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Língua de sinais na vida e na Universidade



 

Eles “falam” através dos dedos. Fazem inúmeros sinais para transmitir seus pensamentos e, muitas vezes, sentem a vibração do som. Nem toda universidade tem o privilégio de ter professores surdos em seu corpo docente. Além da experiência em Libras, língua materna, eles trazem consigo uma grande bagagem, repleta de conquistas, vitórias e superações.

Wilson de Oliveira Miranda é um dos três professores surdos da Universidade Federal de Santa Maria, e um dos sete com doutorado no Brasil. Acompanhado pela filha Mariela Miranda, que o auxilia em diversas situações como intérprete, tanto na vida pessoal como na profissional, Wilson chega com um andar descontraído no Centro de Educação (CE), local em que atua, na maior parte do dia, como professor e também coordenador do curso de Educação Especial diurno.

O professor, natural de Santa Maria, iniciou sua vida acadêmica na própria UFSM. Mas não na área da Educação Especial, e sim na Educação Física. Formou-se no ano de 1985 e, após a conclusão, logo começou a trabalhar no Centro de Atendimento Complementar da Educação Especial como bolsista em Libras. A ideia de trabalhar com Libras surgiu porque Wilson percebeu que havia muitos surdos que não tinham professor específico da língua. Então, começou a ajudar nas aulas de Libras.

Trabalhou no Centro até 1996 e, então, foi para Caxias do Sul trabalhar na escola para surdos Hellen Keller. Essa foi a primeira vez que teve contato direto com outros surdos. “Foi uma experiência ótima, porque tive oportunidade de trabalhar somente com Libras e com crianças” explica através da voz da filha. Sua trajetória na serra gaúcha perdurou por três anos e logo ele passou no mestrado em Comunidade Surda na UFRGS.

A pesquisa, baseada na identidade surda, foi realizada em Charqueadas/RS, cidade pequena perto de Porto Alegre. “Era praticamente zero a comunicação dos surdos lá. Ninguém sabia falar Libras, ninguém mantinha contato” comenta. Wilson trabalhou dois anos na cidade. Logo após, foi pra Porto Alegre e conseguiu passar em um concurso para o Centro Municipal de Educação do Trabalhador Paulo Freire, escola em que havia surdos e ouvintes. Permaneceu por 10 anos trabalhando nessa escola e, durante esse tempo, aproveitou para terminar o mestrado na UFRGS em 2001, e já iniciou o doutorado, tendo como tese a “Experiência em Pedagogia Que Nós Surdos Queremos”. 

Assim que recebeu o diploma de doutor, em 2007, Miranda passou em dois concursos: na Universidade Federal de Santa Catarina e também na UFSM. Mas a proximidade da família o fez escolher o coração do Rio Grande. Um ano após iniciar as atividades na UFSM, foi promovido a coordenador do curso de Educação Especial diurno. “Trabalho, principalmente, em Libras para cursos de licenciatura e alguns de bacharelado e também trabalho com Ensino a Distância” explica.

Wilson, que se expressa com maestria através dos ágeis dedos, comenta que dentro de sala de aula precisa ser um bom professor: “Às vezes, é um pouco difícil, porque os alunos não sabem Libras e aí precisa de uma intérprete”.

Questionado quanto às outras atividades, explica que também participa de reuniões do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), de colegiado e departamento, sempre acompanhado de uma ou duas intérpretes, para facilitar a comunicação, que é um pouco difícil. “Por exemplo, nas reuniões do CEPE, não tem como participar sem intérpretes. Mas gosto de participar das reuniões, pois é uma troca de experiências, uma experiência intercultural com as pessoas que não falam Libras e com as que falam, afinal, cada um tem uma cultura diferente”, ressalta.

Presente na UFSM há um bom tempo, Wilson passou pelas mudanças do processo seletivo, que, agora, abre vagas específicas para candidatos com deficiência. “Para mim, como professor, a estrutura da UFSM para abrigar surdos é boa, pois há intérpretes. Mas esse número é reduzido, já que algumas [intérpretes] se formaram e outras fizeram concurso para dar aulas”.

No último concurso vestibular, o professor percebeu que vários surdos fizeram a prova e foram bem, sendo que dez passaram do ponto de corte. No entanto, com a prova de redação, apenas dois alunos tiveram êxito, sendo que esses são os que têm mais contato com a língua portuguesa. Para Wilson, a redação do vestibular é feita para o português dos ouvintes, o que acaba prejudicando candidatos surdos. “Eu sinto que os surdos são reféns da língua portuguesa. É muito difícil a compreensão, porque, infelizmente, o português não é a primeira língua dos surdos” comenta. O professor acredita que a prova de redação deveria ser em vídeo para que a pessoa surda pudesse tratar do assunto falando em Libras. “Eu sei que a língua portuguesa é muito difícil para as pessoas surdas e era muito provável que elas fossem mal na redação, porque as regras de português são diferentes”, explica.

Libras é a primeira língua dos surdos- e não o português, como a maioria das pessoas acredita. Wilson, que acredita na mudança do processo seletivo, torce para que, futuramente, essas regras possam ser modificadas para que os surdos possam ter as mesmas oportunidades.

Em relação a sua vida pessoal, o professor de cabelos acinzentados e sempre com um sorriso no rosto conta que é casado e diz conseguir distinguir bastante a vida privada da vida acadêmica, mesmo que a última exija um pouco mais de atenção.

A UFSM ainda conta com outros dois professores surdos, André Reichert, professor efetivo e colega de profissão de Wilson, e também uma professora substituta em Libras, Angelisa Goebel. No Brasil todo, há apenas sete professores doutores surdos e existem muitos que estão fazendo mestrado, além dos que fazem especialização. “Acho que deve haver mais ou menos uns cem professores na área” finaliza o professor, que se comunica, agilmente, pela língua de sinais, e é um exemplo para toda a sociedade.

 

Repórter: Andréa Ortis – acadêmica de Jornalismo

Edição: Luciane Treulieb 

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