A 37º Semana Acadêmica da Comunicação (SECOM), que ocorreu do dia 23 a 26 de outubro na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), envolveu inúmeros palestrantes, entre eles o patrono deste ano da Feira do Livro de Porto Alegre, Luiz de Martino Coronel. Além de publicitário, Coronel é considerado um dos maiores compositores de músicas regionalistas do Rio Grande do Sul e é reconhecido também por sua carreira de escritor de poesias. Com mais de 50 obras, já ganhou prêmios no Brasil, México e Espanha.
Falando um pouco de sua carreira, Coronel contou na palestra sobre seu início profissional como redator na Agência Vox Publicidade. Com orgulho, destacou que também já foi professor e vendedor de polígrafos de pré-vestibular. Com a apresentação de vídeos de campanhas publicitárias, Coronel deixou claro que seu trabalho tem o objetivo de despertar a emoção. “Propaganda é o casamento entre negócio e arte”, afirma.
Alguns ouvintes foram gentilmente presenteados com CDs, contendo as poesias de Coronel, um escritor que acredita que “criar, acima de tudo, é uma forma de intensificar sua própria vida, e que a propaganda é um acréscimo de sonhos”. Na entrevista a seguir, Coronel discorre sobre sua carreira, dificuldades e expectativas.
Quais dificuldades você enfrentou para criar duas agências de publicidade?
Luiz Coronel: Em primeiro lugar, eu estava chutando latinha de cerveja, sem saber o que fazer, havia largado a magistratura. Um amigo me disse que eu escrevia bem, e perguntou se eu não gostaria de escrever para propaganda. Foi o que eu fiz, para a Rádio Continental. Fiz uma campanha de democratização no Brasil, de alta irreverência, “Calça cuecão não tem guilhotina, calça cuecão não aperta os seus documentos”. Em seguida, peguei a propaganda do Zaffari, e fui poetizando. Entrei como redator em uma agência, e dentro de dois anos já era diretor da empresa. Impulsivo, muito determinado.
Como você insere a literatura na propaganda?
L.C.: Certa vez, ganhei uma estatueta que dizia “Luiz Coronel, o homem que introduziu a poesia na propaganda brasileira”. Eu acho que influenciei a propaganda brasileira com essa linguagem. Lembro das primeiras vezes que fui ao Rio de Janeiro e São Paulo para apresentar esses filmes, hoje não causo mais tanta surpresa, mas na época era a inauguração de uma nova linguagem, afetiva, amorosa.
Entre todos os trabalhos, há algum do qual você se orgulha mais?
L.C.: Acho que todo criador nunca está pronto. Mas acho que meu melhor ciclo criativo foi o de milongas nos jornais nos anos 70. Antes de Chico Buarque fazer suas músicas sobre ter uma mulher, eu já fazia. Os gaúchos com suas facas, brigando, e eu escrevendo:
A colina de meu ventre
agora se fez montanha.
A vida que em mim se aninha
por onde for me acompanha.
Estenderei no aramado
alvos cueiros, alvas fronhas
pra que pensem que em minha casa
pousam garças e cegonhas.
(Leontina das Dores à Espera de Seu Filho)
Se banhou na água do açude,
se afeitou lá na figueira.
Eram soluços os cascos
do baio na polvadeira.
Partiu com a lua a cabresto
e só voltou no arrebol.
Parecia um boi cansado
puxando a carreta do sol.
Me vesti toda de rendas,
enchi de flores as jarras
por quem troca o meu sorriso
pelo pranto das guitarras.
(A Triste Milonga de Leontina das Dores à Espera de Seu Homem)
Acho que essa foi a melhor fase que eu tive.
Quais são as expectativas para a 58ª Feira do Livro de Porto Alegre?
L.C.: Trabalho, trabalho, trabalho. Ver meus filhos; a questão de ser patrono vai os impulsionar muito. Esse livro novo, “A esperança e Desalento”, é muito desafiador para mim. Há poemas muito fortes e violentos, sobre torturadores, corruptos, mentiras; sobre o sacrifício do povo, sobre o fracasso da criação do processo civilizatório. Que civilização é essa que não pode andar na rua por medo de assaltantes? Quer dizer, sinto que o poder público fracassou perante as inquietações da sociedade. Isso está dentro do meu novo livro. E eu me orgulho muito de tê-lo feito, não poderia ficar com estas questões trancadas na garganta.
O livro de poesia amorosa me agrada, mas não poderia ficar com a imagem de um homem que trata de tema amoroso e deixa de tratar das aflições de seu tempo.
Como foi receber o título de patrono da Feira do Livro?
L.C.: Se eu falar com sinceridade, eram 10 candidatos, pensei “não chego com as mãos vazias”. Tanta música, tantos livros. Ninguém distribuiu tantos livros para as crianças quanto eu. Foram 39 mil exemplares da “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”. Entretanto, as coisas acontecem muito tarde em minha vida. Meus amigos de infância, quando já iam aos cabarés, eu ainda era coroinha. As coisas demoraram muito para vir, então esse reconhecimento veio muito tarde, mas para mim foi muito bom. Talvez, se eu tivesse a badalação que me dão hoje, eu não teria criado tudo que criei. Não era convocado para tantas entrevistas, tantos jornais, rádios, televisão, viagens. Eu era um escritor não reconhecido, mas muito paciente trabalhando.
Eu acho que um reconhecimento tardio é muito bom, para qualquer artista. Se eu dependesse de aplausos, teria parado. Apesar de que, o meu primeiro livro, em 1973, ganhou um prêmio do MEC. Mas havia um equívoco muito grande na cidade de Porto Alegre, os homens de letras diziam que eu era um publicitário que queria ser escritor, e os publicitários diziam o contrário. Hoje, eu junto os dois. E agora sou candidato a publicitário do ano.
Qual é a grande satisfação de um poeta?
L.C.: Saber que o poema move atitudes, que várias escolas publicam poemas, colocam nos murais. Saber que quase 200 mil pessoas recebem meus poemas no jornal Correio do Povo, que me assistem na televisão todas as quintas-feiras. Que não estou engravidando gavetas. Que a minha emoção não é aristocrática e individual, mas que se reparte. É isso que é importante.
Diria que, acima de tudo, você é um poeta?
L.C.: É a minha constante. O resto são as variáveis.
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Repórteres: Franciele Varaschini e Myrella Allgayer
Fotos: Ítalo Padilha
Edição: Luciane Treulieb