Realidade e sentimento na obra de Frida Kahlo
Ana Paula Jorge Klainpaul
-Publicado na revista Apreciando, Edição nº 20, página 40.
O presente artigo versa sobre a pintura “El abrazo de amor de El Universo, la tierra, yo, Diego y el soñor Xólotl” (1949) da artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954), pintada em óleo sobre tela nas dimensões 70×60,5 cm. Podemos apontar em suas obras, tendências surrealistas, em especial neste quadro representa um momento de fragilidade de Frida, onde ela se retrata segurando em seus braços, seu ex esposo – Diego Rivera – na figura de uma criança, e evidencia elementos da cultura mexicana bem como da mitologia pré-hispânica.
Pela diversidade e amplitude que envolveu os aspectos da arte no século XX, é um tanto difícil caracterizar a artista com precisão, pois tanto na Europa quando nos demais países, ao invés de um movimento uniforme, o que existiu foram correntes artísticas que se auto-afirmam principalmente pela quebra dos valores tradicionais e pela busca de técnicas e meios de expressão capazes de traduzir uma nova realidade que ora se apresentava. Neste contexto não há como enquadrar Frida Kahlo em um movimento artístico especifico de seu, país, ela traduz características de alguns destes movimentos, porém não participou ativamente de nenhum, preferiu ser além de pintora, uma revolucionária atuante na política mexicana e uma mulher que, apesar das adversidades, lutou para a construção de uma nova ordem cultural. Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon, nasceu em 6 de julho de 1907, em Cyocan, no México. Como uma revolucionária, militante do partido comunista e agitadora cultural, teve uma vida cheia de percalços. Aos 6 anos de idade, contraiu poliomielite (paralisia infantil), mas recuperou-se. Porém sua perna direita ficou afetada e teve de conviver com um pé atrofiado e uma perna mais fina que a outra.
Em 1925 aos 16 anos, o ônibus em que Frida estava chocou-se contra um trem. Ela foi atravessada por uma barra de ferro que perfurou seu abdome, lesionou a coluna vertebral e saiu pela pélvis. Passou por 35 cirurgias permanecendo por muito tempo presa a uma cama sendo necessário o uso permanente de um colete de gesso que auxiliava a sustentação da coluna. Foi nesta época que ela começou a pintar, quando sua mãe pendurou um espelho em cima de sua cama. Aos 22 anos casa-se com o pintor Diego Rivera, socialista e mais importante, pintor mexicano do século XX, que pertenceu ao movimento Muralista. O casamento não foi bem visto pela família de Frida levando em conta o fato de ele ser vinte anos mais velho que ela. Diego desenvolveu um importante papel na vida de Frida, ajudou-a a revelar-se como artista.
Em 1939, em Nova York, faz sua primeira exposição individual, que é bem vista pela crítica. Em seguida, viaja para Paris e lá, conhece Pablo Picasso, Wassily Kandinsky e Marcel Duchamp. Por levar uma vida conturbada, Frida encontra-se com a saúde fragilizada. Em 1950, permanece internada durante nove meses com fortes dores na perna direita, que teve de ser amputada. Com isso, Frida entra em depressão, porém não deixa de pintar.
Frida Kahlo destaca-se, principalmente, na produção de auto-retratos, onde utiliza fantasia e estilos inspirados na arte popular do seu país – México. Influenciada pela obra de seu marido Frida optou pelo emprego de amplas zonas de calor e sensíveis pinceladas, em um estilo deliberadamente ingênuo. Prezava para que suas pinturas afirmassem sua identidade mexicana e para isso, utilizou em vários quadros temas extraídos do folclore e da arte popular do México. Posteriormente, incluiu elementos fantásticos claramente introspectivos, a livre utilização do espaço pictórico e a justaposição de objetos incongruentes, que refletiu no desenvolvimento de seus trabalhos ao ponto de serem relacionados como movimento surrealista.
