque o Minha Casa, Minha Vida zero a três não dava lucro, pois as empresas não querem fazer casa para quem precisa de casa. Do ponto de vista da Tronco, é uma conquista sendo naqueles terrenos e para quem for realmente conseguir ficar na comunidade, mas até hoje as famílias não conhecem o projeto. Não tem participação.
Existem muitas opiniões com relação às lideranças comunitárias da Tronco. Dentre os indivíduos entrevistados, alguns expuseram uma série de ameaças e violência por parte de alguns representantes.
Segue abaixo, mais um dos relatos anônimos, a fim de não expor o entrevistado:
Em 2013 eu recebi uma ligação dizendo “onde é que tá tua filha? Tá na escola? Tu acha que ela tá segura na escola? Se eu fosse tu pensava onde que tu ia passear… Aí desligou a ligação. No dia seguinte eu vou pra casa, estou chegando com minha filha da escola que fica aqui pertinho e me ligam “ah… tá deixando tua filha na escola de novo?! Tem certeza que é o melhor lugar pra ela estar?” Isso continuou por umas três semanas. Depois disso, eu deixei de ir para a Vila Tronco por um bom tempo. Eu não tenho nenhuma dúvida de que foi uma articulação do Michael dos Santos e da Prefeitura, ele fez a ameaça justamente porque ele estava perdendo o poder naquele momento. Ele perdeu legitimidade na assembleia geral quando ele expôs a Prefeitura a uma situação terrível.
São três representantes na comunidade: Três representantes como a comissão de habitação que representavam os moradores em relação à Prefeitura. São eles: o Paulo Jorge, o Michael dos Santos e a Bernadete. Que são da Associação de Moradores da Avenida Tronco (AMAVTRON), mas nem tudo alí, na beira da Tronco, é Vila Tronco. Tem o Cristal, a Divisa, tem o Glória, ou seja, envolve várias associações de moradores. Como é que a gente tem só três pessoas que não vão ser removidas e que estão diretamente interessadas do processo de duplicação da Tronco, como os representantes da comunidade? O Michael, por exemplo, possui cerca de 6 terrenos que são propriedade dele, e que obviamente valorizariam com esse processo de duplicação da Avenida Tronco.
O processo de investigação dos fatos precisa ser minucioso e abranger todos os “lados” de uma mesma história. Nesse caso, foram entrevistados representantes da Prefeitura Municipal de Porto Alegre responsáveis pelas obras inicialmente vinculadas a Matriz de responsabilidade da Copa.
Marcos Botelho é Diretor-Geral Adjunto e Coordenador do projeto habitacional “Nova Tronco”. Ele explica como iniciou a construção das obras da Avenida Tronco e como se projetou as políticas habitacionais e a execução das remoções.
A Prefeitura, num primeiro momento, se dispôs a colocar as famílias que quisessem ser atendidas em aluguel social, se comprometendo a construir unidades habitacionais pra que essas famílias que fossem pra aluguel social pudessem retornar para uma casa definitiva. E as comunidades vieram com outros retornos; um deles foi o bônus moradia proposto pelas comunidades, que já era uma alternativa que a prefeitura utilizava em outro programa, que era o programa socioambiental.
O objetivo de fazer essas obras era um legado para a cidade. A Avenida Tronco é mais uma obra social, do que uma obra física. Eu falei com técnicos dos Ministérios da Cidade. e hoje, a Tronco é a segunda obra do país em remoção de famílias, pois a primeira é em Recife. A maneira como estão conduzindo lá me deixou pasmo, porque, eu já tinha ouvido isso dos técnicos do Ministério das Cidades que nenhuma cidade tinha dado tantas alternativas e possibilidades quanto nós aqui.
Para ele, o escritório da Prefeitura na Avenida também opera como um espaço de atendimento psicossocial às pessoas:
“Quando se desenvolveu o projeto, se entendeu a necessidade de fazer uma base dentro da comunidade, porque isso? Porque as pessoas, por mais que elas estejam conscientes de que vai ter um projeto que vai afetar , elas tendem a esperar que o trator chegue à porta delas para quer se movimentar,e não é isso que a gente queria. A gente queria que as pessoas se resolvessem por elas mesmas antes de qualquer obra chegar à porta delas. Então se desenvolveu um escritório gerido por profissionais que atendem todos os âmbitos do processo lá. Por vezes a gente vê que faz um trabalho de psicólogo também, porque a gente sabe que ali tem famílias desestruturadas, então às vezes quando a pessoa senta contigo pra conversar… Ela não quer só falar da questão habitacional, mas quer também contar alguma coisa da vida dela. E tu tem que ter a paciência de ouvir, tem que ter o carinho para dar para pessoa. E a bem da verdade acaba que as pessoas acabam nos achando da própria família. Eu ando às vezes ali pela Avenida pra ver como tão as coisas e as pessoas me convidam pra tomar café. (…) Existe um acompanhamento das famílias, a nossa área técnico social ela faz um trabalho antes, durante e depois no sentido de ver as famílias bem”.
