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Professora e doutoranda da UFSM coordenam elaboração de Dicionário Comunitário de Língua Compartilhada

Programa de Pós-Graduação em Letras esteve envolvido em projeto em escola de Novo Machado



foto vertical colorida mostra uma mão segurando o livro, cuja capa traz uma ilustração de um rio com pedras e o título do dicionário
Exemplares do dicionário serão distribuídos gratuitamente aos alunos, bibliotecas locais e CRE

A professora Verli Petri e a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) Rejane Fiepke Carpenedo estiveram na coordenação da elaboração do “Dicionário Comunitário de Língua Compartilhada – Palavras e expressões de uso coloquial em região de fronteira e colonização mista”. O livro será lançado no dia 16 de novembro, às 9h, na Escola Estadual de Ensino Médio Professor Antônio Barella, no município de Novo Machado. O lançamento será durante o evento em comemoração aos 60 anos da escola e poderá ser acompanhado ao vivo pela página da escola no Facebook.

A ideia da construção do dicionário surgiu a partir de um diálogo entre a doutoranda Rejane com as professoras da escola, Margarida Welke, Adriane Bortoli e Ivanete Jurach, momento em que se estabeleceu uma ponte entre a escola e a Universidade. Rejane levou até a escola o seu conhecimento sobre dicionários regionais, adquirido a partir das aulas e do acompanhamento das pesquisas da professora Verli Petri. A temática das línguas em circulação em regiões de imigração perpassa as pesquisas acadêmicas da doutoranda desde 2014, e a elaboração deste dicionário possibilita que o saber científico institucionalizado possa cumprir o seu papel social.

Todo o processo de construção do dicionário foi orientado e supervisionado por Verli, pesquisadora do Laboratório Corpus-PPGL/UFSM, que tem um vasto currículo e mais de 20 anos de pesquisa com dicionários, sendo internacionalmente reconhecida pelo seu trabalho. O evento de lançamento do dicionário contará com a presença da pesquisadora, que estará visitando Novo Machado e região pela primeira vez.

Novo Machado é um município constituído de características que interferem diretamente no aspecto linguístico dos seus habitantes: foi colonizado, a partir de 1918, por imigrantes alemães, italianos, russos e poloneses. Cada um destes grupos identitários zelava muito pela preservação da cultura de suas terras de origem, especialmente no que se refere às línguas. Além disso, Novo Machado faz divisa com a Argentina, o que resulta em um fluxo migratório constante e relações de convivência entre o português e espanhol.

Esse conjunto de fatores sócio-históricos reflete na língua falada pelo povo. Independente da própria origem étnica, praticamente todos na comunidade conhecem uma “oma” e uma “nona”, já comeram “polenta com fortaia”, pão com “chimia”, e um “reviro” feito na hora, e passam por aqueles dias em que se acorda sem “voia” pra nada. O projeto de construção do Dicionário Comunitário de Língua Compartilhada teve como objetivo instigar os alunos a identificarem quais são estas palavras, ausentes dos dicionários padrões de Língua Portuguesa, e reuni-las para compor um dicionário próprio.

Foram longos meses de trabalho e empenho de uma grande equipe até a finalização do livro. Participaram do projeto alunos voluntários do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. A primeira etapa consistia na realização de palestras e atividades com os alunos, no intuito de descontruir a ideia de que dicionários só podem ser escritos por lexicógrafos, bem como, possibilitar a compreensão de que há uma língua viva em circulação na comunidade que traz consigo um imenso valor histórico e linguístico.

Foto colorida horizontal mostra um grupo de alunos em uma sala de aula sentados e conversando em um semicírculo de cadeiras
Alunos da Escola Professor Antônio Barella participaram de atividades voltadas à elaboração do dicionário

Posteriormente iniciou o período de coleta das palavras, quando os alunos passaram a observar a língua falada no âmbito social e familiar e registrar as ocorrências das expressões com sentidos universalizados. Todas as ilustrações do dicionário também foram feitas pelos próprios alunos.

Outro momento que marcou os alunos participantes foi a visita a duas famílias residentes na zona rural da comunidade: na propriedade do casal Lori e Ari Hess, acompanharam o longo processo de produção da “chimia de tacho”, semelhante ao famoso “melado”. Na casa da “nona” Ilda e do “nono” Bruno Freddi, com o auxílio da dona Ivone Rigon, os alunos aprenderam a fazer “polenta” e “fortaia”. Estes momentos de imersão cultural fizeram com que os alunos pudessem observar que a língua não é uma coisa abstrata, e sim o reflexo da realidade da vida.

“A UFSM cumpre seu papel de inserção no interior do estado”

Para Verli, “a elaboração de um dicionário compartilhado abre um espaço de autoria para crianças e jovens na escola, preparando-os para a vida em sociedade, onde deverão trabalhar em equipe e defender o bem-estar da coletividade e a preservação da memória do povo e do patrimônio imaterial que é a língua falada por um dado grupo social”. Ela acrescenta ainda que “a UFSM cumpre seu papel de inserção no interior do estado do Rio Grande do Sul, atendendo às demandas da comunidade e o resultado é belíssimo”.

A transformação do dicionário em livro impresso aconteceu graças ao apoio do Fundo Social Sicredi, que contemplou o projeto a partir de sua submissão ao edital da edição 2022. Foram impressos 160 exemplares, que serão distribuídos gratuitamente aos alunos participantes, às bibliotecas locais e Coordenadoria Regional de Educação. Posteriormente, será disponibilizado gratuitamente em formato PDF para os interessados em conhecer o trabalho.

Com 199 verbetes, a obra conta também com um depoimento exclusivo do professor doutor Anatólio Gach, da Universidade Estatal de São Petersburgo, Rússia. Anatólio nasceu em Novo Machado, em 1937, e foi quem levou a língua portuguesa do Brasil para a União Soviética e o Leste Europeu, tornando-se um dos maiores filólogos de língua portuguesa do mundo.

As coordenadoras esperam que esta iniciativa possa instigar outras escolas a lançarem um olhar sobre os aspectos históricos e culturais que circundam a região em que estão inseridas. O Dicionário Comunitário de Língua Compartilhada se configura como uma contribuição para a memória histórica da comunidade, e o convite é para que esta obra seja conhecida e apreciada por leitores de todos os recantos.

Fotos: Divulgação
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