Considerando que não houve, na primeira metade do século XX, uma arte uniforme, visualizamos em sua obra, um conjuntos de tendências artísticas, proveniente de diferentes países, com propostas e objetivos que se aproximam, e traços que se assemelham no sentido de liberdade criadora, no desejo de romper com o passado e na expressão da subjetividade.
Depois do casamento com Diego Rivera, Frida apresenta uma notável mudança de estilo. Se em seus primeiros trabalhos demonstra interesse pela pintura renascentista italiana, depois, seus trabalhos mostram um estilo voltado à arte popular mexicana e sem qualquer compromisso com as regras da perspectiva. (KETTENMANN, 1994.)
Frida Kahlo encontrou na arte popular mexicana algumas de suas principais temáticas como as “figuras de Judas” – tipo de esqueleto que a acompanham em alguns auto-retratos. Também aparece vestida com roupas típicas da cultura indígena mexicana. Seus quadros são uma expressão de sua própria consciência nacional, neles, predominam as cores verde branco e vermelho da bandeira mexicana. Obteve reconhecimento artístico ainda em vida e sustentando-se da vendo de seus quadros. Frida participou de várias exposições, tanto em grupo quanto individuais, nos Estados Unidos Europa e México na década de 40.
No final dos anos 40 viu-se a deterioração de sua saúde, permaneceu por muitos meses internada e somente depois da sexta, num total de sete operações que fez na coluna no ano de 1950, é que ela sentiu-se em condições de voltar a pintar quatro a cinco quadros por dia. Para isso foi montado um cavalete especial em sua cama para que pudesse trabalhar deitada de costas. Com o agravamento de seu problema na coluna e na perna, Frida ficava a maior parte do tempo em casa, uma vez que, não podia percorrer longas distâncias. Nesta época, pinta poucos auto-retratos, dando maior ênfase às naturezas mortas.
O seu trabalho até 1951 apresenta ampla precisão técnica, mas o frágil estado de saúde começa agora a afetar-lhe a destreza da mão. Devido às fortes dores que sentia na coluna, Frida tomava uma medicação cada vez mais forte, o que talvez tenha sido a provável causa para suas pinceladas mais frouxas, apressadas e quase descuidadas; uma aplicação mais densa de tinta e um executor menos preciso caracterizam sua pintura de 1952. No ano de sua morte, 1954 havia dias que simplesmente não conseguia pintar, devido ao débil estado de saúde.
Em seus últimos quadros, fica evidenciada sua simpatia pelo socialismo utópico, onde abraça as idéias marxistas, seu último quadro (que ficou inacabado) é um retrato de Karl Marx. Ao observarmos seus últimos trabalhos, notamos uma evolução no sentido de que os mesmos foram ganhando matrizes cada vez mais ideológicas. Visualizamos Frida Kahlo num quadro social e político que exigiu dos artistas intelectuais uma tomada de posição ideológica, do que resulta, em grande parte, em uma arte engajada, de clara militância política.
Observando a obra “El Abrazo” notamos alguns traços que são característicos na produção artística de Frida Kahlo, entre eles, o princípio dualista: dia e noite, sol e lua. Há presença de elementos mitológicos, como o cão (Xolótl) que representa o ser que guarda o reino dos mortos na mitologia pré-hispânica e Cihuacoatl, a Deus da Terra mexicana. Deste modo, Frida reconstrói um novo mundo para ela e Diego, onde dia e noite penetram-se mutuamento o sol e a lua formam um núcleo do universo envolvendo a terra (México) representada pela vegetação que os circunda e a deusa Terra Cihuacoatl de cujo útero nasce toda flora, segundo a mitologia (KETTENMANN, 1994.) que segura em seus braços a estéril Frida; enquanto dos seios da Deusa nasce um rio de onde sai leite, dos seios de Frida, que surge como uma representação em menor tamanho de Cihuacoatl, nasce um rio de sangue que representa a ausência da fertilidade.
A amarga incapacidade de ter filhos faz com que a artista assuma um papel maternal para com Diego e representa a figura de seu esposo como um recém nascido em seus braços, nele aparece um terceiro olho, símbolo de sabedoria e as chamas que tem nas mãos representam a purificação renascimento e renovação. (KETTENMANN, 1994.).