A gente pode analisar sob vários pontos de vista a importância das obras da Tronco. Primeiro pelo volume de recurso envolvido. No caso da Tronco a obra é 180 milhões em investimentos. Perdão, 156 milhões, um valor significativo se a gente comparar que temos 888 milhões.
Segundo, a Tronco, desde os anos 50, estava gravada no plano diretor para qualificação da zona sul, leste e central, uma qualificação a fim de estabelecer uma situação de dignidade para as pessoas que moram naquela região.
O primeiro movimento nosso foi de elaborarmos um cadastro de informação de família por família. Situação de número de pessoas, número de filhos, escolaridade, renda, a sua expectativa em relação a plano habitacional que ela pretendia. Pretendia-se morar em um apartamento do programa Minha Casa, Minha Vida. A outra forma é o pagamento de um bônus moradia. Porém, 75% queriam um apartamento do Minha Casa. A prefeitura entra com os terrenos para as habitações serem construídas, compra os terrenos e a Caixa vem com recurso, com montante de dinheiro que a construtora precisa para erguer os prédios. A construtora é remunerada com o percentual já pré-estabelecido de lucro. Essa dívida de erguimento dos prédios passaria para as famílias, mas a prefeitura interferiu e se responsabilizou pelo pagamento.
Com a escolha de Porto Alegre, como uma das cidades sedes do Brasil, nós reorganizamos nossas ações no movimento comunitário. Nós temos o fórum dos delegados, os conselhos populares- que reúnem e discutem com a comunidade- e assim que teve essa escolha, como cidade sede, nós reorganizamos a comissão de habitação e passamos a denominá-la de Comissão de Habitação e SECOPA- da qual eu fui escolhido como coordenador geral. Conseguimos estabelecer um diálogo franco, aberto e construtivo com a Prefeitura. Colocamos como prioridade o reassentamentos de famílias na região e indicamos áreas na região para que a Prefeitura fizesse a desapropriação para a construção das moradias habitacionais. O bônus moradia é uma das modalidades de indenização… muitas famílias tiveram a oportunidade de voltar para a sua cidade de origem. Então o bônus moradia ele te dá a oportunidade de unificar as famílias, porque com R$ 104.680 (valor de dois bônus moradia somados) elas já conseguem ficar mais próximas daqui e muitos tem essa opção de permanecer morando junto ou, ás vezes, acham terrenos que têm mais de uma casa e assim conseguem resolver as suas vidas.
Talvez aqui seja a única região, talvez a primeira comunidade, que esteja se preparando para receber os jogos da Copa. Hoje tem ação nos muros e nas casas estão pintando o verde e o amarelo, o azul, desenhando o logotipo da copa, do mascote da FIFA criando todo um clima (…) A comunidade não é contra a Copa e a gente fica muito chateado quando gente de fora, movimentos políticos partidários, movimentos que são de oposição ao governo da Prefeitura Municipal, são de oposição ao Governo do estado, são oposição ao Governo Federal tentam usar a ideia de que a comunidade está sofrendo violação, não existe nenhuma violação! Não tem nenhum caso aqui de que famílias foram despejadas, foram arrancadas na marra.
As Violações
Onde o conflito se acirra
A Copa do Mundo aconteceu no Brasil e talvez os impactos sociais de sua vinda tenham sido irrelevantes em algumas cidades. Sem dúvida, muitos brasileiros torceram e comemoraram em frente à televisão ou nos estádios. Muitos moradores da Avenida Tronco também não foram contra a Copa e acompanharam as partidas de futebol na expectativa que a seleção brasileira se consagrasse campeã e talvez assim, trouxesse o sorriso para o rosto do povo brasileiro.
O caso aqui abordado exige que façamos as perguntas certas para não esbarrarmos em falsos dilemas. O problema central que buscamos discutir não é a existência de um evento que reúne seleções de futebol de todo o planeta para jogar um esporte popular. Os problemas centrais são os que estão por trás deste megaevento esportivo: Copa para quem? Quem são os beneficiários desse megaevento esportivo? Houve interesses subjugados para que outros se privilegiassem com a vinda da Copa do Mundo? Qual é o legado que a Copa deixou no Brasil?
Ao colocar o Brasil como sede da Copa, os governantes prometeram aplicar recursos para modificar a estrutura urbana das maiores cidades brasileiras e com isso oportunizar a melhoraria da vida da população. É verdade que algumas cidades tornaram-se polos de empregos na construção civil, e que milhares de recursos foram mobilizados para isso. Porém, segundo o levantamento da Agência Pública, a partir da análise do 10º balanço do PAC 2, em nível nacional apenas (7%) das obras estão concluídas. Entre elas, obras que iniciaram em função da Copa do Mundo.
Nesse sentido, a Copa do Mundo traduz a renovação de um modelo de desenvolvimento expresso na realização de grandes obras e na transformação de questões sociais numa lógica de mercado, o que é expresso também pela entrega do setor de serviços a empresas privadas, reduzindo-se gastos com políticas essenciais à população. Nessa lógica, os direitos humanos não foram respeitados e tampouco protegidos no âmbito das intervenções que aconteceram para a preparação das cidades-sede para a Copa do Mundo. A pauta do direito à moradia é um exemplo, pois em Porto Alegre, o legado foi as remoções das comunidades. (veja no link Copa e Direito à Moradia)
A experiência vivenciada na Avenida Tronco mostra que as obras foram priorizadas ao invés das políticas habitacionais. Documentos, relatos de moradores e o próprio Planejamento de Gestão Técnica das Obras, mostram que os interesses da comunidade foram secundarizados, e, portanto, os direitos humanos e de moradia também.
Foto: Luciele de Oliveira
As violações na Avenida Tronco
O Comitê Popular da Copa de Porto Alegre tem divulgado o número 8 mil famílias, isto é, cerca de 36 mil pessoas, afetadas pelos projetos inicialmente atrelados à realização dos jogos na capital gaúcha. Desse modo, esta reportagem trata especificamente da situação vivenciada pelas 1.525 famílias moradoras da Avenida Tronco em Porto Alegre.
Nesse sentido, ao elaborar um projeto de mobilidade que envolva a remoção de famílias, é necessário que sua importância seja avaliada, de maneira a analisar se é realmente, indispensável o ato de desalojamento de moradores. Além disso, há que se pensar não só em quem são os atores beneficiados nesse processo, como também o impacto que tal ação provocará e, sobretudo, pensar se existem alternativas para reduzir esse impacto. Todos esses aspectos necessitam ser considerados, a partir de uma análise baseada nos direitos humanos dos envolvidos. Por isso, é importante apoiar-se em questões legais e em recomendações dos direitos universais para compreender aquilo que se denomina “violação”.
No âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), já existem vários textos que reconhecem o direito à moradia e, inclusive, definem critérios para a realização de remoções e despejos de moradias, de forma a preservar a vigência desse direito. Na Relatoria da ONU para o direito à moradia adequada, existem, desde 2007, os “Princípios Básicos e Orientações para Remoções e Despejos Causados por Projetos de Desenvolvimento”. Além disso, em 2010, foi publicada a cartilha “Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções” e, também, o folheto “Querem nos despejar. E agora?”, que explica os princípios básicos em linguagem acessível para as comunidades atingidas por essas ações. Contudo, se compararmos a atuação do governo municipal em Porto Alegre com os tratados internacionais e recomendações para promoção do direito à moradia para que as obras aconteçam sem problemas de ordem social, veremos que estes ficam aquém do que deveriam.
Por exemplo, segundo os Princípios Básicos existem condições mínimas para que todo o processo de remoção seja efetivamente participativo e íntegro. Porém, se considerarmos os relatos dos moradores da Avenida Tronco, e as leis e os tratados de direitos humanos consultados para desenvolver essa reportagem investigativa, é possível inferirmos que as políticas de habitação oferecidas pela Prefeitura Municipal possuem falhas graves.
A política do ALUGUEL SOCIAL, por exemplo, é uma medida equivocada, uma vez que ao sair de sua casa, a família fica vulnerável. Isso porque o seu direito à moradia não é garantido e a família termina por morar em um apartamento alugado pela Prefeitura num valor de R$ 500,00. Para Claudia Favaro, integrante do Comitê Popular da Copa, “Isso faz com que elas fiquem a mercê da Prefeitura, que a qualquer momento pode oferecer-lhes como única alternativa um apartamento no bairro Restinga (periferia da cidade)-, e a família pode se ver obrigada a de fato abandonar suas raízes e o bairro que com seu suor construiu”.
Neste tipo de alternativa, cada família é responsável por procurar o seu imóvel. Contudo, na região, dificilmente se loca um imóvel com esse valor, o que para Claudia reflete um problema que se alastra, pois significa um afastamento dos moradores da cidade. Segundo ela, “o que ocorre é que a família termina por alugar um imóvel longe de seu posto de trabalho ou do posto de saúde onde é atendido, causando diversos problemas à família, podendo inclusive colaborar com a demissão e, por conseguinte resultar em desemprego”.