Compreendemos esta pintura como um quadro complexo, uma vez que, apresenta grande número de informações e diversos planos com cores e texturas variadas. A composição aparece de maneira equilibrada, centralizda e disposta em um formato piramidal, e, nela notamos uma linha vertical dominante que atravessa a tela, transmitindo a ideia de ascendência, bem como, duas diagonais na parte inferior passando a sensação de deinâmica e movimento.
Suas formas são fechadas e encontramos dois círculos perfeitos na parte superior que se apresentam com certa simetria dentro da estrutura da tela, uma forma ovalada onde se localizam os três rostos das figuras principais também podendo enquadrá-las dentro de uma grande pirâmide.
O quadro possui vários planos, sendo que, no primeiro estão as mãos que abraçam Frida, Diego e a deusa Cihuacoatl, localizadas na parte inferior em diagonais. Num segundo plano vemos o cão (Xólotl), na parte inferior esquerda, e um terceiro plano que pode ser subdividido em outros três: com Diego em primeiro, depois Frida atrás a figura da Deusa. E finalmente os dois circulos que representam o sol e a lua, a vegetação que rodeia a composição central forma outros vários planos.
A pintura também revela uma grande variedade cromática, com predominância das cores frias, entre elas os verders e marrons, com alguns toque de vermelhos e beges. As relações de luz e sombra transmitem equilíbrio entre claros e escuros, passando a sensação de volume, proximidade e profundidade.
Encontramos o fundo da pintura rico em texturas, do mesmomodo que percebemos variações de textura em todo o quadro. No sol, na lua, nas plantas e raízes vemos uma textura mais carregada e detalhista, já nos personagens e nas mãos que simbolizam o universo, percebemos uma textura mais lisa. Notamos um grande contraste localizado no centro da tela, gerado pelo vermelho do vestido e o verde da vegetação, ocasionada pelo uso das cores complementares, este grande contraste faz com que nosso olhar focalize o centro da pintura e não se perca na variedade de texturas e detalhes no fundo.
Percebemos uma desproporção – possivelmente proposital – no tamanho da figura que representa Diego, este e pintado como um bebê um tanto corpulento, incongruente como uma criança de colo. Esta desproporção pode ter o intuito de não se desprender de todo da realidade, uma vez que Diego Rivera era um homem grande acima de seu peso. As práticas de pintura de que nossos conceitos artísticos advêm são bastante variadas. Talvez possamos compará-las com a gama de experiências individuais e coletiva dos povos. O grande desafio é interpretar a arte de Frida Kahlo, observando a mudança cultural e a dinâmica da economia e da política. Desde a descrição mais simples das formas, linhas e cores são projetos que absorvem experiências vividas, com isso, queremos dizer o quanto a vida de Frida refletiu em toda a sua trajetória artística como demonstração de seus sentimentos e expressões dos acontecimentos que se desenvolvem em função do ambiente que a cerca.
Observando sua obra identificamos um conjunto de aspectos dentro da cultura popular mexicana, bem como do gosto da artista, desprendida de qualquer convenção social e estilística. Os estilos artísticos perceptivos no quadro da autora são elementos que nos dão indicativos para equacionar influências de épocas e entender a mecânica, ou a dinâmica das criações e recriações.
Referencial bibliográfico
DICIONÁRIO, Oxford De Arte. São Paulo: Martins fontes, 1996.
KITTENMANN, Andréa. Frida Kahlo 1907 – 1954: Dor e Paixão. Colônia (Alemanha): Benedikt Taschen, 1999.
TREVISAN, Armindo. Como apreciar a arte. Porto Alegre: AGE, 2002.
CUNHA, Elisabete. “Quem foi Frida Kahlo?”. Disponível em: <HTTP://www.portalartes.com.br/portal/article_read.asp?id=417> Acesso em 30/06/07 ás 15h00min.
FRIDA Kahlo. Disponível em <HTTP://www.publispain.com/fridakahlo> Acesso em 30 de junho de 2007 ás 15h20min.