Já o BÔNUS MORADIA pode, num primeiro momento, ser uma saída para o morador que deseja ir embora da região. No entanto, o valor oferecido, que equivale a uma unidade do Programa Minha Casa, Minha Vida, descontando-se o preço do terreno, é de R$ 52 mil ou seja, também abaixo do valor requerido para compra de imóvel na cidade. Para Cláudia “o que muitas famílias têm encontrado em suas buscas de casas são casas em zonas de extrema periferia, ou cidades vizinhas como Viamão, Sapucaia, ou mesmo o interior ou a praia que é opção para algumas, mas não é, e não deve ser “opção” para todas as famílias. O que acaba se tornando solução para muitas dessas famílias é juntar até dois núcleos familiares, ou seja, dois ou três bônus para adquirir uma única casa. Isso aparentemente pode ser uma solução para as famílias, mas torna a aplicação da política pública ainda mais perversa, visto que o papel essencial da política habitacional é sanar o déficit habitacional agravado durante anos”.
Contudo, essa prática colabora com o agravamento do déficit qualitativo, em que a política pública incentiva e efetiva o aumento considerável do número de casos de coabitação, o que, de fato, pode gerar problemas sem precedentes, chegando a destruir famílias, agravando casos de violência infantil e os casos contra as mulheres.
Portanto, as sistemáticas remoções e as violações de direitos contribuem para a reconstrução de um outro cenário da Copa do Mundo, que revela um drama nas comunidades e uma postura política negligente adotada pela Prefeitura Municipal. Por exemplo, na cartilha “Como Atuar em Projetos que Envolvem Despejos e Remoções” a indicação para atuação no período anterior à execução das obras é de análise profunda do projeto precedendo o mapeamento dos atingidos. Além disso, os critérios para o estudo de impacto da remoção devem ser construídos a partir de um processo consultivo e devem ser desenvolvidos com a participação da população atingida. Nesse sentido, já podemos visualizar algumas incoerências na construção e execução do projeto de mobilidade urbana da Avenida Tronco que iniciou sem diálogo amplo com os moradores, expresso também no período de cadastro das famílias para receberem as políticas habitacionais
De acordo com Claudia o cadastro elaborado pela Prefeitura sequer foi utilizado para fazer o plano.
No cadastro tinha uma pergunta, por exemplo: qual alternativa você… ficar na vila ou sair, casa ou apartamento, um bônus moradia ou aluguel. E tu não sabias em que condições era essa saída e nem o que era o bônus moradia, nem quanto ia ser esse bônus moradia. É uma pergunta vaga que tu tinhas que decidir, na frente de uma estagiária que está anotando ali, a resposta que iria ser o futuro da tua vida! Tu nem tinhas tempo de debater isso com a tua família.
Segundo a cartilha “Como Atuar em Projetos que Envolvem Despejos” toda a remoção deve ser autorizada por lei; deve ser levada a cabo em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos; deve ser realizada apenas com o objetivo de promover o interesse público geral e ser também regulada de forma a garantir indenização justa e a reinserção social.
Segundo a cartilha, os casos de remoções consideradas legítimas devem sempre estar relacionados a obras que sejam de relevante interesse público. Além disso, a análise quanto à necessidade e adequação de um projeto de infraestrutura e urbanização deve ser feita de forma transparente, com espaço para apresentação de alternativas. Isto é, aqueles que potencialmente serão afetados precisam receber informações adequadas e oportunas e devem participar democraticamente do processo de remoções e tendo espaço para propor alternativas que minimizem os deslocamentos, reduzindo os impactos negativos sobre as vidas das pessoas.
Entretanto, para Diane Barros, integrante do Comitê Popular da Copa e moradora da região não há um diálogo pré-estabelecido entre Prefeitura e a comunidade:
A gente já sabe que a Copa no Brasil foi aprovada há muitos anos e eles tiveram muito tempo pra fazer esse diálogo, pra ir às comunidades, conversar com as pessoas e fazer da melhor maneira possível e isso não foi feito. Então não teve diálogo em nenhum momento
De forma geral o material elaborado pela ONU, sintetiza o processo que deve ser feito de acordo com as leis em respeito aos direitos humanos em três etapas: antes, durante e depois das obras.
Por exemplo:
Antes das obras:
As pessoas atingidas têm o direito de procurar assessoria independente para discutir e elaborar projeto alternativo.
A notificação da remoção deve conter justificativa para a decisão tomada, inclusive informações sobre as alternativas propostas. Na ausência de alternativas razoáveis e que não envolvam a remoção, a inevitabilidade do despejo deve ser comprovada. Assim como devem ser indicadas todas as medidas planejadas para minimizar quaisquer efeitos negativos das remoções e para proteção dos direitos humanos dos atingidos.
A comunidade deve ter tempo para realizar um inventário detalhado dos bens e direitos afetados.
O local de reassentamento deve estar pronto: – construção de casas, fornecimento de água, eletricidade, saneamento, escolas, acesso a estradas e alocação de terras e moradias- antes que a comunidade seja para lá removida. Estes locais devem atender aos critérios e condições de moradia adequada.
Os relatos de muitos trabalhadores que possuem estabelecimento na Avenida Tronco, como Manoel Fritz, também evidenciam a política contraditória adotada pela Prefeitura:
Eu me sinto traído como pessoa, como gente né. Como ser humano eu me sinto traído. Eu me sinto enganado. Me sinto tratado como criança. Que tu engana, engana, da uma balinha pro cara… Cada vez que eu reclamo eles: “ah, me da tapinha nas costas, ah ta tudo bem. Eu vou lá contigo, vou acertar contigo.” Aí chega na hora e o cara some, o processo some, e o troço vira em nada. Eu sinto que fui traído. Pelo sistema, pela prefeitura e pelas pessoas que tão gerindo a coisa lá.
Já, durante o processo de remoção, os Princípios Básicos, indicam que nenhuma remoção deve ser realizada sem o acompanhamento de funcionários públicos devidamente identificados. Além de observadores independentes também identificados, que devem estar presentes para garantir que a força, a violência ou a intimidação não aconteçam. Quanto à comunicação por parte dos órgãos públicos, ela deve ser formalizada e deve ser feita a todos os que serão removidos. Além disso, durante a remoção prevê-se que os órgãos de assistência jurídica e social e de direitos humanos sejam comunicados.. As pessoas devem receber assistência para a saída e transporte, em especial, aos grupos com necessidades específicas. A cartilha menciona, até questões ambientais sob as quais as remoções não devem ocorrer, como despejos realizados durante a noite e sob chuva.
O depoimento de Cláudia Favaro, por exemplo, evidencia o despreparo da Prefeitura ao atuar no momento dos despejos:
O que eu acho determinante é o fato de a remoção acontecer aleatoriamente. Pingado, sabe? Também, claro, são as pessoas que aceitam sair. Mas tu acaba gerando danos ao redor, danos para os vizinhos que ainda estão no processo de negociação. Porque tu pega a casa e destrói a casa, quebra o cano de água, quebra o cano do esgoto e fica ali aberto, jorrando. Ou demora três, oito dias para fechar e tirar os entulhos. As vezes, a casa é grudada uma na outra, então demolia uma casa e rachava a outra. Não tem acompanhamento técnico, não tem acompanhamento psicossocial, não tem acompanhamento de engenharia pra saber se vai dar algum abalo. É uma coisa feita bem na pressão. O processo de remoção é bem desrespeitoso. Mas principalmente desse cenário de guerra que se cria que começa a coagir as pessoas a não suportarem mais estar ali “caiu do meu lado uma casa, caiu do outro lado outra casa, caiu atrás de mim, minha casa está cambaleando “ah quero sair daqui o mais rápido possível!
Para Vera Müller, moradora na Avenida Tronco o que resta é um cenário confuso, triste e de guerra:
Ah, quando tu olha assim, tu vê casas, aliás, tu nem vê casas mais tu vê só aqueles terreno ali que está cheio de entulho tu sente uma tristeza, angústia. Porque tu vê as pessoas já que resolveram seu problemas, dai tu vi lá vê como que está teu processo dai eles não sabem onde que está. Dai dizem assim: Ah perdi, abre outro. E ninguém aparece para conversar com você. Então fica isso ai.
Ah, quando tu olha assim, tu vê casas, aliás, tu nem vê casas mais tu vê só aqueles terreno ali que está cheio de entulho tu sente uma tristeza, angústia. Porque tu vê as pessoas já que resolveram seu problemas, dai tu vi lá vê como que está teu processo dai eles não sabem onde que está. Dai dizem assim: Ah perdi, abre outro. E ninguém aparece para conversar com você. Então fica isso ai.
Confira no vídeo a situação vivenciada por algumas famílias e sob que aspectos algumas remoções ocorreram:
A cartilha de orientações para os casos de remoção ainda indica que nenhum processo de remoção pode usar a demolição das casas ou das lavouras como retaliação ou ameaça contra a população. Também explica que os bens das famílias afetadas não podem ser destruídos e a situação específica de mulheres e grupos em condição de vulnerabilidade – idosos e crianças- não pode ser ignorada.
Porém, uma das moradoras entrevistada conta que sabe de relatos que comprovam que essas obras violaram os direitos de algumas mulheres.
Um primeiro relato foi de uma menina, moradora da Avenida Tronco. Ela era mãe solteira e um representante da prefeitura falou que para ela poder ter uma casa ela primeiro teria que arrumar um marido. Isso é mais que uma violação!
Confira trecho do vídeo do protesto no Dia Internacional da Mulher em que as moradoras da Avenida Tronco cobram do Secretário do Demhab, Marcos Botelho, o respeito aos direitos à moradia para mulheres.
Com relação à etapa final do reassentamento e de início das obras, a indicação é a de que “todas as pessoas, grupos, e comunidades têm o direito ao reassentamento, que inclui o direito a moradia adequada, de qualidade igual ou superior à moradia original”. Nesse sentido, os responsáveis pelo reassentamento devem, por exigência legal, cobrir todos os custos da remoção para o novo local de moradias. Além disso, deve-se dar assistência médica e psicológica quando necessária durante o planejamento e execução das operações de remoção, assim como no processo de reassentamento ou retorno para uma nova moradia.
Enfim, os procedimentos aqui divulgados apontam uma síntese de soluções para desenvolver projetos de remoção que respeitem os direitos humanos. Uma vez que todos têm o direito ao acesso a algum tipo de remediação, como o aconselhamento legal e a assistência jurídica gratuita, o retorno, a restituição, a indenização justa, o reassentamento e a reinserção social.
Projetos que determinam a remoção sem que os atingidos tenham sido envolvidos no planejamento e nos processos decisórios. Ou ainda, projetos, que lesam moradores na execução dos despejos ou que durante as negociações não cumprem com os padrões internacionais de direitos humanos, estão cometendo violações e devem ser questionados. Esses tratados e leis estabelecidos por direitos humanos, portanto, respaldam movimentos sociais, comunidades e meios de comunicação para pautar os projetos de mobilidade urbana que envolvam as remoções de famílias, como no caso da Avenida Tronco.
A partir da leitura desses tratados e da avaliação de documentos e entrevistas dos moradores conclui-se que houve violação de direito à moradia pois a política adotada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre não resguardou os direitos dos moradores e adotou uma política contraditória que privilegiou a construção de obras ao invés de planejar e garantir o reassentamento das famílias. O resultado disso, é que após três anos de intensas negociações e constrangimentos sociais, os impasses não foram resolvidos, as obras não foram concluídas e muitos moradores continuam em meio aos escombros.
Documentos e Multimídia
A investigação jornalística iniciou em março de 2014, ano em que reunimos uma quantidade significativa de materiais e documentos, a fim de conhecer mais o assunto referente à Copa do Mundo e as obras na Tronco, compondo um processo intenso de coleta de dados e de fascínio pelo caso. Essa etapa do estudo documental foi fundamental para compreender os meandros do acontecimento investigado, pois é a partir dos documentos que conseguimos sistematizar boa parte dos conflitos.
O trabalho documental contribuiu para que se conseguíssemos chegar a algumas conclusões sobre o assunto investigado. Ou seja, para compreender a conjuntura sociopolítica da Avenida Tronco foi necessário compilar documentos e fazer uma varredura de arquivos sobre a vinda da Copa do Mundo e o direito à moradia. Foram coletadas desde informações mais corriqueiras sobre o caso, até documentos oficiais fornecidos pela Prefeitura Municipal via internet. Também materiais advindos de outras produções jornalísticas –em jornais independentes, documentários e revistas- que também abordaram o assunto. Este link apresenta boa parte dos materiais utilizados para esta investigação, a fim de dispor mais informações sobre o caso.
Documentos e materiais sobre a Copa e o direito à moradia
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
http://www.onu.org.br/
img/2014/09/DUDH.pdf
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, parágrafo 1º.
Sites para acesso
Portal Popular da Copa- Ancop
http://www.portalpopulardacopa.org.br/
Prefeitura Municipal de Porto Alegre- Departamento Municipal de Habitação
http://www2.portoalegre.rs.gov.br
/demhab/
Portal SECOP/Porto Alegre
Portal Transparência na Copa
http://www.transparencianacopa.com.br/
Blog da Raquel Rolnik
Documentos extras
Martiz de Responsabilidade da Copa
http://www.copa2014.gov.br
/pt-br/brasilecopa/sobreacopa
/matriz-responsabilidades
Planejamento de Gestão Técnica “AVENIDA TRONCO”
Documentos contraditórios sobre os valor das obras de mobilidade urbana da Avenida Tronco
https://www.dropbox.com
/sh/hqdghrzi8oskotp
/AAAvLwXDjD24BCCkzJbuQrKMa?dl=0
Imagens em “prints” capturadas nos Portais veiculados à Prefeitura Municipal de Porto Alegre “Portal da SECOPA” e “Transparência nas obras”
https://www.dropbox.com
/sh/t1xvemviezg29x4/
AAA2Qo9sKXaQ94uM7PJB7so2a?dl=0
Mapas e imagens com a visão atual da Avenida Tronco e Visão alterada de acordo com as projeções das obras
https://www.dropbox.com
/sh/pnucavsy6hc3mfv
/AAACMRzDmbsWa8cN0EEa3pTda?dl=0
Lista de vídeos
“A Beira da Copa num Porto pouco Alegre”- ESPN
https://www.youtube.com
/watch?v=SodzvALBR0M&
list=UUIHSWNx2aidSvGhnGLFGmRA
Documentário: A CoPA qUe o MUNdo perDeu em PortO ALegRe
https://www.youtube.com
/watch?v=Z39sWy5M-TA
Documentario: Os Estrangeiros da Vila Tronco
https://www.youtube.com
/watch?v=q17yBd0-VEI
Oficina de Vídeo para defesa dos direitos humanos- Chave por Chave
https://www.youtube.com
/watch?v=z-1DPxlf_Uk
Oito de Março – Protesto na Avenida Tronco:
https://www.youtube.com
/watch?v=9ih4b0FM-4Y
https://www.youtube.com
/watch?v=uCkYYH0oft8
https://www.youtube.com
/watch?v=cF64dF73fVU&
list=UUIHSWNx2aidSvGhnGLFGmRA
https://www.youtube.com
/watch?v=vH2h_K1Ah4I&
list=PLVwQzAbSLIIf5Tl6eufXs4yPcvNpmoQ2Q
Audiência Pública realizada no dia 23/11/2012
https://www.youtube.com
/watch?v=jZBiKrZeQOE&
list=UUIHSWNx2aidSvGhnGLFGmRA
#Copa2014: Cruzeiro – Seu Zé defende “Não ao aluguel social e não a casa de passagem”
https://www.youtube.com
/watch?v=U9vU9ukTbM4&index=33&
list=UUIHSWNx2aidSvGhnGLFGmRA
#Copa2014: Cruzeiro – Morador critica bonus-moradia de R$ 52 mil para moradores sairem da região
https://www.youtube.com
/watch?v=dCkt0XKF0CU&
list=UUIHSWNx2aidSvGhnGLFGmRA
#Copa2014 Cruzeiro: Morador critica prefeitura Porto Alegre
https://www.youtube.com
/watch?v=r5mCwwj_aFU&
list=UUIHSWNx2aidSvGhnG
LFGmRA&index=37
Jose Fortunati diz “nenhuma pessoa será despejada”
https://www.youtube.com
/watch?v=7E4CkMoq5OY&
list=UUIHSWNx2aidSvGhnG
LFGmRA&index=52
Ato Bloco de Luta e Comitê Popular da Copa na Vila Cruzeiro
https://www.youtube.com
/watch?v=FS_f_sRUX9I&
index=28&list=PLVwQzAbSLIIf5Tl6eufX
s4yPcvNpmoQ2Q
Entrevista programa D Docente com Cláudia Favaro
A Investigação
Nos Escombros da vida: uma reportagem investigativa sobre a violação de direitos à moradia durante as obras da Copa do Mundo de 2014, na Avenida Tronco (Porto Alegre, RS) integra o Trabalho de Conclusão de Curso da acadêmica Luciele Oliveira, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria. O trabalho de conclusão, na forma de Projeto Experimental, foi orientado pela Profª Drª. Viviane Borelli.
Esse produto tem como objetivos específicos: investigar o processo de violação do direito à moradia no caso da Avenida Tronco; produzir a reportagem para web, com utilização de recursos multimídia e de hipertexto. Através da reportagem procuramos detalhar como ocorreu a violação do direito à moradia na Avenida Tronco em função das obras da Copa do Mundo de 2014, mostrando contradições do processo por meio de investigações documentais e da escuta dos envolvidos: moradores, lideranças comunitárias, representantes da Prefeitura Municipal e de movimentos sociais.
O produto busca também registrar historicamente o contexto atual de Copa do Mundo. Além de informar e despertar outros processos criativos continuados, propondo o diálogo e discussão sobre relações sociais e políticas no contexto dos megaeventos esportivos, a fim de dialogar com a sociedade.
Da jornalista e dos métodos utilizados
Um primeiro relato foi de uma menina, moradora da Avenida Tronco. Ela era mãe solteira e um representante da prefeitura falou que para ela poder ter uma casa ela primeiro teria que arrumar um marido. Isso é mais que uma violação!
As obras na Avenida Tronco trouxeram à tona o debate sobre o direito à moradia e a procedência da Prefeitura Municipal e de seus parceiros -envolvidos em projetos de mobilidade urbana- para execução dos despejos e a recepção da Copa do Mundo de 2014. Esse cenário conjuntural despertou questões acerca do papel do jornalismo no esclarecimento das ações sociais e políticas envoltas nesse processo de remoção de moradias e no registro da violação do direito à moradia em contexto dos megaeventos esportivos. E esses questionamentos desembocaram na construção de um material jornalístico com elementos mutimidiáticos e hipertextuais que mostrasse – a partir de um processo de investigação – a situação vivenciada por essas famílias devido aos despejos. Para desenvolvimento da investigação sobre o caso foi elaborado uma metodologia de trabalho própria que envolveu busca e estudo de documentos, cruzamento de dados, busca de fontes, ida a campo, para por fim, construir a reportagem.
Nesse sentido, acredito que o produto produzido tenha cumprido com o propósito de seguir os preceitos do jornalismo investigativo mostrando que, apesar dos percalços, é possível mostrar, por meio de uma reportagem para a web, o processo de violação do direito à moradia, sofrido pelos moradores da Avenida Tronco em Porto Alegre, durante a Copa do Mundo de 2014.
“Nos Escombros da Vida” trata-se de uma reportagem investigativa para web que reflete também um período de vivencia único e doloroso proporcionado pela investigação, especialmente no que se refere à responsabilidade e compromisso com a “verdade” relacionada ao que foi ouvido e visto no local das obras da Avenida Tronco. Talvez toda investigação possua um lado “sofrido”, pois não é fácil traduzir um assunto, em especial, aqueles que lidam com determinados setores que querem ocultar as informações. É um trabalho delicado, pois nos sentimos pressionados a fazermos as escolhas certas para não promover mais injustiças.
Nesse sentido, acredito que o caráter experimental se faz presente no produto desenvolvido e foi encarado como tal pela jornalista que o produziu. A investigação foi um desafio, pois o caso possuía também um contingente de envolvidos muito grande, que exigiria mais que o tempo dedicado para essa pesquisa. Afinal de contas, falamos de 1.525 famílias, cerca de 8 mil pessoas que foram afetadas por essas obras.
Procurei dar visibilidade à falas de alguns atores sociais, buscando evitando recair sobre o erro frequente de caracterizar os moradores da comunidade removida com estereótipos. Acredito que o texto acabou transparecendo a complexidade que é a questão da moradia que requer avaliação minuciosa das partes envolvidas, dos seus discursos e dos direitos e de todo o processo político que permeia o caso. Nesse sentido, vê-se que um trabalho de busca e pesquisa foi empreendido para dizer o que foi dito, contudo, ainda podem ser explorados mais elementos da linguagem e ferramentas da web. Visto a dificuldade que temos de encontrar referenciais na profissão, e também das barreiras tecnológicas que nos exigem estudo técnico para desenvolver aquilo que desejamos.
Por fim, não cabe aqui romantizar o papel do jornalista, pois não somos detetives ou heróis. Contudo, busco colocar a profissão a serviço dos direitos humanos, calcada sempre no interesse público e social da pauta. Uma vez que construímos significados e transmitimos informações baseadas em comprovações em fontes e em fatos que rodeiam o dia a dia de milhares de pessoas, mas que nem sempre estão esclarecidos e bem resolvidos, como a vida de muitos na Avenida Tronco.
Lembro também que existe uma esfera humana da profissão que não pode ser rechaçada. Principalmente no que se refere ao compromisso com a exposição e a busca de assuntos que necessitam serem questionados. Isso é extremamente importante, em uma época em que cada vez mais a investigação se tornou utópica na profissão e o jornalismo investigativo continua secundarizado nas redações.
Encerro este comentário, relembrando os conselhos de outros jornalistas, utilizados ao longo das linhas escritas na reportagem, em que o leitor não se aproxima com fogos de artificio ou com denúncias violentas, que se esvaem no dia seguinte, mas sim com a informação precisa. Pois cada vez que um jornalista alimenta a lógica do sensacionalismo e coloca o lucro como motivação para produção, contribui para a desqualificação da profissão e com a construção de uma comunicação rasa. O jornalismo não é um circo para exibir-se, mas sim um instrumento para pensar, criar e ajudar o homem em seu eterno combate por uma vida mais digna e menos injusta.
Expediente
Jornalista: Luciele Oliveira
Orientadora: Viviane Borelli
Revisão: Anderson Trindade Chaves e Martina Schaedler
Design do website: Andrei Lopes
Desenvolvedor Web: Leandro Minato